Edifício das Nações Unidas. Nova Iorque |
Artigo de Haddamin Moulud Said (*). O relatório do Enviado Pessoal do SG das Nações Unidas, Christopher Ross, analisado em detalhe.
Em todo o conflito, as partes conflituantes, só aceitam uma
mediação quando ocorre uma de duas situações: a) situação de maturidade do conflito,
que é quando cada uma das partes, já esgotada, toma consciência da sua respetiva
situação e toma consciência de que não pode vencer a outra parte. E, então, o desejo
de mediação converte-se em algo desejado pelos dois lados, já que o custo do não
acordo é superior ao custo do acordo; e b) Pressão Internacional, que acontece
quando ambas as partes estão sujeitas a tal pressão internacional que acabam
por se sentar à roda da mesa de negociações.
No caso do conflito do Sahara Ocidental, existem dados
históricos que testemunham que o acordo das partes em aceitar uma mediação internacional,
não foi o resultado da maturidade do conflito, mas sim da pressão internacional.
De facto, Marrocos, para demostrar que não se encontrava esgotado, voltou à
casa zero, ao recusar, agora, o referendo. A Polisario, por seu lado, dispõe de
uma força inesgotável: a força da razão jurídica.
O barulho das espadas havia mobilizado a Comunidade
Internacional para obrigar as partes a procurar encontrar uma solução negociada.
E, uma vez conseguido o termo das hostilidades, a Comunidade Internacional, já aliviada,
decidiu respirar fundo.
Uma vez que a mediação foi acatada pela pressão
internacional, é muito difícil que se consigam progressos substanciais na
ausência dessa mesma pressão internacional. Mas o que motiva a Comunidade
Internacional a exercer uma pressão? Depende das circunstancias do momento.
Durante muitos anos, a mera existência de campos de
refugiados, dando visibilidade ao conflito, havia encorajado a Comunidade
Internacional a preocupar-se com a questão e a pressionar as partes (não faltavam
atores, o PSOE e o desprezível Bernabé Lopez García, que defendia a tese de acabar
com os campos de refugiados através de alguma contribuição orçamental da
Agência espanhola de Cooperação Internacional, porque entendia que a mera existência
de campos de refugiados era a única coisa que dava visibilidade ao conflito).
Atolado num processo de negociação assim, um Ross
extremamente metódico — basta ver a prioridade e a ordem que dá a cada ideia
nos itens da sua exposição, apresentou um relatório ao Conselho de Segurança das
Nações Unidas no passado dia 28-11-2012.
Vejamos.
Para começar, começa com o básico: as partes querem a paz? Querem
as partes prosseguir o processo? Aparentemente, sim. Mas por que razão as
partes continuam a dizer (Ross começa dizendo) que "confirmaram o seu
compromisso de trabalhar com a ONU"?. Simplesmente porque participar na
mediação tem uma conotação positiva, no sentido de que, face à comunidade
internacional, isso é entendido como um interesse na paz.
Em seguida, traz à tona o tema de fundo: Qual o papel da
mediação e o das partes? A estratégia de mediação escolhida por Ross parece ser
a do simples manipular a interação entre as partes. Ou seja, não assume nenhum papel
de guia, limita-se a orquestrar a interação entre ambos os lados. No entanto,
no segundo ponto da sua exposição, Ross alerta o Conselho de Segurança que até
mesmo as partes, recusam a isso. Por isso diz que "cada uma das partes
atribuí a falta de progresso, não só à recusa da outra parte em negociar com
base na sua proposta, mas concretamente à falta de uma ação decisiva da Comunidade
Internacional, do Conselho de Segurança, do Secretário-Geral e do seu Enviado Pessoal".
No ponto Terceiro se esconde, talvez, a única garantia que
BKM poderia ter dado a Mohamed VI, no famoso telefonema de agosto passado. É
que em cada uma das reuniões, a Polisario surge a negociar com Marrocos em
igualdade de condições. E essa publicidade e notoriedade que as reuniões dão à a
Polisário (uma entidade face a um Estado) é o que mais dói a Marrocos. Dizer,
como Ross o faz, de que a continuação das reuniões daria ainda mais
visibilidade à estagnação, não é verdade. Estanque-se ou não se estanque, o
processo deve continuar, senão não há nenhum processo. O que é certo é que a
continuação dos encontros dão visibilidade à Polisario no cenário
internacional.
Os órgãos de comunicação social marroquinos haviam espalhado
o boato de que BKM, no telefonema de agosto, se havia comprometido na não
ampliação do mandato da MINURSO, certos meios saharauis engoliram a mentira. Pois
bem, a ampliação do mandato não compete a BKM, mas ao Conselho de Segurança,
portanto o SG da ONU não poderia comprometer-se com tal posição. E, em segundo
lugar, ainda que pudesse fazê-lo, não há necessidade, uma vez que (Mohamed VI) sabe muito bem que sempre
haverá alguém disposto a fazê-lo sem o menor rubor (França).
Além disso, o acerto desta abordagem é que ela deixa bem
claro qual das partes alertou para a importância da manutenção de contactos (advertência
contida no ponto terceiro do relatório, in fine).
