sábado, 8 de dezembro de 2012

Sahara, Ceuta e Melilla: escandalosas declarações do Embaixador de Espanha em Marrocos

Alberto José Navarro González
O professor Constitucionalista Carlos Ruiz Miguel analisa as recentes declarações do Embaixador de Espanha em Marrocos.

O embaixador de Espanha em Marrocos proferiu, no dia 3 de dezembro, umas declarações absolutamente escandalosas. Chama a atenção, de forma muito expressiva, que em Espanha não tenham tido praticamente nenhum eco até que, hoje, duas páginas sobre o Sahara Ocidental tenham feito luz sobre as mesmas na parte relativa a este território. Estas declarações, gravíssimas, exigem uma declaração imediata e enérgica do Ministério dos Negócios Estrangeiros.


I. AS DECLARAÇÕES DO EMBAIXADOR E O SEU CONTEXTO
No dia 3 de dezembro, uma página web em espanhol mas editada em Marrocos, e que é utilizada para dar eco às teses da política exterior do majzen, publicava uma longa entrevista de um jornalista espanhol acreditado em Rabat (Paco Soto) com o embaixador do Reino de Espanha em Marrocos, Alberto José Navarro González, designado para o cargo no ano de 2010 pelo governo de Rodríguez Zapatero por proposta do MNE Moratinos.

O jornalista espanhol formula-lhe uma assombrosa pergunta à qual o embaixador espanhol dá uma resposta, insisto, escandalosa. Este é o fragmento:

- P: Continuam a existir divergências entre os dois países; por exemplo, em relação ao conflito do Sahara Ocidental e à natureza jurídica de Ceuta e Melilla. De que maneira se podem encarar estas discrepâncias na nova etapa das relações bilaterais?

- R: "Creio que através do diálogo. Não vejo outra forma. Como disse, temos que nos conhecer mais e melhor, dialogar e cooperar em todos os terrenos. É o que estamos a fazer e os resultados são bons, mas podem ser melhores. Sobre o Sahara Ocidental, Espanha tem que entender que a situação nesse território já não é a de 1975. Ocorreram muitas mudanças económicas e sociais. Marrocos investiu muito no Sahara, alterou a população. São elementos que temos que ter em conta para procurar uma solução para este conflito. Quero insistir no facto de que Marrocos e Espanha estão numa etapa de maturidade nas suas relações, e por isso decidiram que as Reuniões de Alto Nível (RAN) terão lugar todos os anos. No caso de que Espanha esteja presente no Conselho de Segurança da ONU no biénio 2015-2016, sabemos que iremos contar com o apoio de Marrocos".

II. CEUTA E MELILLA E AS DECLARAÇÕES DO EMBAIXADOR: É REATIVADA A "CÉLULA DE REFLEXÃO" DE HASSAN II?
Em Espanha o primeiro órgão de informação a fazer-se eco destas declarações, o “Observatorio Aragonés para el Sahara Occidental” (artigo reproduzido na página do ‘Poemario para un Sahara Libre’), faz um atinado comentário sobre as declarações referentes à colónia, mas omite o que se disse sobre Ceuta e Melilla.
E, no entanto, as declarações sobre estas cidades espanholas são tão graves, ou mais, que as que proferiu sobre o Sahara Ocidental.

Desde logo, resulta assombroso que o jornalista espanhol que faz a entrevista pergunte isto:

Continuam a existir divergências entre os dois países; por exemplo, em torno da (...) natureza jurídica de Ceuta e Melilla. De que maneira se podem encarar estas discrepâncias na nova fase das relaciones bilaterais?

