Aminetou Haidar, a grande ativista dos Direitos Humanos saharaui, dá uma longa entrevista a Elisa Pavón para a RASD News. Nela aborda as conquistas, as frustrações e, também, os maiores perigos por que passa a luta de libertação na sua terra.
Do que lê, ouve ou vê
nos meios de Comunicação internacionais em relação ao conflito do Sahara
Ocidental em geral, o que é que mais a impressiona ou choca? E se tivesse uma
varinha mágica faria para mudar definitivamente…
A.H.- O estado anímico atual dos jovens saharauis. Preocupa-me
muito como defensora dos direitos humanos, como mãe, como cidadã saharaui…
porque sempre tive medo de que os jovens pensassem em voltar a utilizar os instrumentos
violentos para reivindicar os seus direitos legítimos. Isso requer agora 100% dos
meus esforços e de todos quantos temos a responsabilidade de lhes fazer entender
que essa não é a via.
Que mensagem é
possível enviar a jovens que afirmam que nasceram e cresceram em conflito e que
não estão dispostos a morrer submetidos, privados de liberdade ou vivendo em acampamentos
de refugiados no deserto argelino?
A.H.- Repare, a mensagem que eu quero fazer chegar aos jovens
saharauis é que estamos todos em luta, que é necessário que compreendam que nestes
37 anos sacrificámos muito, mas temos sempre o orgulho de ter resistido com paciência,
de forma pacífica, e mantendo viva a esperança. Espero que a juventude possa seguir
o exemplo dos seus pais e avós, que viveram e morreram sob a ocupação marroquina
ou em condições extremas nos acampamentos, após anos duros de guerra e o
arrastar de muito sofrimento.
Temos que manter, acima de tudo, que apesar de tudo isso, o
povo saharaui mantém esta esperança incrível e paciência. A violência é um
caminho errado, porque eles, essa juventude de homens e mulheres saharauis, são
o futuro do nosso país livre. Sem eles, a nossa luta teria sido inútil.
O que diz soa um
pouco a mais promessas, para que continuem acreditando que tudo acaba por
chegar... Promessas de que parecem estar já cansados os jovens. Compreende a
sua atitude? Compartilha a frustração que se apoderou deles?
A.H.- Percebo que o desespero é tremendo, que a frustração também…
Mas trabalho sem descanso para lhes explicar que morrer como mártires
defendendo a liberdade não soluciona nada…
Ouvimo-la
constantemente defender que o ativismo saharaui e a resistência pacífica do
povo estão dando frutos. Há alguns dias atrás, num vídeo no Facebook, falava no
regresso às armas e expressava a sua "preocupação pelo facto de os jovens
saharauis estarem cansados de que a solução
para o conflito do Sahara Ocidental seja tão lenta". Aminetou, o
que realmente impulsiona esta reação tão perigosa por parte dos jovens saharauis?
A.H.- Em primeiro lugar, esse desespero de que falávamos,
porque eles não alcançam ou não vêm o lado positivo da diplomacia nem valorizam
de todo os progressos alcançados. Hoje em dia, graças aos esforços de muitos, é
mais visível para a comunidade internacional a realidade dos direitos humanos no
Sahara Ocidental, a exploração ilegal dos seus recursos naturais, a situação
nos acampamentos de refugiados… Conseguimos que viessem delegações de
observadores internacionais… Muitos progressos que, embora pareçam pequenos, são
enormes. A juventude tem que aprender a dar valor a isto, valorizando-o na sua justa
medida e entender que os sacrifícios não foram infrutíferos.
