O rei vaiado, a polícia descredibilizada
Nas últimas semanas, a polícia de choque recorreu a rara brutalidade para conter os manifestantes, como foi o que aconteceu em 22 de Maio nas principais cidades do reino, com o fundamento de que eles violaram a proibição estrita de concentração e manifestação. Os dirigentes proeminentes do Movimento de 20 de Fevereiro receberam, na sua maioria, cartas registadas sobre este tema .
“Manifestarmo-nos é um direito, de que é que o Makhzen tem medo?", "Fora o Makhzen. Não ao despotismo ", gritou a multidão em Casablanca, diz a AFP.
Facto novo, as pessoas, na rua, começam a falar directamente a Mohamed VI. No 25 de Maio, à saída da mesquita de Rabat Sunna (localizada a poucos passos do Palácio Real), onde o rei tinha acabado de completar sua oração semanal, desempregados instaram Sua Majestade. "Queremos Emprego!" gritavam. Uma novidade, em Marrocos, ninguém se atrevia a desafiar o monarca durante as suas deslocações.
Também na capital, os manifestantes planeavam realizar acampamentos em frente ao parlamento, mas as autoridades impediram-nos, temendo que eles reeditassem o cenário da praça Tahrir, no Cairo.
Segundo várias fontes, seis pessoas ficaram feridas, mas outras testemunhas avançam números bem superiores. Um dos líderes, já agredido pela polícia na semana passada, sofreu um grave traumatismo craniano, de acordo com testemunhos obtidos pela AFP.
Islamistas e esquerdistas acusados de conspiração
Quatro meses após o início das manifestações pacíficas por mais democracia, a onda de protesto tende a a radicalizar-se, à medida que se aproxima a apresentação, pela Comissão Real encarregada da reforma constitucional da nova moldura da Constituição, que será sujeita a um referendo.
Os Observadores temem um novo endurecimento da segurança em Marrocos, mas também que esta reforma não passe de um mero “facelift”. As autoridades acusam o Movimento 20 de Fevereiro de ser "manipulado pelos “islamistas e esquerdistas" para justificar o uso desproporcional da força contra eles. As autoridades marroquinas recorrentemente se queixam de movimentos islâmicos como a “Justiça e Caridade”, interditos mas tolerados há já muitos anos, bem dos sectores de extrema-esquerda. Para Fouad Abdelmoumni, economista e activista associativo, o movimento islâmico, uma dos maiores e mais influentes em Marrocos, esgrime essas reivindicações democráticas "para servir a sua própria agenda", relata a AFP.
Durante um protesto organizado por centenas de médicos dos hospitais públicos, em Rabat, os batas brancas foram espancados e dispersados pelas forças repressivas, causando o espanto entre a população que se interroga sobre o nervosismo do Estado face a qualquer tipo de movimento de protesto, inclusive quando se trata de exigências de carácter puramente social...
A estratégia das monarquias do Golfe
Um outro facto alimenta a suspeição sobre uma real vontade por parte do Estado em reformar as suas instituições. A 10 de Maio, o Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), que agrupa a Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Oman, Quatar criou uma celeuma ao manifestar apoio à adesão da Jordânia e do Marrocos a este agrupamento regional.
Para muitos analistas, esta proposta sugere que os Estados do Golfo procuram proteger-se do contágio da revolta árabe, mas também contra a ameaça representada pelo Irão. A Jordânia e Marrocos são de facto os únicos reinos árabes que não pertencem e este clube mas que possuem um aparato de segurança armada e experientes.
Há que acreditar que as monarquias do Golfo já não consideram os EUA como um aliado incondicional, à luz da atitude da potência americana face às ditaduras da região. No seu último discurso, dedicado ao mundo árabe, Obama confirmou os seus receios, ao anunciar seu apoio aos reformadores.
Embora seja fácil entender que a assimilação da Jordânia no GCC pode ser considerado natural pela sua proximidade geográfica, o seu regime monárquico e os seus laços económicos com os países da região, o convite a Marrocos, país do Magrebe que goza de um estatuto privilegiado com a União Europeia, só pode ser entendido como resposta às revoltas árabes.
