quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Argélia-Marrocos: as relações entre os dois países magrebinos nunca foram tão tensas. Terão atingido já o “ponto de não-retorno”?




Nunca, desde a “Guerra das Areias”, em outubro de 1963 — quando Marrocos pretendeu ocupar parte do território argelino (as províncias de Tindouf e Béchar) — que a tensão entre a Argélia e Marrocos era tão extremada. As relações estão de «cortar à faca» e nem mesmo o discurso pretensamente apaziguador do rei Mohamed VI proferido no passado dia 30 de julho, data comemorativa de duas décadas de reinado, surtiu qualquer efeito. As autoridades argelinas não deram crédito a esse pretenso «estender de mão» do monarca alauita, no mesmo momento em que o o seu regime se atolava no escândalo da espionagem Pegasus, de que foram alvo preferencial também muitos telemóveis das mais altas autoridades políticas e militares argelinas.

 

Argélia: Rever as relações, fechar o espaço aéreo com Marrocos

Argel decidiu ontem "rever" as suas relações com Marrocos, a quem acusa de envolvimento nos incêndios devastadores no norte do país, de acordo com um comunicado da presidência argelina.

"Os incessantes actos hostis perpetrados por Marrocos contra a Argélia exigem uma revisão das relações entre os dois países e uma intensificação dos controlos de segurança na fronteira ocidental", refere o comunicado presidencial distribuído após uma reunião extraordinária do Conselho de Alta Segurança argelino (HCS) presidida pelo chefe de Estado, Abdelmadjid Tebboune.

O HCS fala da "intensificação dos controlos de segurança na fronteira com Marrocos". Claramente, o exército está em alerta máximo para lidar com qualquer eventualidade após a ameaça do ministro dos Negócios Estrangeiros israelita Yaïr Lapid ter afirmado em Casablanca, durante a sua visita oficial a Marrocos, de uma "perturbadora aliança argelino-iraniana".

O portal argelino Algérie Patriotique assegura que a Argélia decidiu mesmo fechar o espaço aéreo e cortar todas as ligações entre Argel e Casablanca.

Segundo a imprensa argelina, o país tem tentado “manter a calma para evitar que a crise assumisse novas dimensões, mas a atitude cautelosa e racional da Argélia parece ter sido vista como um sinal de fraqueza pelas recentes decisões de Rabat, que se voltaram para a entidade sionista como um "refúgio político" com o qual fizeram um acordo que consiste em formalizar as relações já existentes entre os dois aliados”.

A Argélia começou a perceber a evidente atitude agressiva por parte do Reino de Marrocos contra a sua integridade territorial - refere a imprensa argelina - , quando no mês passado, durante a cimeira dos Não-Alinhados, o representante de Marrocos na ONU declarou explicitamente guerra à Argélia, assumindo a causa do movimento separatista cabílio MAK, meses após este ter sido considerado uma organização terrorista por Argel.

Os recentes incêndios em que vários milhares de hectares arderam e mataram 80 pessoas, especialmente na região de Tizi Ouzou, foram, porém, o detonador para a irada resposta argelina, que segundo fontes argelinas, não deverá terminar por aqui.

 


E se o gás argelino deixar de passar por Marrocos?

O próximo passo poderá ser o ‘fim’ do gasoduto Magrebe-Europa (GME), que passa por território marroquino e que liga os campos gasíferos argelinos ao território de Espanha, situação que preocupa as autoridades de Rabat e que poderá intensificar ainda mais a dificíl situação económica por que passa o país, agravada em muito pela pandemia da covid-19. O contrato do GME, refira-se, termina no dia 31 de outubro e tudo se perspectiva para que, eventualmente, não venha a ser renovado, tanto mais que a Argélia tem já uma alternativa viável e operacional: o Medgaz, gasoduto que une diretamente Beni Saf, na Argélia, ao porto de Almeria, na Andaluzia. Atualmente este gasoduto abastece 60% das necessidades de gas de Espanha e a sua capacidade foi já ampliada para que a Argélia possa enviar os mais de 10.000 milhões de m3 que até agora têm transitado, via Marrocos, pelo Gasoducto Magreb-Europa (MEG).

Marrocos, tem beneficiado largamente da existência desta infraestrutura, não só porque é totalmente dependente de gás e de petróleo, e dele tem-se abastecido para consumo próprio, como desde 2002, os cofres do reino tem auferido de elevadas maquias de imposto cobrado pelo trânsido da energia. Só em 2017 e 2018, e segundo a imprensa marroquina, o valor cobrado ascendeu a cerca de 190 milhões de euros. A verificar-se o termo do contrato em 31 de Outubro, Marrocos poderá de ter que vir a abastecer-se de gás por via marítma ou... importar gas da Europa através do próprio GME.

A empresa argelina de energia, a Sonatrach, a maior empresa do continente africano, tem abastecido Espanha e Portugal através deste ‘pipeline’ de 1.300 km (540 dos quais passam pelo território marroquino).

Os responsáveis argelinos tem dado a entender que estão preparados para o continuar a fazer agora pelo gazoduto de Almeria.

A situação tem deixado muito incomodados os dirigentes políticos e técnicos marroquinos. Ainda ontem, 18 de agosto, a Diretora geral de Office national des hydrocarbures et des mines (ONHYM), Amina Benkhadra, afirmava a um órgão da agência noticiosa nacional, MAP, que Marrocos já manifestara das mais variadas formas e por todos os meios a sua vontade de ver renovado o contrato. A dirigente afirmava na mesma entrevista que o gazoduto era “uma formidável ferramenta de cooperação mutuamente vantajosa e um projeto regional estruturante e mutuamente benéfica”. A diretora Geral da ONHYM acenava mesmo de que o seu “acesso livre e de tarifas transparentes e não discriminatórias, sublinhando que o facto da infaestrutura estar já amortizada permitia”tarifas mais competitivas que todos os outros meios de transporte correntes”.



Por coincidência, ou talvez não, também ontem, o CEO da Sonatrach, Tewfik Hakkar, declarava que a Argélia “esteve sempre apta a assegurar o aprovisionamento de Espanha em gas natural através do gazoduto Medgaz e graças às capacidades de liquefação” do seu país.

"Tomámos todas as medidas necessárias em caso de não renovação do contrato do gasoduto em questão (o GME)", disse Hakkar durante uma conferência de imprensa realizada à margem da apresentação dos relatórios de actividade da Sonatrach, em resposta a uma pergunta sobre a possibilidade de não renovação do contrato do gasoduto Magrebe-Europa que liga a Argélia a Espanha através de Marrocos.

"Mesmo em caso de não renovação deste contrato, que termina em Outubro próximo, a Argélia poderá fornecer a Espanha e também satisfazer qualquer procura adicional do mercado espanhol sem qualquer problema", salientou o CEO da Sonatrach.

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