A visita do presidente francês, François Hollande, a Marrocos
foi apresentada como a confirmação do "aval" ao majzen, que anteriormente haviam oferecido Jacques Chirac
(condenado por corrupção) e Nicolas Sarkozy (processado por corrupção). Mas uma
atenta leitura das suas palavras revela que a realidade pode ser muito
distinta. Surpreende, por isso, que a agência espanhola Europa Press tenha caído
numa flagrante manipulação informativa, atribuindo a Hollande frases que não disse
e que lhe foram atribuídas pela tristemente famosa MAP (agência noticiosa
oficial marroquina), cujas ligações com o serviço secreto marroquino são notórios.
I. O QUE DISSE FRANÇOIS
HOLLANDE NO "PARLAMENTO" MARROQUINO
Para analisar a questão se Hollande está, ou não, a modificar
a posição de entrega ao majzen que
fizeram os seus antecessores Chirac e Sarkozy convém ver o que REALMENTE disse Hollande.
As suas palabras podem ouvir-se neste vídeo a partir do
minuto 26:04:
Alors, je connais
aussi les blocages. Il y a la question du Sahara Occidental qui attend depuis
son règlement depuis plus de 30 ans. L'impasse actuel est préjudiciable à tous.
Je dis bien à tous. Aux familles séparées. Aux réfugiés des camps. Aux tensions
entre les pays du Maghreb. Et s'il y a un argument de plus qu'il conviendrait
d'ajouter, c'est que la crise au Sahel rend encore plus urgente la nécessité de
mettre fin à cette situation.
La France soutient les
démarches du SG des Nations Unies pour parvenir à un réglement politique
mutuellement acceptable sur la base des résolutions du Conseil de Sécurité. Le
plan présenté en 2007 par le Maroc prévoit un statut de large autonomie pour la
population du Sahara Occidental. Je le redis ici, c'est une base sérieuse et
crédible en vue d'une solution négociée. Mais, d'ici là, tout doit être fait
pour améliorer les conditions de vie de la population dans cette région.
Esta é a tradução em português desse fragmento:
Mas conheço também os
bloqueios. Há a questão do Sahara Ocidental que espera solução desde há mais de
30 anos. O impasse atual é prejudicial para todos. Insisto, para todos. Para as
famílias separadas. Para os refugiados dos acampamentos. Para as tensões entre
os países do Magrebe. E se há um argumento mais que convém aduzir é que a crise
no Sahel torna ainda mais urgente a necessidade de pôr fim a esta situação.
A França apoia as iniciativas
do Secretário-Geral das Nações Unidas para conseguir uma solução política
mutuamente aceitável na base das resoluções do Conselho de Segurança. O plano apresentado
por Marrocos em 2007 prevê um estatuto de ampla autonomia para a população do Sahara
Ocidental. Repito aqui, é uma base séria e credível para uma solução negociada.
Mas entretanto, há que fazer tudo para melhorar as condições de vida da população
nesta região.
II. ANÁLISE DO
DISCURSO DE HOLLANDE
Se "descodificamos" as palavras subtilmente utilizadas
por Hollande, depreendem-se estas três conclusões:
1º. Hollande apoia
Ross.
Não o disse expressamente, mas implicitamente fica
claro que Hollande apoia Christopher Ross. Assim se conclui de duas frases:
- "França apoia as iniciativas do Secretário-Geral das
Nações Unidas" (e Ross é o Enviado Pessoal do Secretário-Geral)
- "a crise no Sahel torna ainda mais urgente a necessidade
de pôr fim a esta situação".
Esta última frase é especialmente significativa porque é, quase
textualmente, o que disse Ross. Na sua visita pela região, ao ser recebido pelo
presidente da Argelia, Abdelaziz Buteflika, Ross disse a 2 de
abril que "A situação perigosa na região do Sahel e arredores faz com que
a solução (do conflito do Sahara) seja mais urgente que nunca".
