quinta-feira, 18 de junho de 2020

O desaparecimento de Bassiri e a perda hemorrágica da dignidade da ‘democracia’ espanhola




No 50º aniversário do desaparecimento do líder saharaui Bassiri, a ativista Aminetu Haidar pede à "democracia espanhola" que estanque a perda hemorrágica da sua dignidade " - Aminetu Haidar - 10 junho 2020

A história nunca apagará a vergonha do Estado espanhol pela sua traição histórica e desonrosa ao povo do Sahara "Espanhol", à época, e da República Saharaui / Sahara Ocidental, nos dias de hoje. E isso apesar das tentativas das elites políticas espanholas de cobrir o sol da verdade com a rede de suas penosas posições.

Da mesma forma, o Estado espanhol também não poderá endossar a sua traição a nenhum partido ou bloco político, particularmente aqueles que governam a Espanha desde que, em 1965, esta assumiu as suas responsabilidades políticas no Sahara Ocidental, depois de integrar esse território como a “53ª província espanhola”.
Mais tarde, Espanha negaria tudo isso numa série interminável de traições, como o crime contra a humanidade cometido pelas autoridades espanholas contra os manifestantes pacíficos saharauis da manifestação de Zemla, o sequestro do líder do Movimento Nacional Saharaui na época, o desaparecido Mohamed Sidi Brahim Bassiri; a assinatura à sombra de um acordo traiçoeiro e tripartido para dividir o Sahara Ocidental em dois, abandonando o povo saharaui e impedindo-o, à semelhança do resto dos países africanos, de gozar do seu direito à descolonização e à autodeterminação; a entrega de milhares de pessoas pacíficas e a sua exposição ao bombardeamento com napalm e fósforo branco, à perseguição e aniquilação pelo aliado de Madrid, o regime de ocupação marroquino ...

Depois de tudo isso, os sucessivos governos "democráticos" espanhóis entraram numa sucessão imparável de traições, inauguradas pelo presidente socialista Felipe González, que claudicou de maneira tão estranha e aberrante diante do regime monárquico marroquino a ponto de ter acabado sendo um dos seus maiores embaixadores itinerantes na América Latina e noutros países, onde ele espalhou toxinas do Reino Alauita contra a Frente Polisario.

Infelizmente, a metodologia de González foi adotada e seguida pelos sucessivos governos da Espanha, fossem de esquerda ou de direita. Uma estratégia na qual, tal como ele, incontáveis ​​políticos espanhóis caíram, de tal modo que, se quiséssemos transcrever os seus nomes, precisaríamos de um grande número de folhas. Só os Povos de Espanha foram fiéis à história e em nenhum momento deixaram de apoiar os seus irmãos e irmãs do povo saharaui resistente. Só os Povos da Espanha cumpriram as suas responsabilidades para com o povo saharaui e continuam a resistir ao seu lado.

Hoje, por ocasião do 50.º aniversário do desaparecimento de Mohamed Sidi Brahim Bassiri, queremos que todos saibam, através da campanha “O que aconteceu com Bassiri?” que não esquecemos os nossos desaparecidos e que não deixaremos de responsabilizar o Estado espanhol - e todos os seus órgãos - pelo desaparecimento de Bassiri. Porque o único crime de Bassiri foi acreditar no direito de seu povo à liberdade que ele aspirava alcançar pacificamente. Ele não levantou uma arma contra ninguém. Ele não matou ninguém. Ele não atacou ninguém.

Neste momento, como militante saharaui e vítima de desaparecimento forçado que sofreu a repressão e a tortura brutal nas prisões secretas de Marrocos, eu, pessoalmente, me uno a esta louvável iniciativa de dizer ao Estado espanhol que tenho todos os meus direitos, esses direitos que o governo espanhol traiçoeiramente quis me negar em muitas ocasiões. Primeiro, negou o meu direito à liberdade e descolonização em 1975. Desde então, tem negado o meu direito à autodeterminação pela sua cumplicidade e apoio à ocupação marroquina. E agora, continua me negando, como saharaui, o meu direito de conhecer a verdade, toda a verdade, e continua perseverando na sua cumplicidade com o Majzén (O Poder Palaciano aluita).

Daqui exijo que toda a verdade sobre o que aconteceu nos acontecimentos da Intifada de Zemba, em 1970, seja plenamente divulgada e que sejam determinadas as responsabilidades das instituições espanholas e dos responsáveis ​​por crimes contra a humanidade e assassinatos das vítimas saharauis naquele momento, e dos quais nada sabemos até hoje. Exijo também a verdade, a reparação e a justiça para todas as vítimas de desaparecimento forçado, como é o caso de Bassiri.

Desta tribuna, convido a 'democracia' espanhola a estancar a perda hemorrágica da sua dignidade, que assuma as suas responsabilidades face ao direito internacional e que deixe de se submeter desnecessariamente ante o regime de ocupação marroquino. Pois não esqueceremos, não perdoaremos, não deixaremos de resistir.

Aminetu Haidar é ativista saharaui dos Direitos Humanos. Em 2019 foi galardoada como Prémio Nobel da Paz Alternativo.

Aminetu Haidar
Artigo publicado no jornal La Marea
redaccion@lamarea.com

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