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| Conselho de Segurança da ONU |
Um artigo, talvez, demasiado optimista, mas que nos ajuda a refletir e a ler (e reler) as resoluções do Conselho de Segurança com mais frieza e atenção, pesando cada uma das suas palavras...
1. O que o
texto da resolução diz — e o que não diz
A resolução
do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) número 2797
(2025) não aprova a autonomia. Renova por um ano o mandato da
MINURSO, a missão encarregada de supervisionar o referendo de
autodeterminação do povo saharaui, até outubro de 2026.
O
texto «reafirma o seu compromisso de ajudar as partes a alcançar
uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável, em
conformidade com os princípios e propósitos da Carta das Nações
Unidas, que inclui o direito à autodeterminação do povo do Sahara
Ocidental».
As partes são
convidadas a «negociar sem condições prévias, com base na
proposta de autonomia de Marrocos». Esta fórmula diplomática não
implica qualquer aprovação: apenas indica que a proposta marroquina
pode ser discutida entre outras.
Não há nenhuma frase que
elimine o referendo ou que reconheça a soberania marroquina. O que
foi votado é uma renovação técnica, com uma linguagem semelhante
à dos últimos dezassete anos.
2. História
do plano de autonomia e sua repetição
Marrocos apresentou
o seu «plano de autonomia» em 2007. Desde então, todas as
resoluções o mencionam com nuances, começando pela S/RES/1754
(2007), que «toma nota da proposta marroquina, considerada séria e
credível».
Essa menção não significa apoio legal.
Simplesmente reconhece que existe uma proposta em cima da mesa. Na
mesma resolução, e em todas as posteriores, reafirma-se o direito à
autodeterminação.
Portanto, o facto de a ONU citar a autonomia
em 2025 não é novidade: faz parte de uma fórmula diplomática
repetida todos os anos há quase duas décadas.
3. Por que
2025 é mais favorável ao povo saharaui — mas apenas relativamente
Pela primeira
vez desde 2018, o texto inclui explicitamente a palavra
«autodeterminação», e não apenas «livre determinação» ou
«solução política».
O mandato
completo da MINURSO é prorrogado por um ano e é ordenada uma
revisão estratégica a seis meses, o que pode reabrir debates sobre
a supervisão do cessar-fogo e a vigilância dos direitos humanos.
Isto reflete a
pressão de países como a Rússia, Moçambique ou Argélia, que
insistiram em manter viva a referência ao direito do povo saharaui
de decidir o seu futuro.
No entanto, a
melhoria é limitada. A linguagem da ONU continua ambígua e não se
compromete a realizar um referendo imediato.
4. Por que a
ideia da «autonomia aprovada» é uma falsidade
Chamar de
«autonomia aprovada» ao que foi votado é pura desinformação. O
texto não concede soberania a Marrocos, não transforma o estatuto
do território e não impõe a autonomia como único quadro.
O CS da ONU não
tem poder para impor uma solução política unilateral. O seu
mandato consiste em mediar, não em reconhecer anexações. O povo
saharaui continua a ser o único detentor legítimo do direito à
autodeterminação, reconhecido pela ONU desde 1963 e reafirmado pelo
Tribunal Internacional de Justiça em 1975.
A confusão
advém do facto de muitos meios de comunicação e governos não
distinguirem entre «mencionar» uma proposta e «aprovar» uma
solução.
5. Votos,
abstenções e ausências: a realidade por detrás da
votação
A resolução 2797 foi aprovada com 11 votos a
favor, 3 abstenções (Rússia, China e Paquistão) e a não
participação da Argélia.
A Rússia justificou a sua
abstenção, salientando que o projeto «favorece uma das partes» e
«diluí o princípio da autodeterminação».
A China manteve a
sua posição habitual de não se alinhar com nenhum bloco, lembrando
que «toda a solução deve basear-se no consenso e no direito
internacional».
O Paquistão, que historicamente tem apoiado os
processos de descolonização, considerou que o texto «não reflete
de forma equilibrada as legítimas aspirações do povo saharaui».
A
Argélia, parte observadora essencial do processo, não participou em
protesto contra a redação do texto, que considera tendencioso em
relação a Rabat.
O rascunho filtrado e as emendas
Dias antes da
votação, foi revelado um rascunho americano (S/2025/692, de 30 de
outubro) com uma linguagem muito mais favorável a Marrocos:
eliminava a referência direta à «autodeterminação», mantinha
quatro menções explícitas ao plano de autonomia como «solução
mais viável» e omitia qualquer alusão ao referendo ou ao papel da
Argélia.
Após intensas
negociações, o bloco de países críticos (Rússia, Argélia,
Paquistão e China) forçou emendas que reintroduziram a referência
ao direito à autodeterminação, substituíram «a única solução
realista» por «uma possível base de negociação» e suavizaram a
exaltação do plano marroquino.
Por isso, esses
países, embora tenham mantido as abstenções, consideraram o texto
final «menos desequilibrado» do que o rascunho original. Se não
tivesse sido modificado, a Rússia tinha anunciado um veto direto.
Em anos
anteriores (2023, 2024), o padrão foi idêntico: os Estados Unidos
redigem um rascunho inclinado para Rabat, os membros do Conselho
matizam-no e o texto final mantém a ambiguidade habitual.
O problema é
que muitos dos que hoje comemoram ou repetem manchetes nem sequer
leram as resoluções anteriores. Se o fizessem, veriam que não há
nenhuma novidade: a ONU repete o mesmo roteiro ano após ano.
6. O papel
vergonhoso da imprensa espanhola e as celebrações marroquinas
Meios
de comunicação como El País, EFE ou La Vanguardia publicaram
manchetes que parecem ter sido ditadas pelo Ministério das Relações
Exteriores marroquino: «A ONU apoia o plano de autonomia de
Marrocos». Nenhum jornalista explicou que o Sahara Ocidental
continua a ser um território pendente de descolonização e que a
Espanha continua a ser a potência administrante de jure,
segundo as Nações Unidas.
A imprensa espanhola atua como
amplificadora do Makhzén, repetindo uma linguagem política que
ignora o direito internacional. Informa com entusiasmo sobre uma
«vitória diplomática marroquina», enquanto esconde que a
resolução não contém uma única palavra sobre soberania.
E,
entretanto, em Rabat e na ocupada El Aaiún, Marrocos celebra com
fogos de artifício, desfiles e bandeiras algo que não ganhou: uma
menção repetida que carece de efeito legal. Celebram fumo.
Bandeiras sobre papel molhado.
7. O que
realmente existe
O Conselho de
Segurança não mudou de posição desde 2007:
– A autonomia
marroquina continua a ser uma proposta, não uma decisão.
– A
autodeterminação saharaui continua a ser um direito inalienável.
– O referendo
continua pendente e a MINURSO continua com o seu mandato.
O problema não
é a resolução, mas a ignorância geral sobre o que foi votado.
Todos os anos é aprovado o mesmo, mas a imprensa vende-o como uma
reviravolta histórica e os marroquinos celebram-no como uma anexação
consumada.
Nada muda. O
único facto concreto é que o povo saharaui continua à espera que o
direito internacional seja cumprido, enquanto a ONU reitera, mais uma
vez, a mesma resolução com um número diferente e o mundo finge que
algo mudou.
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