domingo, 29 de dezembro de 2024

A razão porque o referendo é a única via a seguir no Sahara Ocidental


 

Oubi Bouchraya - El Independiente - diplomata saharaui, actual representante da Frente POLISARIO em Genebra.

 

Porque é que o referendo de autodeterminação foi e continuará a ser a única solução “política”, “acordada pelas duas partes”, “realista”, “implementável”, “de compromisso” “que garante o direito do povo saharaui à autodeterminação”?

Desde abril de 2007, quando Marrocos apresentou a sua proposta de “autonomia”, o Conselho de Segurança da ONU, através do chamado “penholder” [os EUA] e do grupo “Amigos do Sahara Ocidental”, começou a introduzir mudanças graduais nas suas resoluções através da utilização de novos termos e frases. Isto parecia um apoio implícito à proposta marroquina e uma tentativa de desviar o foco do referendo sobre a autodeterminação. Expressões como “solução política”, “compromisso”, “realista”, “acordado”, “viável -aplicável” e que “garanta o direito do povo saharaui à autodeterminação” tornaram-se recorrentes.

No entanto, essas mesmas expressões, originalmente concebidas para evitar o referendo, acabaram por introduzir e consolidar a consulta popular como a única solução que reúne essas caraterísticas e garante uma solução pacífica, justa e definitiva para o conflito.

O referendo é uma solução “política” por excelência. Surgiu na sequência do reconhecimento por ambas as partes do conflito de que a “solução militar”, que cada uma procurava impor pela força, tinha chegado a um impasse. Este reconhecimento abriu rapidamente caminho a negociações políticas, por vezes diretas e por vezes sob mediação internacional, que culminaram com o acordo da ONU e da OUA sobre um plano de resolução para a organização de um referendo que permitisse ao povo saharaui exercer o seu direito à autodeterminação de forma democrática, civil e transparente. Por conseguinte, para além de ser uma solução política, o referendo é também uma solução democrática.

 

"Para além de ser uma solução política, o referendo é também uma solução democrática"

 

O referendo é uma solução de “compromisso” por excelência. Através dele, e independentemente das posições da Frente POLISARIO, que defende a independência total, e do Reino de Marrocos, que pretende a anexação total do território, é dada ao povo saharaui a possibilidade de decidir sobre o estatuto definitivo do território sem interferências nem pressões de nenhuma das partes. Assim, é o povo, situado no meio entre as duas posições, que decidirá qual delas prevalecerá.

O referendo é uma solução “realista” porque oferece uma resposta global à realidade, sem a reduzir a um único aspeto. A realidade do Sahara Ocidental não pode limitar-se à presença marroquina através de um projeto de ocupação militar e de colonização na parte sob o seu controlo. Existe também uma realidade nacional saharaui na zona libertada, com um Estado membro fundador da União Africana, mantendo relações diplomáticas alargadas e representando todos os saharauis, incluindo os que vivem sob ocupação. Ignorar esta realidade nacional saharaui é inviável, e a independência deve continuar a ser uma opção para os saharauis, algo que o referendo garante. Ignorar o referendo com o argumento de que a independência é “irrealista” é uma visão redutora e, portanto, pouco realista.

O referendo é a única solução “acordada” até à data entre as partes, sob o patrocínio da ONU e da OUA, no âmbito do plano de resolução original que previa a sua organização no início de 1992 e, posteriormente, no final de 1998, no âmbito dos Acordos de Houston e da mediação de James Baker. Não existe qualquer outra solução acordada entre as partes, e talvez nunca venha a existir.

O referendo é uma solução “viável - aplicável” por duas razões: primeiro, porque a ONU tem experiência e sucessos anteriores na organização de referendos de autodeterminação, como em Timor Leste em 1999 e no Sudão do Sul em 2011. Em segundo lugar, porque a ONU, através da sua Missão no Sahara Ocidental (MINURSO), já concluiu quase todos os preparativos técnicos para a organização do referendo em duas fases, incluindo a identificação de 85% dos eleitores, o plano de regresso dos refugiados e a deslocação das forças de ambos os lados. A única diferença em relação aos casos de sucesso é a falta de vontade, primeiro por parte de Marrocos e depois do Conselho de Segurança, de o pôr em prática.

O referendo é a única solução que “garante o direito do povo saharaui à autodeterminação”, em conformidade com os princípios e a Carta da ONU. Todas as outras propostas não passam de tentativas de confiscar e subtrair esse direito.

A proposta marroquina de “autonomia”, para além de não ser nem uma “solução de compromisso”, nem “consensual”, nem “realista”, nem “exequível”, nem “garantidora do direito à autodeterminação”, é uma abordagem do tipo “vencedor absoluto e vencido absoluto”. O que está em jogo no conflito, desde o início até hoje, é a “determinação do estatuto final do território”; por outras palavras, quem terá a soberania sobre o território.

A proposta marroquina resolve unilateralmente esta questão a seu favor, sem consultar o povo saharaui, único detentor legítimo do direito à autodeterminação. Para que Marrocos pudesse conceder “autonomia” ao território, teria primeiro que ter soberania sobre ele, o que não pode ter sem a vontade do povo saharaui, único detentor legítimo desse direito.

 

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