E digo que é assombroso porque um jornalista que se diz "perito" nas questões diplomáticas hispano-marroquinas não pode desconhecer que a "natureza jurídica" de Ceuta e Melilla não oferece dúvida absolutamente a ninguém.
Uma coisa é a linguagem "política" e outra a linguagem "jurídica".
Juridicamente, convém recordá-lo, e de acordo com o Direito Internacional, não há absolutamente nenhuma dúvida de que Ceuta e Melilla são territórios de soberania espanhola.
Mas juridicamente, hoje 6 de dezembro, convém recordar também que Ceuta e Melilla são, conforme o Direito da Constituição, parte do território nacional espanhol expressamente mencionado na Constituição. Considera o jornalista que as disposições da Constituição Espanhola podem ser questionadas por outro Estado?

ministro dos Negócios Estrangeiros
espanhol García-Margallo

Mas que o diga um qualquer cidadão, pertence ao terreno do discutível. Por isso, resulta bem mais grave a resposta que o embaixador dá à pergunta. Reproduzamos de novo a pergunta e a resposta:

- P: " Continuam a existir divergências entre os dois países; por exemplo, em torno da (...) natureza jurídica de Ceuta e Melilla. De que maneira se podem encarar estas discrepâncias na nova fase das relaciones bilaterais?
- R: Creio que através do diálogo. Não vejo outra forma (...)

Ou seja, ante a pergunta do jornalista (espanhol, repito, ainda que acreditado em Rabat) de como "encarar" a "discrepância" ou "divergência" entre Espanha e Marrocos sobre a "natureza jurídica de Ceuta e Melilla", o Embaixador de Espanha em Marrocos responde que "através do diálogo. Não vejo outra forma".
O embaixador "não vê outra forma". Ou seja, que considera que as disposições constitucionais sobre Ceuta e Melilla podem ser discutidas por outro Estado e que ante essa gravíssima intromissão nos assuntos internos o que propõe não é um protesto diplomático mas o "diálogo".
O que fez o Embaixador Navarro é, nem mais nem menos, que aceitar a tese do criminoso Hassán II de que o futuro do território espanhol de Ceuta e Melilla deve ser submetido a uma "célula de reflexão" hispano-marroquina. Ideia esta que, também não o esqueçamos, foi aceite por Felipe González, num pacto secreto, pouco antes de ser desalojado do Governo graças à vitória de Aznar em 1996.

III. O SAHARA OCIDENTAL E AS DECLARAÇÕES DO EMBAIXADOR NAVARRO
Junto a estas, repito, gravíssimas declarações sobre Ceuta e Melilla, o embaixador Navarro acrescenta outras declarações sobre o Sahara Ocidental absolutamente inauditas na diplomacia espanhola. Este é o diálogo:

- P: Siguen existiendo divergencias entre los dos países; por ejemplo, entorno al conflicto del Sáhara occidental (...). ¿De qué manera se pueden encarar estas discrepancias en la nueva etapa de las relaciones bilaterales?

- R: "Creo que a través del diálogo. No veo otra forma. Como ya he dicho, tenemos que conocernos más y mejor, dialogar y cooperar en todos los terrenos. Es lo que estamos haciendo y los resultados son buenos, pero pueden ser mejores. Sobre el Sáhara occidental, España tiene que entender que la situación en ese territorio ya no es la de 1975. Se han producido muchos cambios económicos y sociales. Marruecos ha invertido mucho en el Sáhara, ha cambiado la población. Son elementos que tenemos que tener en cuenta para buscar una solución a este conflicto. Quiero insistir en el hecho de que Marruecos y España están en una etapa de madurez en sus relaciones, y por eso han decidido que las Reuniones de Alto Nivel (RAN) se celebrarán cada año. De cara a que España esté presente en el Consejo de Seguridad de la ONU en el bienio 2015-2016, sabemos que vamos a contar con el apoyo de Marruecos".

