Bardem: "Esta situação é muito injusta, e está mais do que provada. Não devemos fechar os olhos a esses abusos." |
Madrid (CNN) — A primeira vez que
fui ao Sahara Ocidental em 2008 foi para assistir ao Festival Internacional de Cinema
do Sahara, o único do seu tipo a ocorrer num campo de refugiados. Cheguei lá sabendo
apenas um pouco sobre a situação na região, que tem sido esquecida pelas
agendas da maioria dos países e ignorado pela media em geral.
Como acontece com todos os que
visitam a área, voltei chocado com o abuso de Marrocos aos direitos do povo
saharaui. Eu só passei lá 10 dias. Mas, desde então, venho tentando me envolver
na questão, e fiz um filme ("Filhos das Nuvens: a última colónia")
para tentar chamar um pouco de atenção para esta esquecida situação.
Marrocos é um forte aliado
estratégico no Norte Africano da Europa e dos Estados Unidos. E claro que nós
sabemos como o mundo funciona; nós entendemos aquilo que é conhecido como
"real politik" — que os países têm de lidar com outros países, cujas
ações eles desaprovam, em nome de um "maior interesse económico ou
estratégico" — mas eu pergunto-me se não há algo mais importante do que a
razões económicas e estratégicas... alguma responsabilidade moral que nos impeça
de manter relações com países que violam os direitos humanos.
O Sahara Ocidental foi uma colónia
de Espanha até à morte do ditador General Franco, em 1975. Depois disso, nós, uma
fraca e instável a Espanha, abandonou o território para Marrocos, que o invadiu
militarmente. Marrocos tomou o controlo militar de dois terços do território.
Esta terra, rica em fosfatos e bancos de pesca, é uma área hoje conhecida como
territórios ocupados. Uma grande parte da população saharaui fugiu para a
Argélia, onde vivem cerca de 300 mil pessoas em campos de refugiados.
A morte de Franco foi o termo de um
período muito escuro para a Espanha, e a última coisa que a Espanha queria era
mais um conflito com Marrocos. Desde então, e de acordo com a ONU, Espanha tem
um papel administrante no Sahara, e mais importante ainda: tem uma forte
responsabilidade ética com o que acontece com as pessoas de lá. Não só a
Espanha, mas os mais fortes aliados de Marrocos, França e Estados Unidos,
também responsáveis enquanto líderes
mundiais e membros do Conselho de Segurança da ONU. Juntos, devem colocar um
fim ao sofrimento do povo saharaui sob a ocupação marroquina.
O enviado das Nações Unidas,
Christopher Ross, acaba de regressar da região com um relatório documentando
muitos abusos dos direitos humanos por parte das forças de ocupação
marroquinas. Ele colocou as duas partes opostas — o governo marroquino e a
força política saharaui, a Polisario — juntos, numa tentativa de realizar um
referendo, conforme o determina o plano de paz da ONU assinada por todas as
partes, incluindo Marrocos, em 1991. Marrocos, em vez disso, tem falado na
incorporação dos territórios ocupados num estado federal, mas o povo saharaui
não quer ser parte de um Estado que o invadiu e dele abusou e o forçou a
dar-lhe os seus recursos.
Nos territórios ocupados, está bem
provado que o Marrocos tem violado os direitos humanos a cerca de 200.000 saharaius.
Lá, é proibido o ajuntamento de duas ou três pessoas; enfrentam abusos
generalizados na prisão, e não tem acesso a um julgamento justo. Essas pessoas
estão a viver na escuridão. As autoridades marroquinas não permitem quaisquer
testemunhas ou meios de comunicação internacionais nos territórios ocupados, numa
tentativa de bloquear qualquer informação sobre os abusos de direitos humanos nos
territórios.
Este mês, em especial, é de grande
importância porque Marrocos assume a presidência rotativa do Conselho de
Segurança das Nações Unidas, apesar do facto de isso ser errado enquanto aos saharauis
lhe forem negados os seus direitos humanos.
Temo que isso vá atrasar o processo
de resolução deste problema. Legalmente, o Sahara Ocidental tem a justiça do
seu lado, da mesma forma que 2 +2 = 4, daí que tudo o que entrave o progresso
deve ser superado.
Há outra razão para nos opormos a
esses abusos: afinal, a Primavera Árabe começou no Sahara. Tudo está
relacionado e, a menos que isto acalme, grupos que não pertencem ao Sahara
Ocidental poderão surgir, e o extremismo possa eclodir, complicando ainda mais
a situação.
A Polisario e os saharauis não
concordam com extremistas muçulmanos. Eles são uma sociedade avançada, composta
por pessoas que provaram a sua crença na resistência pacífica, na justiça
internacional e na ONU. São pessoas que têm resistido aos abusos de Marrocos há
35 anos com uma enorme carga de paciência e fé nas resoluções da ONU.
É claro, pois, que é no melhor
interesse de Marrocos, como do povo saharaui, e da comunidade internacional que
o drama dos direitos humanos seja resolvido.
Todos os países que têm voto no
Conselho de Segurança devem ter em conta essa questão, apoiando Ross nos seus
esforços de trazer as duas partes ao imediato diálogo direto, e colocando
pressão sobre os EUA, Espanha e França — os três países que mais tem a dizer e
fazer sobre a opressão marroquina do povo saharaui — para resolver esta
injustiça de uma forma justa e de uma vez por todas.
A situação é crítica neste momento,
a instabilidade na região é crescente e os jovens saharauis estão perdendo a
paciência e podem recorrer à violência por desespero e frustração. Toda a
injustiça da situação está dramaticamente provada por muitos e muitos anos em
demasia. Não devemos fechar os olhos a esses abusos. Não importa que razões comerciais
e geoestratégicas sejam as dos nossos países, devemos continuar a permitir
violações dos direitos humanos em nome do dinheiro?
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