Por outro lado —
prossegue Aminetu Haidar —, influencia fortemente os diferentes graus de
sofrimento experimentado pelos jovens. Os que vivem nos acampamentos de
refugiados saharauis em Tindouf estão numa situação difícil, é certo, com umas
condições de vida extremas, mas têm liberdade, podem expressar-se, podem dormir
tranquilamente, podem estudar sem problema, não sofrem discriminação, nem
torturas, nem repressão, nem insultos na escola… No entanto, na zona ocupada sofrem
de outra forma, porque diariamente vivem sob o duríssimo jugo da repressão marroquina,
que é evidente e visível de maneira direta e indireta. A juventude presa nos territórios
ocupados está numa situação ainda mais difícil. Para eles, a morte, a vida, é-lhes
igual, especialmente para aqueles submetidos a essa repressão direta, que são vítimas
de violações sexuais, de ameaças, discriminação, marginalização… Não é um
ambiente fácil. Não podem seguir a sua vida normal sem sequelas psicológicas. Além
disso — Aminetou levanta a cabeça e
suspira — suportam tensões atrozes, de uma forma indireta, vendo um polícia, um
torturador batendo nas mulheres e nas crianças, é algo muito forte que lhes
fica para sempre na memória. Então, é claro, ficam-se perguntando como
responder ....
Na CODESA ou na
ASVDH, como trabalhais com esses jovens?
A.H.- Passamos muito tempo a tirar-lhes a ideia de recorrer à
violência e conseguimos, pelo menos, que reflitam. Insistimos que têm que continuar
a estudar, porque necessitamos uma sociedade civil culta, intelectual, com
princípios baseados no respeito pelos direitos humanos. Há muito trabalho por
fazer. Na CODESA não temos apenas objetivos a curto prazo, mas para o futuro,
porque trabalhamos para construir uma sociedade baseada na convivência em que
acima de tudo estão os princípios da tolerância, igualdade, respeito pelos
direitos humanos, para a outra fase que é a mais difícil após a independência, a
de construir e desenvolver o nosso país em liberdade.
Há poucos dias, o
presidente do Observatório de Direitos Humanos de Aragão para o Sahara
Ocidental, Francisco Palacios, afirmou que "o referendo está praticamente
paralisado. Dado este bloqueio, que é muito pior agora do que há dez anos, a
postura da Polisário passa por lançar uma ameaça ou intimidar um pouco. Mas infelizmente,
isso só se resolve com o regresso às armas" — afirmava. Algo que, para
ele, não tem a ver com "agressividade ou arrogância ou soberba, mas algo
que é o resultado do estado de necessidade premente".
Considera que deveria
haver algum tipo de intervenção por parte da Frente Polisário, a este respeito,
através de representantes e delegados em vários países, para tentar acalmar as
coisas e lembrar aos jovens a mensagem de resistência pacífica que sempre
caracterizou a luta?
A.H.- Claro que sim, e essa é linha que marca o rumo do trabalho
a seguir. Pessoalmente, tenho-me dirigido várias vezes ao Departamento de
Estado dos EUA, ao Parlamento Europeu e ao Conselho de Segurança da ONU alertando
de que não estão realmente a avaliar o alcance de a juventude saharaui poder
vir a adotar um caminho violento para reivindicar os seus direitos. Insisto que
eles poderão se arrepender de não ter resolvido o problema antes, antecipando-se
a que os jovens recorram à violência e se convertem até mesmo em terroristas. A
situação de silêncio mediático e político, de cumplicidade e indiferença por
parte da comunidade internacional, e em particular de algumas potências, tem levado
ao desespero dos jovens saharauis, que não encontram outra via de encarar a resolução
do conflito.
A. Haidar, durante a greve de fome em Lanzarote |
Acredita, como diz
Francisco Palacios, que regressar às armas é uma via que atualmente a Frente
Polisario analisa e coloca em cima da mesa?
A.H.- Não, de nenhuma maneira. A Frente Polisario defende o legítimo
direito do povo saharaui à sua autodeterminação, e fá-lo reclamando o que nos outorga
o Direito Internacional. Esta reclamação realiza-se pela via diplomática,
política… e não se coloca sequer a possibilidade de um regresso às armas,
porque não é o caminho correto nem o que o povo saharaui quis ao longo de
tantos anos de luta e resistência.
