quarta-feira, 9 de novembro de 2022

OPINIÃO: A contínua violação dos direitos humanos em Marrocos




O relatório da Human Rights Watch é avassalador: percorre as várias técnicas de vigilância ilegal intimidação, fabricação de provas, prisões arbitrárias, tortura e julgamentos injustos.


Autoras: Ana Gomes e Luísa Teotónio Pereira

PÚBLICO – 09-11-2022


Marrocos foi ontem submetido pela 4.ª vez a um dos mecanismos mais relevantes do Conselho de Direitos Humanos da ONU: o Exame Periódico Universal em matéria de Direitos Humanos. Serão conhecidas adiante as conclusões da sessão sobre a situação do país que é responsável pela proteção e a promoção dos Direitos Humanos dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas e no território não autónomo do Sara Ocidental, que ocupa ilegalmente desde 1975.

O que distingue a atual situação é sobretudo a intensificação da violação de Direitos Humanos em Marrocos e no Sara Ocidental, a sua sofisticação por parte dos aparelhos repressivos do Estado e a impunidade com que os seus responsáveis são beneficiados.

O relatório da Human Rights Watch é avassalador: percorre as várias técnicas de vigilância ilegal (com, entre outros, o uso alargado do programa de espionagem Pégasus), intimidação, fabricação de provas (incluindo de natureza sexual e financeira), prisões arbitrárias, tortura e julgamentos injustos. E chama a atenção para que às vagas sucessivas de repressão da imprensa independente, que deixou de existir, e dos respetivos jornalistas, se junta, como face da mesma moeda, um “eco-sistema mediático” apoiado, protegido e utilizado pelo regime para intimidar, caluniar e semear a confusão, tanto interna, como externamente.

Embora na Constituição marroquina de 2011 esteja consagrado que “o poder judiciário é independente do poder legislativo e do poder executivo”, o primeiro mantém-se sob o controlo do regime através do funcionamento do Conselho Superior do Poder Judiciário, presidido pelo Rei, que tem o poder de nomear metade dos seus membros, e que é o chefe do poder executivo.



Relativamente ao Sara Ocidental, o facto de ainda não se ter respeitado o direito à autodeterminação, como determinam a Carta e as resoluções fundacionais da ONU, constitui a primeira violação de Direitos Humanos. Em consequência, os casos dos presos políticos saharauis, em particular os do chamado “grupo de Gdeim Izik”, que foram condenados a pesadíssimas penas por crimes que não cometeram e continuam a ser alvo de represálias nas prisões marroquinas onde se encontram, a longas distâncias das suas famílias; os dos jovens jornalistas e ativistas que têm desaparecido, sido intimidados, presos e torturados; o da ativista e defensora dos Direitos Humanos Sultana Khaya, mantida com a sua mãe e irmã em prisão domiciliária, sem qualquer acusação, entre novembro de 2020 e junho deste ano, onde foi periodicamente agredida, violada, despojada de alimentação e água potável, pelas forças de segurança marroquinas, falam por si e têm merecido a atenção internacional.

Não é por acaso, e constitui um verdadeiro escândalo, que Marrocos continue a barrar sistematicamente o acesso ao território ocupado do Sahara Ocidental a jornalistas, investigadores, juristas, advogados, parlamentares de todo o mundo e à própria ONU, como reconhece o último relatório de António Guterres ao Conselho de Segurança (3/10/2022): “O Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) não pôde realizar quaisquer visitas ao Sara Ocidental pelo sétimo ano consecutivo, apesar de múltiplos pedidos.


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