terça-feira, 29 de agosto de 2017

Terrorismo extremista ou serviços secretos?




Os ataques terroristas de Barcelona trazem-nos à lembrança os atentados na estação de caminhos-de-ferro de Madrid (Atocha) na primavera de 2004. Temos que colocar aquela que é a pergunta fundamental: Qual o ponto de cooperação entre Espanha e Marrocos no âmbito da segurança e inteligência, à luz da descoberta dos autores dos ataques que, na sua maioria, são de nacionalidade ou origem marroquina?

Em Marrocos, mais de quarenta ano depois da independência, a esquerda constituia um verdadeiro desafio para o sistema e para o trabalho realizado por Hassan II o qual, com o objetivo de a erradicar, fez grandes esforços utilizando todos os métodos ao seu alcance, até ao ponto de estabelecer alianças com dirigentes takfiris «extremistas».

Quando Mohammed VI tomou as rédeas do poder, confrontou-se diretamente com grupos do islamismo político, como o movimento islâmico ‘Justiça e Caridade’, que oferece um programa alternativo à monarquia marroquina, como anunciou o seu fundador, que vaticinou o desaparecimento da mesma.

Num novo capítulo da confrontação, a 16 de maio de 2013 produziu-se o atentado em Casablanca, o qual foi considerado como o mais sangrento na história do país. Sobre o mesmo geraram-se muitas dúvidas, suspeitando-se que que por detrás do mesmo esteve o próprio regime, para dar o máximo poder ao rei e à sua “entourage”.

Estes acontecimentos coincidiram com os progressos da proposta do ex-enviado pessoal do SG das Nações Unidas para o Sahara Ocidental, James Baker, com o objetivo de resolver o conflito entre Marrocos e a Polisario. A mesma fracassou devido à pressão franco-espanhola, esgrimindo a recusa de que qualquer solução que não favorecesse Marrocos poria em perigo a segurança e a estabilidade da margem norte do Mediterrâneo.

Com os últimos acontecimentos, Rabat exerce uma tripla pressão sobre os seus parceiros europeus: seja congelando os convénios de cooperação em termos de segurança e inteligência ou abrindo os pontos fronteiriços com Espanha a vagas de emigrantes procedentes da África subsahariana ou, também, através das redes de tráfico de cannabis marroquino, que é a fonte financeira dos grupos terroristas.

Os peritos em segurança e terrorismo começaram a suspeitar de Marrocos e dos seus serviços secretos depois dos atentados de Madrid de 2004. No entanto, todos os esforços por conseguir mais segurança na Europa viram-se frustrados pela penetração de Rabat nas instâncias decisórias de França e Espanha, a que se soma o benefício que obtêm os grupos de lobby por parte dos serviços secretos marroquinos.

Há uns meses, a revista ‘Foreign Policy’ publicou uma investigação intitulada “Marrocos, bastião do terrorismo global”, que revela as condições que que abriu o caminho à participação de um grande número de marroquinos nas fileiras dos grupos terroristas. A publicação defende que o desprezo do Estado marroquino pela população do Rif, deu lugar a que grupos salafistas aproveitassem o vazio estatal para mobilizar discursos extremistas entre os jovens, criando mecanismos para os implementar mais tarde em Paris e Molenbeek (na região de Bruxelas). Importa recordar que a região do Rif leva mais de cem anos exigindo os seus direitos fundamentais. Mas essas reivindicações e exigências foram tratadas com indiferença e marginalização, já que o regime marroquina continua a contar com o apoio absoluto dos seus aliados europeus e os países do Golfo.

Surpreendentemente, o rei de Marrocos, dois dias depois dos acontecimentos terroristas em Barcelona, indultou um grupo de terroristas (uum deles considerado muito perigoso, segundo a imprensa marroquina), ao mesmo tempo que oprime e aprisiona ativistas pacíficos no Rif e em Marrocos.

A inteligência marroquina tem um historial que confirma a sua participação na cooperação com as redes de tráfico de drogas, o crime organizado e o terrorismo na região do Sahel e Europa, como o demonstraram os documentos que Chris Coleman revelou (http://www.arso.org/ColemanPaper.htm). O ano passado, coincidindo com o conflito de Marrocos com as Nações Unidas e a sua missão no Sahara – a MINURSO –, e em linha com a posição oficial de Marrocos, o porta-voz da organização terrorista Al Mourabiton ameaçou atacar a missão da ONU.

Há pouco tempo, nos Estados Unidos, foi apresentado um projeto de lei denominado «Jasta» (https://en.wikipedia.org/wiki/Justice_Against_Sponsors_of_Terrorism_Act), em que se acusa responsáveis sauditas pelas suas relações com os seus cidadãos que participaram nos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001. O então presidente dos EUA (Barack Obama) afirmou que a luta contra o terrorismo baseia-se na eliminação das bases da organização que se encontram na Arábia Saudita e nos países do Golfo. Será que os investigadores dos atentados de Barcelona detetarão a relação entre os serviços secretos marroquinos e os executores das operações e porão a nu o terrorismo marroquino; ou a cumplicidade e os interesses dos políticos europeus com Rabat serão um obstáculo a que isso possa vir a ocorrer?

Por Ahmed Ettanji, jornalista saharaui

Fonte: Naiz

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