quinta-feira, 21 de junho de 2012

Marrocos contagiado pela crise

A recessão europeia afeta o país, 
que sofre além disso de problemas próprios

Abdelilá Benkiran, primeiro-ministro marroquino:
uma entrevista monólogo

 “Fui eu que pedi que este programa fosse organizado, assim não deixarei que me interrompas com as tuas perguntas porque o que digo é muito importante”. Abdelilá Benkiran, de 58 anos, o islamista que dirige o Governo de Marruecos, perdeu a compostura e ficou «mal na fotografia» no passado dia 6 de junho quando compareceu durante um hora em direto nos dois principais canais da televisão pública. Em teoria, respondia às perguntas de dois jornalistas, mas estes raramente puderam ter a palavra. A entrevista converteu-se num monólogo.

Tres dias antes, o Executivo havia adotado a decisão impopular de subir em 20% o preço da gasolina e em 16% o do gasóleo. Ainda assim, o litro de gasolina, fixado agora em 1,11 euros, continua a ser mais barato que em Ceuta (1,17 euros) ou que em Barcelona (1,38).

Se o Governo não tivesse tomado a decisão, o Fundo de Compensação, que subsidia alimentos básicos e matérias-primas, teria estourado ou o déficit orçamental teria explodido. Em maio, a caixa já havia gasto 80% do seu orçamento anual de cerca de 3.000 milhões de euros.

"Por que quereis que eu pague a vossa gasolina, se haveis decidido de motu proprio circular de automóvel em vez de usar o transporte público", perguntou Benkiran irado aos entrevistadores, determinado em justificar a medida. O problema é que os táxis e os autocarros também aumentaram as suas tarifas no meio de grandes protestos de rua dos utilizadores e de greves espontâneas no setor de transportes.

A agitação social volta às ruas das grandes cidades marroquinas

O ministro Lahcen Daoudi Lahcen Daoudi (ministro do Ensino Superior, da Investigação Científica e da Formação de Quadros) disse que Marrocos está "à beira da falência".
A subida dos hidrocarburantes é o primeiro golpe numa política social que os islamitas do Partido da Justiça e Desenvolvimento (PJD) queriam promover quando chegaram ao Executivo, mas que agora são forçados a cortar por causa de uma desaceleração económica que pode levar à recessão.

A juntar a tudo isto uma dose de impopularidade de um chefe de governo, cuja demissão foi exigida, no final de maio, por 50.000 manifestantes concentrados em Casablanca por dois sindicatos de tendência socialistas (CDT e FDT). "Benkiran fora!" — gritavam. A agitação social cresce. E seria ainda maior se houvesse uma frente comum sindical.

O aumento "escandalizou os pobres do país (...), principalmente porque esperavam outra coisa, uma verdadeira política social por parte de um governo de barbudos que soube gerar tantas esperanças nos corações das camadas mais pobres da população e mesmo junto de outras com maior poder aquisitivo", escreve em editorial o jornal Akhbar al Youm.

Durante muito tempo, muito dos políticos marroquinos e economistas vaticinaram que o seu país estaria imune à crise porque o seu sistema financeiro permanecia à margem da globalização.

Na última década, Marrocos cresceu quase à média de 5%, em grande parte graças à procura interna, mas agora o governo de Rabat não para rever em baixa as previsões para este ano: em janeiro era de 5,5 % em fevereiro de 4,2% e em maio, 3,4%.

O banco central prevê mesmo uma taxa inferior a 3%, uma taxa à qual Marrocos fica exposto à perda de postos de trabalho. Na verdade, o desemprego, embora medido com critérios menos rigorosos do que na Europa, aumentou em 93.000 no primeiro trimestre e ascendeu a 14,4% da população nas áreas urbanas.

As autoridades estão conscientes dos perigos que afligem o país. O Ministro da Educação, Lahcen Daoudi, islamita, avisou que Marrocos está "à beira da falência." "O Marrocos está ligado a uma locomotiva vai cada vez mais devagar", disse o ex-ministro das Finanças Mohamed Berrada, referindo-se à zona euro.

A crise na Europa, explica alguns dos reveses da economia marroquina, como a ligeira queda no investimento estrangeiro, nas remessas dos emigrantes e na estagnação do turismo. O temor infundado de contágio da primavera árabe também o prejudica. Turismo, remessas e exportações de minerais são os setores que proporcionam divisas.

Para além do contágio da Europa, existem fatores intrínsecos que explicam o mau período de Marrocos. A primeira é a agricultura, que representa ainda 15% do PIB e emprega 40% dos marroquinos. Devido à seca, a produção de cereais será pobre, o que se repercute no conjunto da economia. Para aliviar o déficit, Rabat vai importar trigo no valor de 936 milhões de euros.

Os gastos públicos estão descontrolados, não só porque o Fundo de Compensação teve de fazer pagamentos adicionais, mas porque a massa salarial na função pública aumentou 16,7%. A primavera árabe foi abrandada em Marrocos, entre outras medidas, com um aumento generalizado dos salários dos funcionários. O objetivo de um défice orçamental de 5,2% parece inatingível, a menos que o Governo reduza drasticamente o investimento.

Para cúmulo, também o déficit comercial disparou. Em 2010 representava 10,7% do PIB, mas agora é de 16,3%. Marrocos "exporta menos de metade do que importa", observa Lahcen Achy, investigador do Carneige Middle East Center. "Isso reflete a baixa competitividade da sua produção (...)". Anteriormente, as remessas e as receitas do turismo compensavam o desequilíbrio comercial. Agora já não.

Ante o que parece avizinhar-se, alguns ministros sacodem responsabilidades. O titular da pasta das Relações com o Parlamento, o islâmico Choubani Habib, recordava que o seu partido detém a maioria, mas "o poder é dividido entre o rei, o parlamento e o governo."

IGNACIO CEMBRERO Madrid – 17-06-2012 - EL PAIS

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