O Senado francês acolheu um importante
congresso sobre o Sahara Ocidental. O problema do respeito pelos direitos humanos
no Sahara Ocidental foi o objeto de uma intensa jornada de debate, realizada no
dia 2 de fevereiro de 2013, no Senado francês. A iniciativa da senadora Leila
Aíchi inscreve-se na linha traçada o ano passado com a realização da jornada de
estudo sobre o Sahara Ocidental, organizada na Assembleia Nacional francesa no
passado dia 3 de abril de 2012, por iniciativa do deputado Jean Paul Lecoq. Ambas
as realizações, apesar das tremendas pressões, foram testemunho, no Parlamento
francês, de que a opinião pública francesa mostra um crescente interesse pelo conflito
do Sahara Ocidental.
Erik Sottas |
A jornada de debate no Senado
permitiu ouvir intervenções de numerosos peritos que trataram a questão do respeito
dos direitos humanos no Sahara Ocidental de diferentes perspetivas.
Após as apresentações da ‘praxe’, a
primeira intervenção esteve a cargo de Erik Sottas, antigo secretário-geral da
OMCT (Organização Mundial Contra a Tortura). Sottas fez parte da missão que a
Fundação Robert Kennedy enviou ao Sahara Ocidental para conhecer in loco a situação dos direitos humanos no
território. Sottas analisou o relatório preliminar e a importância da visita de
Christopher Ross ao Sahara Ocidental, onde recebeu destacados líderes saharauis
defensores dos direitos humanos nos territórios ocupados. Igualmente deu o seu testemunho
sobre a missão realizada pela Fundação Robert Kennedy, relatando como as forças
de ocupação marroquinas espancaram brutalmente uma mulher saharaui na presença da
delegação da Fundação. Essa mulher sofreu gravíssimos ferimentos que motivaram a
sua hospitalização.
De seguida, tomou a palavra
Jean-Luc Onchelinx, antigo funcionário da Missão das Nações Unidas para o Referendo
no Sahara Ocidental que falou da pressão exercida por Marrocos sobre a MINURSO
desde 1991, ano da sua constituição.
Depois chegou a vez de vários
deputados, com o contributo de Jens Holm, deputado sueco que recordou que, na tradição
democrática sueca, uma resolução do Parlamento deve ser cumprida pelo executivo
(ferindo-se a propósito da resolução que reclama ao executivo sueco o reconhecimento
da República Saharaui (RASD) como Estado livre e soberano). Referiu, a este
respeito, que as opiniões públicas dos países livres, podem provocar dinâmicas
que façam superar os interesses das grandes potências.
No mesmo contexto interveio a eurodeputada
Nicole Kiil-Nielsen que falou sobre o trabalho que o Parlamento Europeu está a realizar
a favor do respeito do Direito no Sahara Ocidental.
Carlos Martín Beristain |
No termo da sessão da manhã falou a
professora suíça Christianne Perregaux que fez uma profunda exposição sobre a
evolução do conflito do Sahara Ocidental, afirmando que, em sua opinião, os anos
2011 e 2012 permitiram assistir a dois acontecimentos que caracterizam uma autêntica
revolução na história do conflito do Sahara Ocidental: a organização, em finais
de 2010, do acampamento pacífico de protesto de Gdeim Izik (com a posterior
aniquilação salvagem do mesmo pelo exército marroquino a 8 de novembro de 2010);
e a primeira visita ao Sahara Ocidental de um Enviado Pessoal do Secretário-Geral
da ONU: a visita de Christopher Ross em novembro de 2012.
A sessão da tarde teve início com a
exposição de Carlos Martín Beristain, que ante o Senado descreveu a sua obra “El
Oasis de la memoria”. Um trabalho impressionante e impactante, que constitui uma
autêntica “causa geral” contra a ocupação marroquina e se revela a história mais
profunda e melhor documentada das violações de direitos humanos pelas forças de
ocupação marroquinas no Sahara Ocidental. Uma obra IMPRESCINDÍVEL.
De seguida interveio Gianfranco
Fattorini, representante na ONU do “Movimento contra o Racismo e pela Amizade dos
Povos” (MRAP) que fez referencia ao trabalho da já extinta “Comissão de Direitos
Humanos” da ONU e do atual “Conselho de Direitos Humanos” das Nações Unidas. Disse
que, embora nenhum Estado tenha feito observações sobre o Sahara Ocidental quando,
em 2008, Marrocos teve que apresentar a esse Conselho o seu relatório sobre a
situação dos direitos humanos, já em 2012, na altura em que Marrocos voltou a apresentar
o seu relatório foram 11 os Estados que teceram observações críticas, embora a
pressão diplomática marroquina tivesse conseguido que no relatório final do
Conselho essas observações fossem eliminadas.
Após a intervenção de um representante
da “Associação Marroquina de Direitos Humanos” (AMDH), o professor de Antropologia
Sébastien Boulay proferiu uma interessante exposição sobre um dos aspetos mais
marginalizados na questão dos direitos humanos no Sahara Ocidental. A este respeito
apontou duas questões básicas: a impossibilidade de se poder usar a língua autóctone
saharaui, o hassania em nenhum tipo de atividade administrativa ou educativa e
a proibição de montar “jaimas” (tendas tradicionais) (um elemento simbólico e
cultural central na cultura saharaui) em numerosos lugares. Porém, sublinhou
como a poesia hassania se converteu num poderoso instrumento de denúncia da colonização
e dos colaboracionistas com o ocupante.
Finalmente, depois da intervenção
de Ayachi Said, presidente do Comité Nacional Argelino de solidariedade com o Povo
Saharaui, intervieram duas pessoas que participaram como observadores na
primeira sessão do julgamento no tribunal militar que o Makhzen constituiu contra
os 24 saharauis que participaram no acampamento de Gdeim Izik. Foram elas, Claude
Mangin-Asfari, de nacionalidade francesa e esposa de um dos 83 presos políticos
saharauis em prisões marroquinas, e França Weyl, advogada.
Entre as Intervenções finais cabe
destacar a de Alexandra Kapitanskaya, do Strategic Conflict Resolution Group,
que numa curta e densa intervenção abordou, entre outras coisas, uma das
iniciativas mais interessantes e importantes que foram até agora concebidas
para denunciar as violações dos direitos humanos em Sahara Ocidental. Refiro-me
ao "Crowdmap" (mapa-multidão) sobre os direitos humanos no Sahara
Ocidental.
É de justiça felicitar a senadora
Leila Aichi e a Associação Francesa de amigos da República Saharaui (AARASD) pela
organização deste evento que pode considerar-se um enorme êxito. Êxito pela sua
realização no Senado francês e êxito pela sua organização. E Êxito pelo seu conteúdo.
Autor: Carlos Ruiz Miguel, Professor
Catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela
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