Claramente, Mohamed VI organizou uma viagem por África para
evitar encontrar-se com Ross, sinal evidente de que não está nada de acordo com
as iniciativas deste. Curiosamente, Mohamed VI regressou a Marrocos exatamente um
dia depois de Ross ter terminado o seu périplo pela região.
2º. Hollande
considera que o plano marroquino de pseudo-autonomia é "uma base para chegar
a uma solução" mas não é nem "a única" base nem a "solução".
O discurso oficial do majzen
insiste em que o plano de
pseudo-autonomia é "a única" base para negociar e que, inclusive,
é "a única" solução.
Não é isso que defende Hollande.
Em sua opinião, é simplesmente "uma" base. Mas se
é "uma" base é porque Hollande reconhece que há outras. E não pode
ser de outra maneira, dado que França votou a favor das resoluções do Conselho
de Segurança que aprovaram o Plano de Resolução e os Acordos de Houston e a
resolução que consagrou o "plano Baker" como "solução política
ótima".
3º. Hollande evitou apoiar
o plano de pseudo-autonomia marroquino.
Hollande afirmou, com calculada retórica: "Repito aqui,
(o plano marroquino) é uma base séria e credível para uma solução
negociada", momento em que, como se pode ver no vídeo Benkirán (o
primeiro-ministro) se pôs de pé para aplaudir e por detrás dele o resto dos
"deputados" (vídeo acima referido a partir do minuto 27:19).
Mas Hollande afirmou isso, que é "uma" base. Não
só negou que seja "a única" base. E, mais ainda, negou que essa seja a
"sua" base preferida.
Ao contrário do que disse em declaração anterior: "A França apoia os esforços do
Secretário-Geral", ao falar do plano marroquino não disse "A FRANÇA
APOIA O PLANO MARROQUINO.
4º. Hollande FALOU expressamente dos saharauis "refugiados
dos acampamentos"
Isto é importante para o interior do majzen, porque qualificou os saharauis dos acampamentos de Tindouf
como "refugiados" e não, como faz a propaganda do majzen, como "sequestrados".
E, claro, falou de um território chamado " Sahara
Ocidental" e não simplesmente "Sahara" e muito menos de "
Sahara marroquino", como faz a propaganda do Makhzen.
Analisadas estas questões, há razões para afirmar que
Hollande "defendeu" o plano marroquino?
III. EUROPA PRESS CÚMPLICE
DA DESINFORMAÇÃO DO MAJZEN
A audição das palavras de Hollande não deixa lugar,
absolutamente, a nenhuma dúvida.
Daí que deva manifestar a minha absoluta repulsa ante um despacho
da agência Europa Press que assume a versão do discurso de Hollande
MANIPULADA pela agência de desinformação marroquina. E digo, e repito,
MANIPULADA.
Há manipulação por dois motivos:
1º. Porque atribui a Hollande uma "defesa" do plano
marroquino que não existe.
Afirmou a Europa Press:
"O presidente
também defendeu o plano de autonomia de Rabat para o Sahara Ocidental"
Acima reproduzimos o texto. E como ficou claro é que,
enquanto Hollande expressou o "apoio" de França ao Secretário-Geral,
NUNCA falou do "apoio" ao plano marroquino.
2º. Porque atribui a Hollande, entre comas, uma frase que ele
NUNCA PROFERIU.
Europa Press atribui textualmente, ao pô-lo entre comas, a
Hollande esta frase:
"Marrocos apresentou
um plano de ampla autonomia para a região do Sahara".
Esta frase reflete o discurso da propaganda oficial marroquina.
No entanto, Hollande afirmou, textualmente,
"O plano apresentado
por Marrocos em 2007 prevê um estatuto de ampla autonomia para a população do Sahara
Ocidental"
IV. CONCLUSÃO
SE A PROPAGANDA MARROQUINA SE VÊ FORÇADA A MANIPULAR AS
PALABRAS DE HOLLANDE É PORQUE A FRANÇA JÁ NÃO ALINHA CEGAMENTE COM O MAJZEN
Artigo de Carlos Ruiz Miguel, Prof. Catedrático de Direito
Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela
Sem comentários:
Enviar um comentário