sexta-feira, 5 de abril de 2013

Sahara Ocidental: inicia Hollande um distanciamento do Majzen?



 A visita do presidente francês, François Hollande, a Marrocos foi apresentada como a confirmação do "aval" ao majzen, que anteriormente haviam oferecido Jacques Chirac (condenado por corrupção) e Nicolas Sarkozy (processado por corrupção). Mas uma atenta leitura das suas palavras revela que a realidade pode ser muito distinta. Surpreende, por isso, que a agência espanhola Europa Press tenha caído numa flagrante manipulação informativa, atribuindo a Hollande frases que não disse e que lhe foram atribuídas pela tristemente famosa MAP (agência noticiosa oficial marroquina), cujas ligações com o serviço secreto marroquino são notórios.

I. O QUE DISSE FRANÇOIS HOLLANDE NO "PARLAMENTO" MARROQUINO
Para analisar a questão se Hollande está, ou não, a modificar a posição de entrega ao majzen que fizeram os seus antecessores Chirac e Sarkozy convém ver o que REALMENTE disse Hollande.
As suas palabras podem ouvir-se neste vídeo a partir do minuto 26:04:

Alors, je connais aussi les blocages. Il y a la question du Sahara Occidental qui attend depuis son règlement depuis plus de 30 ans. L'impasse actuel est préjudiciable à tous. Je dis bien à tous. Aux familles séparées. Aux réfugiés des camps. Aux tensions entre les pays du Maghreb. Et s'il y a un argument de plus qu'il conviendrait d'ajouter, c'est que la crise au Sahel rend encore plus urgente la nécessité de mettre fin à cette situation.
La France soutient les démarches du SG des Nations Unies pour parvenir à un réglement politique mutuellement acceptable sur la base des résolutions du Conseil de Sécurité. Le plan présenté en 2007 par le Maroc prévoit un statut de large autonomie pour la population du Sahara Occidental. Je le redis ici, c'est une base sérieuse et crédible en vue d'une solution négociée. Mais, d'ici là, tout doit être fait pour améliorer les conditions de vie de la population dans cette région.

Esta é a tradução em português desse fragmento:

Mas conheço também os bloqueios. Há a questão do Sahara Ocidental que espera solução desde há mais de 30 anos. O impasse atual é prejudicial para todos. Insisto, para todos. Para as famílias separadas. Para os refugiados dos acampamentos. Para as tensões entre os países do Magrebe. E se há um argumento mais que convém aduzir é que a crise no Sahel torna ainda mais urgente a necessidade de pôr fim a esta situação.
A França apoia as iniciativas do Secretário-Geral das Nações Unidas para conseguir uma solução política mutuamente aceitável na base das resoluções do Conselho de Segurança. O plano apresentado por Marrocos em 2007 prevê um estatuto de ampla autonomia para a população do Sahara Ocidental. Repito aqui, é uma base séria e credível para uma solução negociada. Mas entretanto, há que fazer tudo para melhorar as condições de vida da população nesta região.

II. ANÁLISE DO DISCURSO DE HOLLANDE
Se "descodificamos" as palavras subtilmente utilizadas por Hollande, depreendem-se estas três conclusões:

1º. Hollande apoia Ross.
Não o disse expressamente, mas implicitamente fica claro que Hollande apoia Christopher Ross. Assim se conclui de duas frases:
- "França apoia as iniciativas do Secretário-Geral das Nações Unidas" (e Ross é o Enviado Pessoal do Secretário-Geral)
- "a crise no Sahel torna ainda mais urgente a necessidade de pôr fim a esta situação".

Esta última frase é especialmente significativa porque é, quase textualmente, o que disse Ross. Na sua visita pela região, ao ser recebido pelo presidente da Argelia, Abdelaziz Buteflika, Ross disse a 2 de abril que "A situação perigosa na região do Sahel e arredores faz com que a solução (do conflito do Sahara) seja mais urgente que nunca".
Claramente, Mohamed VI organizou uma viagem por África para evitar encontrar-se com Ross, sinal evidente de que não está nada de acordo com as iniciativas deste. Curiosamente, Mohamed VI regressou a Marrocos exatamente um dia depois de Ross ter terminado o seu périplo pela região.