A incompreensível postura
do ministro de Negócios Estrangeiros espanhol, José Manuel García-Margallo, obrigando
a repatriação dos voluntários cooperantes alegando argumentos não demonstrados
relacionadas com iminente perigo de sequestros ou outras ações organizadas pelo
terrorismo islamita presente na região. Quatro meses depois, na página web do
Ministério mantem-se a recomendação de não viajar para a Argélia e, em particular,
aos acampamentos de Tindouf, que os qualifica de ser “um reduto de
narcotraficantes, sequestradores e terroristas islamitas”. Que diria ao Ministro
dos Negócios Estrangeiros espanhol em relação aos acampamentos e à situação que
se vive no Sahara Ocidental?
A.H.- A minha mensagem ao ministro García-Margallo é que deve
reconhecer de uma vez que o nosso sofrimento foi originado pelo grande erro
histórico e uma grande cumplicidade do governo de Espanha. O que lamento é que o
Governo espanhol continue a negar ao povo saharaui o direito à sua liberdade, com
uma cumplicidade claríssima com Marrocos. Sinceramente, não sei se Espanha está
à espera que os jovens se tornem violentos. Será que não vêm que essa violência
vai afetar a região do Magreb árabe e a própria Espanha, que está a uns poucos
quilómetros de nós? Não se dão conta de que vai afetar os sentimentos do movimento
de solidariedade espanhol, que é enorme? Os saharauis contam com uma plataforma
de amigos espanhóis muito grande... Penso que o governo espanhol deveria respeitar
as opiniões dos seus cidadãos e ter em conta as suas reivindicações a favor do Sahara
Ocidental.
Gdeim Izik: "durante 30 dias os saharauis sentiram-se verdadeiramente livres..." |
...e o seu brutal desmantelamento pelas forças marroquinas. |
O embaixador de Espanha
em Marrocos, Alberto Navarro, fez há dias umas polémicas declarações em que assegurava
que “sobre o Sahara Ocidental, Espanha tem que entender que a situação nesse território
já não é a 1975. Produziram-se muitas mudanças económicas e sociais. Marrocos investiu
muito no Sahara, mudou a população. São elementos que temos que ter em conta
para buscar uma solução para este conflito”. Aminetou, que opinião lhe merecem estas
declarações?
A.H.- Na verdade, indignam-me. O embaixador é quem representa
a Espanha e, portanto, oficialmente está defendendo a tese de La Moncloa
(Madrid) [sede do Governo espanhol]. Esta lamentável intervenção de Navarro deixou
um sentimento na sociedade saharaui de que a Espanha está, mais uma vez, a
estabelecer acordos com Marrocos. Que investimentos fez Marrocos no Sahara
Ocidental? O que fizeram foi bombardear uma população indefesa, cometer crimes
contra a Humanidade, roubar os recursos naturais do Sahara…Espanha nunca
denunciou estes factos, nenhum. Espanha é a principal responsável desta
situação e defende a posição marroquina e, ainda por cima, nos diz que há que
investigar os investimentos marroquinos no Sahara. Mas que investimentos? Se só roubam e roubam…
O que responderia ao embaixador
de Espanha em Marrocos?
A.H.- Não vale a pena… Ao embaixador respondeu-lhe o acampamento
de Gdeim Izik há 2 anos. Se tivessem havido investimentos marroquinos legais e estruturados
de acordo com o Direito Internacional, não teriam saído à rua mais de 30.000
saharauis montando jaimas [tendas) para reivindicar os seus direitos sociais e económicos
face a Marrocos…
Como foi vivido no
interior o sentimento da causa do acampamento de Gdeim Izik?
A.H.- Não há palavras para explicar tantas emoções juntas, mas
creio que nessa ocasião, os saharauis que estiveram no acampamento se sentiram verdadeiramente
livres durante 30 dias. Construíram o seu Estado livre e viveram aí com total
liberdade. Recolhemos testemunhos de jovens e de gente idosa, que asseguram ter
vivido com tranquilidade, liberdade, com a sua cultura e as tradições … É assim
que querem viver os saharauis.
Como valoriza a
visita do Enviado Pessoal do SG das Nações Unidas, Christopher Ross, ao Sahara
Ocidental?
