13 Professores de Direito Internacional de diferentes Universidades belgas escrevem no mais importante jornal do país, o Le Soir) um depoimento que arrasa a nova ministra belga dos Negócios Estrangeiros, Hadja Lahbib, e a sua posição enquanto representante do Governo da Bélgica.
Durante
a sua recente visita diplomática a Marrocos, a nova ministra belga dos Negócios
Estrangeiros, Hadja Lahbib, deu o seu apoio ao "Plano de Autonomia
Marroquino para o Sahara". Ela declarou que "a Bélgica considera o
plano de autonomia apresentado em 2007 como um esforço sério e credível de
Marrocos e como uma boa base para uma solução aceite pelas partes". A
"solução" referida é a que deveria pôr fim ao conflito do Sahara
Ocidental, que aguarda uma solução há quase 50 anos. É de notar que esta
posição rompe com a atitude tradicional da Bélgica e está em contradição com o
direito internacional.
Várias
resoluções internacionais
Recorde-se
que o Sahara Ocidental é uma antiga colónia espanhola, cujo território está na
sua maioria sob ocupação por Marrocos, que o anexou formalmente, proclamando a
sua soberania. Esta ocupação tem sido repetidamente denunciada pelas Nações
Unidas, que afirmaram o estatuto do Sahara Ocidental como "território não
autónomo" e o direito à autodeterminação do povo saharaui. Esta opinião
foi confirmada pelo Tribunal Internacional de Justiça num parecer de 1975, que
concluiu que "os elementos e informações levados ao seu conhecimento não
estabelecem a existência de qualquer ligação de soberania territorial entre o
território do Sahara Ocidental, por um lado, e o Reino de Marrocos, por
outro". Mais recentemente, num acórdão de Setembro de 2022, o Tribunal
Africano dos Direitos Humanos e dos Povos sublinhou ainda que "a
continuação da ocupação [do Sahara Ocidental] por Marrocos é incompatível com o
direito à autodeterminação do povo [saharaui] e constitui uma violação desse
direito". Em vários acórdãos entre 2016 e 2021, o Tribunal de Justiça da
União Europeia recordou que "o território do Sahara Ocidental não faz
parte do território do Reino de Marrocos" e que qualquer decisão que afete
o estatuto deste território pressupõe "que o povo do Sahara Ocidental
tenha manifestado o seu consentimento".
Uma
possibilidade de independência excluída
Todos
estes princípios fundamentais parecem não ter sido tomados em consideração
quando a ministra expressou o seu apoio ao plano marroquino, considerando-o uma
"boa base" para a resolução do conflito. Qual é exactamente o plano e
porque é problemático em termos das regras internacionais relevantes?
Apresentada em 2007 como parte do processo de negociação iniciado sob a égide
das Nações Unidas quase vinte anos antes, a "Iniciativa Marroquina para a
Negociação de um Estatuto de Autonomia para a Região do Sahara" prevê,
como o seu nome indica, apenas a autonomia do território, "no quadro da
soberania do Reino e da sua unidade nacional". Assim, exclui em princípio
qualquer possibilidade de independência para o Sahara Ocidental, excluindo esta
opção de ser proposta num futuro referendo. Contudo, o direito à
autodeterminação de que goza o povo saharaui inclui também, segundo a lei
internacional, a possibilidade de independência, sobre a qual o povo
interessado deve poder expressar a sua vontade de forma "livre e
genuína".
Um
plano que reforça a anexação
A perspetiva
por detrás do plano foi explicitada em numerosas ocasiões pelo rei Mohamed VI.
Em 2014, declarou que "a iniciativa de autonomia é o máximo que Marrocos
pode oferecer" e que "a soberania de Marrocos sobre todo o seu
território é imutável, inalienável e não negociável".
O
plano de autonomia visa, portanto, no seu próprio princípio, legitimar e
consolidar a anexação do Sahara Ocidental. É a este respeito que o apoio da
Bélgica a este plano é particularmente problemático, uma vez que implica
aceitar a premissa da soberania marroquina.
Declarações
surpreendentes
Confrontada,
como vimos, com uma ocupação/anexação ilegal, envolvendo a violação do direito
do povo saharaui à autodeterminação, a Bélgica tem, pelo contrário, uma
obrigação internacional de não reconhecer ou encorajar as reivindicações
marroquinas de soberania. Em aplicação do princípio da autodeterminação, só a
livre vontade do povo saharaui - uma parte no conflito nunca nomeada pela
ministra no seu discurso - pode determinar o estatuto do Sahara Ocidental, sem
excluir a independência como exige a iniciativa marroquina. Deste ponto de
vista, é surpreendente que a ministro não tenha feito qualquer referência à
posição da população sob ocupação, expressa nomeadamente através do plano
apresentado em 2007 pela Frente Polisario, uma organização reconhecida pela ONU
como representante legítimo do povo saharaui.
No
mesmo discurso, a Ministra Hadja Lahbib referiu-se à defesa da integridade
territorial da Ucrânia e à rejeição de anexações ilegais por parte da Rússia,
condenando "a violação dos princípios fundamentais da Carta da ONU".
O direito à autodeterminação está consagrado na Carta e a ocupação marroquina
do Sahara Ocidental constitui uma violação flagrante deste direito, bem como
uma violação do respeito pela sua integridade territorial, que é reconhecida
para os territórios não autónomos da mesma forma que para os Estados.
É
lamentável que a Ministra dos Negócios Estrangeiros tenha escolhido, ao ceder à
ofensiva diplomática de Marrocos, ignorar o direito internacional na sua
abordagem da questão do Sahara Ocidental, dando a impressão de que este pode
ser invocado e aplicado em geometria variável, consoante se trate de um aliado
ou de um inimigo, um forte ou um fraco. Ainda há tempo para fazer uma análise mais
apropriada da questão e para corrigir a posição oficial da Bélgica, tornando-a
conforme às exigências do direito internacional.
*Signatários:
Eva Brems, professora de direito internacional na Universidade de Gent (UGent);
Olivier Corten, professor de direito internacional na Universidade Livre de
Bruxelas (ULB); Eric David, professor emérito de direito internacional na ULB;
Christophe Deprez, professor de direito internacional na Universidade de Liège
(ULG); François Dubuisson, professor de direito internacional na ULB; Pierre
Klein, professor de direito internacional na ULB; Vaios Koutroulis, professor
de direito internacional na ULB; Anne Lagerwall, professora de direito
internacional na ULB; Julie Ringelheim, professora de direito internacional na Universidade
Católica de Lovaina (UCL); Tom Ruys, professor de direito internacional na
UGent; Françoise Tulkens, professora emérita de direitos humanos na UCL;
Raphaël Van Steenberghe, professor de direito internacional na UCL; Patrick
Wautelet, professor de direito internacional privado na ULG.
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