2º. Hollande considera que o plano marroquino de pseudo-autonomia é "uma base para chegar a uma solução" mas não é nem "a única" base nem a "solução".
O discurso oficial do majzen insiste em que o plano de pseudo-autonomia é "a única" base para negociar e que, inclusive, é "a única" solução.
Não é isso que defende Hollande.
Em sua opinião, é simplesmente "uma" base. Mas se é "uma" base é porque Hollande reconhece que há outras. E não pode ser de outra maneira, dado que França votou a favor das resoluções do Conselho de Segurança que aprovaram o Plano de Resolução e os Acordos de Houston e a resolução que consagrou o "plano Baker" como "solução política ótima".

3º. Hollande evitou apoiar o plano de pseudo-autonomia marroquino.
Hollande afirmou, com calculada retórica: "Repito aqui, (o plano marroquino) é uma base séria e credível para uma solução negociada", momento em que, como se pode ver no vídeo Benkirán (o primeiro-ministro) se pôs de pé para aplaudir e por detrás dele o resto dos "deputados" (vídeo acima referido a partir do minuto 27:19).
Mas Hollande afirmou isso, que é "uma" base. Não só negou que seja "a única" base. E, mais ainda, negou que essa seja a "sua" base preferida.
Ao contrário do que disse em declaração anterior: "A França apoia os esforços do Secretário-Geral", ao falar do plano marroquino não disse "A FRANÇA APOIA O PLANO MARROQUINO.

4º. Hollande FALOU  expressamente dos saharauis "refugiados dos acampamentos"
Isto é importante para o interior do majzen, porque qualificou os saharauis dos acampamentos de Tindouf como "refugiados" e não, como faz a propaganda do majzen, como "sequestrados".
E, claro, falou de um território chamado " Sahara Ocidental" e não simplesmente "Sahara" e muito menos de " Sahara marroquino", como faz a propaganda do Makhzen.
Analisadas estas questões, há razões para afirmar que Hollande "defendeu" o plano marroquino?

III. EUROPA PRESS CÚMPLICE DA DESINFORMAÇÃO DO MAJZEN
A audição das palavras de Hollande não deixa lugar, absolutamente, a nenhuma dúvida.
Daí que deva manifestar a minha absoluta repulsa ante um despacho da agência Europa Press que assume a versão do discurso de Hollande MANIPULADA pela agência de desinformação marroquina. E digo, e repito, MANIPULADA.

Há manipulação por dois motivos:

1º. Porque atribui a Hollande uma "defesa" do plano marroquino que não existe.
Afirmou a Europa Press:

"O presidente também defendeu o plano de autonomia de Rabat para o Sahara Ocidental"

Acima reproduzimos o texto. E como ficou claro é que, enquanto Hollande expressou o "apoio" de França ao Secretário-Geral, NUNCA falou do "apoio" ao plano marroquino.

2º. Porque atribui a Hollande, entre comas, uma frase que ele NUNCA PROFERIU.
Europa Press atribui textualmente, ao pô-lo entre comas, a Hollande esta frase:

"Marrocos apresentou um plano de ampla autonomia para a região do Sahara".

Esta frase reflete o discurso da propaganda oficial marroquina.
No entanto, Hollande afirmou, textualmente,

"O plano apresentado por Marrocos em 2007 prevê um estatuto de ampla autonomia para a população do Sahara Ocidental"

IV. CONCLUSÃO
SE A PROPAGANDA MARROQUINA SE VÊ FORÇADA A MANIPULAR AS PALABRAS DE HOLLANDE É PORQUE A FRANÇA JÁ NÃO ALINHA CEGAMENTE COM O MAJZEN


Artigo de Carlos Ruiz Miguel, Prof. Catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela

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