O primeiro comentário sobre estas declarações foi publicado pelo “Observatorio Aragonés para el Sahara Occidental”. Compartilho o comentário, ainda que deva fazer uma clarificação. No referido artigo, argumenta-se parte da crítica numa suposta frase que o embaixador espanhol teria proferida à cerca dos supostos "sucessos" que Marrocos teria alcançado no Sahara Ocidental. Porém, o embaixador no texto original da entrevista não fale de "sucessos" mas de "elementos". A palavra "sucessos", foi introduzida noutra página web, também em espanhol, da órbita do majzen que manipulou as palavras do embaixador para fazer-lhe dizer "estes são sucessos que há que tomar em conta na hora de procurar uma solução para o conflito", em vez de, na já de si também grave afirmação, de que "estes são elementos que há que tomar em conta na hora de procurar uma solução para o conflito", que é a frase original produzida.
Aclarado este ponto aprofundamos a questão. Vamos ao ponto mais grave da declaração.
O embaixador afirma que há "mudanças económicas e sociais" pois Marrocos "investiu muito no Sahara" e "mudou a população".
O embaixador Navarro, para aceder à carreira diplomática teve que superar vários obstáculos, entre os quais, teve que estudar Direito Internacional. Direito em relação ao qual, se supõe, se mantém atualizado.

Pois bem, o embaixador Navarro NÃO PODE IGNORAR (e ninguém duvida que não ignora) que os "investimentos" de Marrocos no Sahara Ocidental são contrários ao Direito Internacional dado que se realizaram sem "consulta" aos "representantes" da população autóctone (os saharauis) e sem que essa população resulte beneficiada. O embaixador Navarro NÃO PODE IGNORAR (e ninguém duvida que não ignora) o dictamen das Nações Unidas de 29 de janeiro de 2002 relativo às atividades económicas no Sahara Ocidental.
Do mesmo modo, o embaixador Navarro NÃO PODE IGNORAR (e ninguém duvida que não ignora) que o deslocamento de população por uma potência ocupante do território ocupado viola o Direito Internacional.
O embaixador Navarro NÃO PODE IGNORAR (e ninguém duvida que não ignora) que a potência ocupante do Sahara Ocidental, Marrocos, realizou atividades económicas no território ocupado para procurar perpetuar a colonização, privando dos postos de trabalho e dos benefícios a população originária e criando incentivos para a deslocação de colonos marroquinos.
O embaixador Navarro NÃO PODE IGNORAR (e ninguém duvida que não ignora) que mais de 90% dos trabalhadores do setor da pesca (uma das duas principais riquezas do Sahara Ocidental) são colonos marroquinos.
O embaixador Navarro NÃO PODE IGNORAR (e ninguém duvida que não ignora) que a empresa que explora os fosfatos do Sahara Ocidental (a segunda grande riqueza do território) despede cada vez mais trabalhadores saharauis e contrata colonos marroquinos.
E tudo isso enquanto em El Aaiún a população saharaui sofre 50% de desemprego como o embaixador Navarro NÃO PODE IGNORAR (e ninguém duvida que não ignora).

Mariano Rajoy, presidente do Governo de Espanha

IV. PERGUNTAS QUE EXIGEM UMA IMEDIATA RESPOSTA
As gravíssimas declarações do embaixador Navarro suscitam várias perguntas.

1º. Quem paga o salário do embaixador Navarro: Espanha ou Marrocos?

2º. Que interesses tem obrigação de servir o embaixador Navarro: os de Espanha ou os de Marrocos?

3º. O embaixador Navarro, para ingressar na função pública da carreira diplomática, jurou ou prometeu acatamento à Constituição Espanhola ou à "Constituição" marroquina?

4º. Se é certo que o embaixador em Marrocos recebe o seu salário de Espanha, tem obrigação de defender os interesses de Espanha, e para ascender ao seu posto teve que jurar ou prometer acatamento à Constituição de Espanha, considera respeitoso com quem lhe paga o seu salário, conforme com os interesses da Nação que deve defender e compatível com a Constituição que deve acatar, pôr em discussão com outro Estado uma parte do território espanhol constitucionalmente reconhecido?

5º. Dado que a entrevista foi concedida por Alberto Navarro na qualidade de "Embaixador", foram informados o ministro García-Margallo e o presidente Rajoy desta entrevista?

6º. Estão de acordo o ministro García-Margallo e o presidente Rajoy com as declarações do Embaixador nesta entrevista?

7º. Vão exigir explicações a García-Margallo ou a Rajoy algum deputado ou grupo parlamentar dos que (dizem) defender a integridade territorial de Espanha e a causa do Direito Internacional no Sahara Ocidental?

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