segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Rabat tenta blindar a ocupação do Sahara Ocidental usando as Canárias como moeda de troca

 


A imprensa espanhola volta a reproduzir, quase sem filtros, o enquadramento narrativo do lobby marroquino: Marrocos «ofereceria» a Espanha uma suposta garantia de não tocar nas Canárias em troca de Madrid aceitar como um facto consumado as suas ambições sobre o Sahara Ocidental e a sua fachada atlântica. A abordagem, divulgada através do Atalayar (órgão da propaganda marroquina em língua espanhola) e amplificada acriticamente pelo El Periódico (da Catalunha), baseia-se numa premissa falsa: que a ONU teria «apoiado» o plano de autonomia marroquino. Na realidade, a Resolução 2797 (2025) não reconhece qualquer soberania de Marrocos sobre o território, mantém o quadro de descolonização pendente e preserva o direito do povo saharaui à autodeterminação. Tudo o resto é propaganda de Rabat. A partir dessa narrativa manipulada, Marrocos tenta apresentar como natural que possa delimitar espaços marítimos que afetam o Sahara Ocidental — território não autónomo e ocupado ilegalmente — e estender essa lógica até às Canárias. O discurso proposto por Rabat é claro: se Espanha aceitar que Marrocos fixe unilateralmente a mediana atlântica, controle o espaço aéreo do Sahara — atualmente gerido a partir de Gran Canaria — e consolide a sua apropriação dos recursos saharauis, então o regime alauita garantiria que «não haverá problemas com as Canárias». A mensagem implícita é inquietante: transformar a segurança do arquipélago numa moeda de troca para branquear a ocupação.

Um dos pontos mais graves é a tentativa de Marrocos de legitimar o seu controlo sobre o Monte Tropic, um monte submarino a sudoeste de El Hierro que alberga um dos maiores depósitos conhecidos de telúrio, cobalto e terras raras. Rabat tenta justificá-lo manipulando o estatuto do Sahara Ocidental, misturando a fachada atlântica marroquina com águas que correspondem ao território ocupado. Daí a proposta de uma «Zona de Desenvolvimento Conjunto» que, sob uma aparência técnica e cooperativa, procura na realidade consolidar uma repartição de benefícios sobre recursos que não pertencem nem a Marrocos nem a Espanha, mas ao povo saharaui, de acordo com as sentenças do TJUE e do direito internacional.

O artigo reproduzido também levanta a necessidade de coordenar com Marrocos a gestão do espaço aéreo sobre o Sahara Ocidental. Esta competência não é uma concessão espanhola, mas uma consequência direta do estatuto jurídico do território e da inexistência de soberania marroquina sobre ele. A transferência dessa gestão seria um ato político, não técnico, e significaria legitimar o ocupante. Marrocos sabe disso e, por isso, apresenta-o como uma «transição ordenada», procurando normalizar o que não passa de mais uma violação do direito internacional.

O texto acrescenta que as Canárias e Marrocos partilham ecossistemas e bancos de pesca, insinuando que ambas as partes deveriam aceitar uma delimitação «equitativa». Mas a equidade jurídica só pode existir quando se parte de duas soberanias reconhecidas. Aqui não é o caso: Marrocos não é soberano nem administrativo do Sahara Ocidental, e a Espanha continua a ser a potência administradora de jure. Pretender redefinir a fronteira marítima ignorando este facto só serve para reforçar a ocupação e invisibilizar o sujeito central do conflito: o povo saharaui.

A insistência marroquina em apresentar-se como «potência atlântica africana» é acompanhada por uma tentativa de arrastar a Espanha para um novo quadro, onde a prioridade seria criar um «espaço de confiança» capaz de atrair investimentos. Mas esse espaço de confiança é construído sobre uma base falsa: aceitar a apropriação dos recursos saharauis, assumir uma delimitação marítima feita à medida dos interesses de Rabat e relegar o direito internacional a um trâmite incómodo. A arquitetura jurídica que Marrocos tenta impor não só é ilegal, como introduz um elemento inaceitável: tornar a estabilidade das Canárias refém da aceitação espanhola da pilhagem no Sahara Ocidental.

Este tipo de abordagens não é novo, mas torna-se mais agressivo sempre que Rabat percebe fraqueza, ambiguidade ou complacência em Madrid. A realidade, no entanto, continua a mesma: não há delimitação marítima possível, nem Zonas de Desenvolvimento Conjunto, nem transferência de espaço aéreo, nem partilha de recursos estratégicos que possam ser construídos sem primeiro reconhecer que o Sahara Ocidental é um território pendente de descolonização e que o único detentor dos seus recursos é o seu povo, representado pela Frente Polisario. Qualquer tentativa de usar as Canárias como elemento de pressão política apenas demonstra até que ponto Marrocos precisa de legitimar uma ocupação que nem o direito internacional, nem os tribunais europeus, nem a própria ONU jamais validaram. (In No te Olvides del Sahara Occidental)

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