Ao anunciar, por agora, o fim das reuniões, Ross foi
obrigado a fazer uma nova proposta. Esta proposta consiste, precisamente, em lembrar
à comunidade internacional que a pressão exercida no início do processo para que
as partes aceitassem a mediação, continua a ser necessária, agora, para
conseguir progressos na mediação. Insistindo, ante essa Comunidade Internacional,
que as próprias partes sentem a falta da ação decisiva da CI. Em dois eixos,
então, se centra a nova proposta de Ross: primeiro, incentivar a CI para que pressione
as partes a fim de que avancem na negociação; segundo, manter a calma na
região, através do que ele designa de "diplomacia silenciosa" que,
por enquanto, só podemos dizer que se refere ao silêncio das armas.
No Quarto ponto do relatório, Ross, volta à carga. Ciente de
que, durante anos, a única razão que preocupou a Comunidade Internacional a
exercer alguma pressão, foi a existência de campos de refugiados, agora, Ross
acrescenta um novo elemento para a preocupação da CI: o terrorismo e o Sahel. E
fá-lo da forma mais eficaz que se pode fazer e a que mais medo provoca: " as
pessoas de toda a região, poderiam ser tentadas a aderir a um ou outro dos
grupos no norte de Mali." E para equilibrar o agravo anterior (o termo das
reuniões) compensa a Frente Polisario com uma declaração de que vale o seu peso
em ouro: "Em Marrocos, os órgãos de comunicação social continuavam falando
de uma ligação entre a Polisario e estes grupos, mas os funcionários de alto
nível em Rabat e Nouakchott foram claros em dizer que não existe tal relação.
Um anúncio que, certamente, deveria ser publicado em todos os jornais na Galiza
e no jornal “El País”.
Sobre a sua visita ao Sahara Ocidental e aos campos de refugiados
(pontos quinto, sexto e sétimo do relatório), Ross reproduz o esquema mental do
discurso oficial da Polisario, quando diz: "Neste sentido chamou-me a
atenção o facto de não haver saharauis nativos no seio das forças de segurança de
El Aaiún e noutras partes do Sahara Ocidental, sendo todos oriundos de Marrocos.
Nesta frase afirma que o território tem os seus próprios habitantes e que a força
coerciva existente é estrangeira. Para adicionar mais a este esquema mental, recorda
que existe um povo nos campos de refugiados cuja força ativa está disposta a pegar
em armas.
Outra evidência que refuta a notícia falsa sobre o
telefonema de agosto, está no segundo parágrafo do ponto oito do relatório,
quando diz que o artigo 73 da Carta obriga a ONU a velar pelo bem-estar da
população do Território Não-Autónomo do Sahara Ocidental.
Ross, para reforçar o papel da MINURSO, introduz um novo
tópico no ponto oito do seu relatório, in fine. E chama os bois pelos nomes:
Marrocos é a Potência Ocupante, diz. Mas di-lo de forma diplomática: potência administradora,
de facto. A administração de jure (de
direito) distingue-se da administração de
facto, porque, a primeira, resulta de um acordo e, segunda, subsiste na ausência
de acordo. Acontece que, neste caso, o único acordo que há são os Acordos de Madrid,
e tais acordos são nulos. Assim, por mais que doa à ex-ministra Trinidad
Jimenez, Marrocos é a potência ocupante do Território Não-Autónomo do Sahara
Ocidental e, Ross acaba de recomendar ao Conselho de Segurança que o reconheça como
tal. Referindo-se à Frente Polisario, a leste do muro, Ross, age “com pinças”.
E diz que "desempenha um papel semelhante." Porque, claro, Marrocos
ocupa o território sem título jurídico e sem legitimidade internacional; enquanto,
a Polisário, ainda que carecendo de título jurídico goza, pelo menos, de
legitimidade internacional. Por
isso fala de "similar".
Todas estas apreciações são formuladas por Ross em relação à
MINURSO. Ou seja, coloca a questão controversa da relação da MINURSO Marrocos.
A bandeira que deve arvorar, a matrícula dos carros da MINURSO, os pedidos que
devem ou não ser requeridos às autoridades marroquinas, as comunicações, o contato
com os habitantes do território, etc, etc, etc É, nesse sentido, onde se
encaixam as apreciações de Ross.
Na medida em que tudo o que diz Ross é imputável a Ban Ki
Moon, por alguma razão é o seu Representante Pessoal, mais uma vez fica a
descoberto a fraude do telefonema de agosto. No ponto décimo primeiro do
relatório, Ross fala abertamente da questão dos Direitos Humanos. Mas ciente de
que se está metendo onde não é chamado (se me pedem um conselho, diz ele),
refere-se ao tema, recordando ao Conselho o seu dever de determinar se a
extensão e a magnitude dos eventos que ocorrem merecem ou não a atenção do
Conselho e, em tal caso, como monitorar
tais eventos. Diz textualmente: "corresponde a este Conselho e ao ACNUDH
decidir se a informação disponível merece a atenção e, se assim for, a melhor
maneira de fazê-lo."
Marrocos cometeu um sério erro de cálculo, retirando a
confiança a Ross e pagou-o caro. Mas isso não significa que a causa saharaui tenha
ganho uma batalha. O inimigo foi simplesmente duramente atingido, e nós, continuamos
a dispor do que só Deus pode privar-nos: a nossa inequívoca vontade de alcançar
a liberdade e a independência.
Advogado. Nasceu em Fidh Aueinat-Timiluza, Sahara Ocidental, a 21 de outubro de 1970. A sua família parte para o exílio nos campos de refugiados de Tindouf (Argélia) no Inverno de 1975, fugindo à invasão marroquina. Estudou em Cuba e licenciou-se em Direito pela Universidade de Valência, Espanha.
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