sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Sahara Ocidental: duas propostas de solução


Foto: Bruno Zanzottera


O Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU para o Sahara Ocidental, Christopher Ross, passará provavelmente por Madrid a 27 de outubro nesta sua viagem pela região, cujo propósito é, segundo informação das próprias Nações Unidas, “intercambiar pontos de vista com atores-chave sobre a maneira de acelerar o processo em direção ao seu objetivo central identificado por sucessivas resoluções do Conselho de Segurança, que é uma solução política mutuamente aceite que permita a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental”.

Ross deveria ter realizado esta viagem em maio passado, se não fosse a curiosa e surpreendente decisão marroquina de pôr fim à cooperação com ele. Ross regressa ao terreno com a missão de “acelerar o processo em direção ao seu objetivo último”. Isso requererá reexaminar, por um lado, as causas que conduziram ao impasse atual e, por outro, a consistência das diferentes propostas de solução que existem atualmente sobre a mesa do Conselho de Segurança.

Ahmed Bukhari
O processo atual que Ross conduz em nome da ONU, na realidade, não parte do ano 2007, em Manhasset, mas sim de 1979. Nesse ano, a Resolução 3437 (1979) da Assembleia Geral insta Marrocos a “pôr fim à sua ocupação militar do Sahara Ocidental e a negociar com a Frente Polisario, na qualidade de legítimo representante do povo saharaui, os termos de um cessar-fogo e as modalidades de um referendo de autodeterminação”.


A OUA tentou ir por esta via e, ao confrontar-se, em 1983, com a negativa marroquina, tomou a decisão de admitir a República Árabe Saharaui Democrática (RASD) como membro de pleno direito. Marrocos, enfadado, retirou-se da Organização e o enfado dura até hoje. Em 1991, a persistência da ONU e da OUA e o resultado de 16 anos de guerra lograram convencer Marrocos a aceitar a organização de um referendo de autodeterminação em que o povo saharaui possa escolher entre a integração em Marrocos ou a independência.


A MINURSO desembarca no território para organizar o referendo em fevereiro de 1992

O resto é sabido. Rabat, em finais de 1998, chega à conclusão de que o referendo conduz inevitavelmente à independência do Sahara Ocidental e toma a decisão de o escamotear.

Após rejeitar o Plano Baker, Rabat comunica em abril de 2004 ao Secretário-geral da ONU, Kofi Annan, que se oporá a todo o plano de paz que inclua a opção da independência do Sahara Ocidental com o argumento de que a independência “põe em causa a soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental”. Kofi Annan responde no seu relatório de outubro de 2004 que a “opção da independência já havia sido aceite por Marrocos no Plano de Resolução”. Há apenas duas semanas, o relatório do Departamento de Estado norte-americano ao Congresso sublinhava que “Marrocos reivindica a soberania sobre o Sahara Ocidental, posição que não é aceite pela comunidade internacional”. O relatório vai ainda mais longe quando enfatiza que “Marrocos não é considerado pela ONU a potência administrante de jure do território”. Na realidade quem possui esse estatuto é Espanha, embora continue a fugir a esta verdade.

Em junho de 2007, animado por alguns sectores da Administração Bush, pelo próprio Chirac, Zapatero e, mais tarde, por Sarkozy, Marrocos apresenta ao Secretário-geral a sua famosa proposta de “autonomia”, que é imediatamente contestada pela proposta da Frente Polisario. O Conselho de Segurança acolhe as duas propostas sem qualificar nenhuma delas de “séria ou credível”, como Marrocos o quer fazer crer. Para isso basta ler o texto da Resolução 1754 (2007). Tendo por pano de fundo estes desenvolvimentos, iniciamos o processo de Manhasset, em junho de 2007.

A “terceira via” que Rabat propôs é, na realidade, uma solução unilateral destinada a legitimar um “despojo de guerra”. O seu pecado capital radica na presunção irrealista de que a comunidade internacional e a Frente Polisario aceitariam em princípio a sua premissa essencial, ou seja, a soberania marroquina proclamada unilateralmente sobre o Sahara Ocidental.


Para Rabat, a autodeterminação é algo secundário, supérfluo, e sua função é a de "confirmar um acordo", que deve incidir unicamente sobre a incorporação do território em Marrocos, e esta deve ser a única finalidade da negociação.

Marrocos continua longe da realidade, do senso comum e da legalidade internacional

A proposta saharaui difere da marroquina na medida em que deixa aberta a possibilidade a todas as opções reconhecidas pela ONU para um problema de descolonização e, por conseguinte, a todas as soluções, como a independência e a autonomia ou a integração, que, neste caso, é o mesmo cão com diferente coleira...

Consequentemente, aos olhos da Frente Polisario, a negociação deve situar o centro de gravidade na consulta ao povo saharaui e a sua finalidade reside em remover os obstáculos no caminho do referendo de autodeterminação.

Esta visão foi revalidada pelo próprio secretário-geral da ONU no seu relatório de abril de 2011, ao enfatizar que “conhecer a opinião do povo saharaui é o elemento central na procura de toda e qualquer solução justa e duradoura”.

O ponto inovador que incorpora a proposta da Frente Polisario é o convite a Marrocos de ampliar o horizonte que temos pela frente e aproveitar o processo para visualizar os termos reciprocamente ventajosos nas duas alternativas — independência ou autonomia—  que entrariam em vigor no dia seguinte aos resultados do referendo. Marrocos continua a voltar as costas a este convite.

Passaram cinco anos desde o início do processo de Manhasset e forçoso é constatar que ele não leva a lado nenhum, pela simples razão de que a proposta marroquina, tal como é e está articulada, mina os fundamentos e a razão de ser de um processo de autodeterminação relativo a um conflito de descolonização. Enquanto isso, Marrocos quer aparecer como bombeiro voluntário para “apagar fogos” longínquos, sejam eles no Sahel ou no Próximo Oriente. A estratégia evasiva é evidente. Alguns podem estar empurrando o jovem rei para essas latitudes em troca de "promessas".  Seja como for, encorajado por alguns, dentro ou fora, Marrocos continua a orbitar longe da realidade, do senso comum e do direito internacional.
Em última análise, não fazem nenhum bem nem a Marrocos nem à região. Essa órbita e o seu corolário em matéria de violação dos direitos humanos — "uma questão de séria preocupação" até para o Departamento de Estado dos EUA, e a pilhagem de recursos de um povo indefeso só pode agravar a tensão, afastar ainda mais e mais saharauis e marroquinos e complicar a missão de Ross.



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