A.H.- O embaixador Ross, que é um grande diplomata, esperto
e muito inteligente, sentiu e viveu realmente o bloqueio informativo e político
das negociações. Agora já não quer perder mais tempo e está procurando outra
estratégia para poder chegar às próximas reuniões com garantias por parte de
algumas potencias internacionais. Para nós esta foi uma visita muito
importante, sobretudo porque transmitiu uma mensagem forte e clara ao povo marroquino
em relação a que o Sahara Ocidental não é marroquino. Falou de que Marrocos não
tem soberania sobre o Sahara, que é um território não autónomo que não desfrutou
ainda do seu direito à autodeterminação. E isso ele deixou-o muito claro, assim
como deixou claro que a sua missão é procurar uma solução imediata para o conflito.
Acredita que a
sociedade civil marroquina está entendendo esta mensagem de Ross?
A.H.- O povo marroquino viveu mais de 30 anos com uma
mentira, através da propaganda oficial marroquina de que o Sahara Ocidental pertence
a Marrocos e que devem defender a integridade do território. Mas agora não, depois
de tantos acontecimentos — a Intifada de 2005, a minha greve de fome, de Gdeim
Izik —, os marroquinos dos territórios ocupados já começaram a entender que o Sahara
não é marroquino e que não é verdadeira a mensagem enviada pelo seu governo. Isso
mesmo dizem eles nos cafés, em todas as partes….
Qual o ponto mais positivo
da visita de Ross ai Sahara Ocidental?
A.H.- Pois olha, creio que teve um ponto muito importante que
foi o dos jovens terem sentido que Marrocos não tem o poder de dizer não a Ross
Foi repudiado e vetado no mês de maio e, agora, regressou com muito mais força dizendo
ao governo marroquino: aqui estou eu. Isto foi um golpe de efeito e com um impacte
importante entre os jovens, porque lhes deu muito ânimo. De facto, a população saharaui
saiu à rua com alegria para celebrá-lo.
E o mais negativo?
A.H.- O não termos conseguido que ele refletisse a nossa
pretensão de que deem mais poderes à MINURSO — Missão das Nações Unidas para o
Referendo no Sahara Ocidental —, para garantir os direitos humanos do povo
saharaui. A MINURSO está no Sahara é mais de 21 anos e não faz nada. É uma
testemunha internacional direta e no terreno, que nada faz ante a opressão e a
violência que sofremos, porque não lhe são dadas as competências necessárias
para o fazer.
Os defensores dos direitos
humanos no Sahara Ocidental pensaram apresentar algum tipo de alegação ao relatório
final do Alto Comissariado das Nações Unidas?
A.H.- Sim.
Preparámos um relatório com o que denominamos “as medidas de confiança”,
que são recomendações que pedimos às Nações Unidas que tenham em consideração
para garantir um ambiente pacífico e tranquilo para retomar as negociações com Marrocos.
Entre elas estão, por exemplo, libertar os presos políticos; reconhecer o paradeiro
dos presos desaparecidos; outorgar liberdade
de expressão ao povo saharaui; permitir as associações… Facilitar o acesso de
observadores internacionais… São medidas que é necessário incluir e por isso o
pedimos à ONU.
"A visita de Christopher Ross foi muito importante. Os jovens saharauis sentiram que Marrocos não tem o poder de dizer não a Ross..." |
Aminetou, uma última
mensagem que queira enviar ao povo saharaui que depositou em si e noutros
defensores dos direitos humanos a confiança de reivindicar o que lhe corresponde.
O que lhe diria?
A.H.- Que temos que trabalhar todos juntos para alcançar a
independência, mantendo sempre a nossa dignidade e os princípios de respeito pelos
direitos humanos, a tolerância e a pluralidade. É importante ter sempre em mente
a recordação dos nossos pais e avós, que lutaram e lutam pela liberdade sem
recorrer à violência. Temos que dar o exemplo de conseguir o nosso objetivo
pela via da resistência pacífica. É o que desejo e sonho para o povo saharaui.
© Elisa Pavón: Para RASD News
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