Marrocos, por outro lado, respondeu positivamente à oferta do GCC, mas indicou que o processo deve ser gradual. Poder-se-á supor que esta cooperação se traduzirá em primeiro lugar num alinhamento de pontos de vista diplomáticos, solidariedade nos meios de defesa, acordos de comércio de livre troca e, finalmente, o estabelecimento de mecanismos que regulam a livre circulação de pessoas.
Na vertente diplomática, esta aproximação começou bem antes da primavera árabe. A 6 de Março de 2009, Marrocos anunciava o rompimento das relações diplomáticas com o Irão. A explicação não convenceu. Oficialmente, Rabat rompeu com Teerão, em solidariedade com o Bahrein, após uma importante autoridade iraniana ter descrito o pequeno reino como a "décima quarta província do Irão"..
A razão para a ruptura não era porém essa, e um diplomata egípcio irá explicá-la a um seu colega americano sedeado em Rabat: "Os marroquinos romperam com o Irão por solicitação da Arábia Saudita", diz ele, como o demonstraram os emails obtidos por Wikileaks e revelados pela imprensa. Os sauditas, diz o diplomata, mobilizaram pessoalmente o rei Mohamed VI na sua estratégia global de oposição à influência iraniana. "
E acrescenta o diplomata egípcio:
«Como contrapartida do seu apoio activo, a Arábia Saudita vai fornecer um fluxo contínuo de petróleo a um preço de amigo»
Riade, acrescenta, poderia também colocar o dinheiro na balança e se substituir a outros Estados do Golfo que, atingidos pela crise financeira mundial, já não são capazes de cumprir as suas promessas de investimentos em Marrocos. Por último, afirma o diplomata egípcio, a operação não sai muito caro a Marrocos, que tem poucas relações económicas com o Irão e, ao contrário, poder-se-á manifestar muito rentável para o reino alauita.
"A chave do sucesso para nós permanece na democracia e na igualdade perante a lei para todos, sem necessidade do CCG, podemos avançar sozinho, sem depender desses regimes e dessas pessoas que têm dólares, mas que é preciso reconhecer, mantêm regimes políticos retrógrados. Não podemos deixar-nos atrair por tudo o que brilha, isso pode ser enganoso e perigoso", responde o diplomata.
O New York Times revelou que os Emirados Árabes Unidos assinaram um contrato com Erik Prince, fundador da Blackwater (rebaptizada Xe Services) para formar um exército de mercenários no seu território. Informações rapidamente interpretadas como cumplicidade do reino de Marrocos com seus aliados do Golfo em matéria de segurança.
Rabat e Argel, interesses definidos
Algo impensável há alguns meses, atendendo às disputas profundas entre os dois vizinhos do Norte Africano, especialmente em torno do conflito do Sahara Ocidental, Rabat e Argel parecem querer enterrar o machado, nestes tempos conturbados. Segundo fontes diplomáticas, estão a decorrer negociações secretas entre Marrocos e a Argélia para ser reaberto o lado da fronteira terrestre entre os dois países, fechado desde 1994 após o atentado ao hotel Asni Atlas em Marraquexe. A data 02 de Junho foi mencionada para esse eventual acontecimento.
Nas últimas semanas, habituados a utilizar uma linha ofensiva editorial, os media argelinos oficiais e meios de comunicação social marroquinos e as pessoas próximas dos respectivos poderes mudaram radicalmente de atitude. Um sinal de apaziguamento? Na opinião dos alguns observadores, esta decisão de realpolitik seria ditada por duas razões principais: a Argélia quer dar um balão de oxigénio para sua população impaciente para visitar a Tunísia para "mudar de ares, e Marrocos quer compensar a queda no turismo causadas pelas revoluções e o atentado no café de Argana, em Marraquexe, e distrair a população dos assuntos sensíveis.
Ali Amar,jornalista marroquino, autor do livro «Mohammed VI le grand malentendu»
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