Vídeo do histórico
discurso de Felipe González nos territórios libertados
sob controlo da Frente
Polisario no dia 14 de novembro de 1976.
Artigo de Ana Camacho, En Arenas Movedizas. Ana Camacho, cursou jornalismo na Universidade Complutense de Madrid e foi, durante anos, jornalista do "El Pais", cobrindo a região do Magreb.
Sem o prestígio e a autoridade moral necessários para
enfrentar os desafios colocados pela sua convalescença, o PSOE lançou-se em resgatar
o passado para lembrar que hoje, 02 de dezembro, se cumprem 30 anos desde que
Felipe Gonzalez foi empossado primeiro presidente do governo socialista pelo
rei Juan Carlos, depois de conseguir uma maioria que nunca se veio a repetir.
A África hispânica constitui um bom exemplo da trajetória
que ia tomar o "governo da mudança", convertendo-se num grande golpe
para a ilusão dos seus eleitores, vítimas da ingenuidade juvenil e da inexperiência
política, depois de 40 anos de hibernação numa ditadura deplorável e miserável.
O caso mais evidente foi o do povo saharaui, que Felipe
Gonzalez já estava traindo mesmo antes de jurar a Constituição. Sempre que se
toca neste assunto, é quase obrigatório recordar o discurso solene nos
acampamentos saharauis, onde ele disse que estava ali para algo mais do que
prometer, porque isso já o haviam feito muitos outros e não haviam cumprido. O
seu discurso, disse-o aos saharauis, seria o genuíno de um governo que ia cortar
as amarras com o passado: "Sabemos que a vossa experiência é a de terem recebido
muitas promessas nunca cumpridas. Nós não prometeremos nada que não seja o
nosso comprometimento com a história. O nosso partido estará com vocês até à
vitória final".
Este discurso de 1976 (ver o vídeo completo), tornou-se o
símbolo da segunda traição espanhola ao povo saharaui, após os acordos de 14 de
novembro de 1975, através dos quais o último governo de Franco os tinha
entregado — como dizia Felipe Gonzalez — aos "governos reacionários de
Marrocos e da Mauritânia". No entanto, este não foi mais do que um dos
muitos atos de denúncia dos Acordos de Madrid, numa linha de oposição que Felipe
Gonzalez não alterou até ao seu triunfo nas urnas. Então, para o PSOE, era tão claro
que os chamados acordos de Madrid eram nulos em termos de Direito, que o XXVII
Congresso do partido aprovou uma resolução que ratificava o comunicado conjunto
adotado durante a visita de Gonzalez ao Sahara libertado, reiterando a sua
denúncia do falso tratado. "Ante a situação colocada no Sahara Ocidental
pelo abandono do regime franquista das obrigações que lhe correspondiam como
potência administrante no processo de descolonização do território, o PSOE
manifesta a sua profunda rejeição ao acordo tripartido de Madrid, de 14 de
novembro de 1975, através do qual entregou o território aos regimes marroquino
e mauritano… "
Em setembro de 1977, o então Secretário-Geral do PSOE, juntamente
com o Secretário-Geral adjunto da Frente Polisario, Bachir Mustafá Sayed, tornaram
público um comunicado em que se afirmava que a Espanha, como potência
administrante, não poderá extinguir as suas responsabilidades enquanto o povo saharaui
não tiver obtido o efetivo exercício do seu direito à autodeterminação e à independência.
Respaldando Felipe González encontravam-se outros importantes dirigentes
socialistas, como Luis Yáñez Barnuevo, Javier Solana e Luis Fajardo.
Na altura, não se falava de solidariedade, mas de vergonha e
de obrigações não cumpridas por Espanha. De acordo com a promessa que havia
feito aos saharauis de tomar todas as iniciativas possíveis no plano interno e
externo para anular oficialmente os Acordos de Madrid, em 1979, Gonzalez enviou
à Mesa do Congresso dos Deputados uma proposta de lei em que se pedia ao Governo
a denuncia formal do acordo tripartido.
Durante esses anos de oposição, os socialistas acusaram o então
governo da UCD de Adolfo Suarez de "irresponsabilidade histórica" e, até mesmo, de corrupção por ratificar o acordo de pesca com
Marrocos, salientando o perigo para a segurança das Ilhas Canárias que
representava conceder facilidades ao expansionismo de um estado falso, como é o
marroquino. Mas, antes mesmo que Felipe González jurasse a Constituição, o seu
ministro dos Negócios Estrangeiros, Fernando Moran, já havia declarado a 30 de
novembro uma clara advertência do que estava por vir: "Não só não faremos nada
para desestabilizar o rei de Marrocos, como tudo faremos, no que estiver à
nossa mão, para manter a sua estabilidade. "
Felipe González em 2009. Marrocos é o país
mais democrata do mapa muçulmano
e não há exploração ilegal dos recursos saharauis por parte dos invasores do território saharaui.
Efetivamente, assim foi. A anulação dos chamados acordos Madrid foi enterrada no esquecimento com malícia e premeditação, a começar pelo silêncio na imprensa sob a sua esfera de influência. Foram firmados novos acordos de pesca e fizeram-se todo o tipo de concessões a Hassan II, entre elas obstaculizar a divulgação das violações dos direitos humanos e a campanha a favor dos desaparecidos pela repressão marroquina. Sem mencionar que Narcís Serra conseguiu uma venda de armas a Marrocos sem precedentes.
Atirou-se a culpa pela metamorfose à CIA e ao Pentágono. Mas
não há que excluir que, tal como ocorreu no caso da Guiné Equatorial, abandonada
também por Felipe González à tirania do tirano Obiang, o fenómeno não tivesse
que ver com a premente necessidade do novo governo ganhar o apoio da França na
luta contra a ETA, na altura, num dos seus momentos de máximo recrudescimento,
ou à entrada na Comunidade Europeia que, em Bruxelas, ia sendo adiada, sob o
pretexto de dúvidas sobre a mudança democrática espanhola, enquanto nos bastidores
políticos se travava um duro braço-de-ferro em que a Espanha teve de fazer sérias
concessões à Itália e, especialmente, à França, a custo da sua produção agrícola
e, no caso da Inglaterra, à custa do esquecimento sobre Gibraltar.
A pista francesa e a sua obsessão de francofonizar e
estender a sua hegemonia aos remanescentes da presença espanhola em África
também atingiu a Guiné Equatorial. Na época, a oposição à ditadura de Obiang (entre
os quais, Severo Moto) denunciou que na cimeira franco-espanhola de La Granja,
em 1983, haviam sido feitas cedências às pretensões imperiais francesas em
troca de contrapartidas noutros cenários mais urgentes para a Espanha. Moran
negou-o, mas a trajetória seguida reflete uma entrega progressiva da influência
política e económica: a entrada da Guiné na comunidade de países africanos
francófonos, o abandono da moeda apoiada pela peseta e substituída pela moeda da
zona franco, apoiada pela França; a súbita mudança de opinião que, no último
minuto, levou a que, em vez de se enviar um contingente da Guardia Civil, como estava
planeado, fosse decidido não fazê-lo, facilitando assim o surgimento da nefasta
guarda marroquina que durante anos maltratou o povo guineense…
Vídeo da expulsão de simpatizantes da causa saharaui que empunharam
bandeiras da RASD
num comício de Rubalcaba em Santa Cruz de Tenerife durante a última
campanha eleitoral.
Rubalcaba limitou-se a comentar ante o desenlace pouco
democrático da cena:
"O que sinto é
que agora há lugares vagos e há gente lá fora"
Desde esse primeiro Governo de Felipe González, em 1982,
o PSOE não só não fez nada pela causa saharaui; mas, ao contrário, desenvolveu todo
o tipo de atitudes de apoio ao anexionismo marroquino: desde expulsar dos seus
comícios os eleitores que ousam empunhar bandeiras saharauis; a legalizar, nas
Canárias, associações de "vítimas do terrorismo" e aprovar, com desavergonhada
desenvoltura, iniciativas para distorcer os factos da história, cujo único
objetivo é equiparar a Polisario com a Eta, impensável mesmo para
os signatários dos Acordos de Madrid.
O passar do tempo tem mostrado que a conversão pró-marroquina
de Felipe González foi sincera em relação ao coração. Caso contrário, uma vez
afastado das suas responsabilidades de governo, pelo menos, poderia ter mantido
um prudente e dissimulado silêncio. Mas não, sempre que pôde mostrou um grande
entusiasmo em favor dos interesses de Marrocos diz que, para o bem de Espanha e
dos espanhóis.
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