sábado, 18 de agosto de 2012

Brevíssima história do Exército de Libertação Popular Saharaui (ELPS). Os feitos que fazem uma nação.

ELPS: uma força militar treinada e preparada

Poucas coisas ajudam tanto na construção de uma consciência nacional como as epopeias coletivas. Esses acontecimentos, que conseguem entusiasmar o maior número possível de pessoas, são os que acabam por formar o estrato onde se sustenta a consciência de um povo.
Com a firme convicção de que à elite intelectual saharaui já não lhe interessa as epopeias tribais (na sua maioria imaginárias), deixo aqui uma breve exposição que procura lembrar alguns acontecimentos, não todos, da história do ELPS…
Os feitos, os heroicos feitos do Exército de Libertação Popular Saharaui constituem o maior tesouro da história do povo saharaui como nação moderna.
Daí que a elite intelectual saharaui, antes que ninguém, tenha o dever de, pelo menos, fazer com que essa História (com maiúsculas) não se perca. Daí o inapelável dever de conhecer, ainda que em traços gerais, algumas passagens dessa História (com maiúsculas).
O núcleo inicial do ELPS foi constituído por um grupo de 17 homens, voluntários, que tinham como equipamento militar: 8 espingardas e cinco camelos. Foram eles os celebérrimos autores do ataque ao posto colonial de El Janga, ocorrido a 20 de maio de 1973 ou, o que é o mesmo, a 18 de Labyadh Lawal de 1393 da Hégira.
Com o tempo, foram criadas as duas Regiões Militares iniciais (Região Norte e Região Sul).
Em meados de 1975, a POLISARIO, já enviava para a Argélia algumas unidades para treinamento e instrução. Anos mais tarde, também, as enviava para a Líbia, Cuba e Jugoslávia.
Milhões de minas estão
ainda no território
A primeira grande operação teve lugar em Amgala, nos dias 13 e 14 de fevereiro de 1976. Note-se que a batalha ocorreu, inclusive, antes da proclamação da RASD. Foi nela que, segundo certa imprensa internacional (espanhola incluída) foram feitos prisioneiros, às mãos de Marrocos, 96 militares argelinos. Dado este desmentido até hoje, tanto pela Argélia como pela POLISARIO.

‘Ofensiva El Uali’: de junho 1976 até dezembro de 1978.

Durante esta Ofensiva teve lugar o ataque ao Palácio Presidencial da Mauritânia, na batalha de Nouackchott que ocorreu no dia 08-06-1976.
Algumas das batalhas mais importantes durante esta ofensiva foram: La Güera, Auserd, Aguerguer, Argub, Gleibat Legleia, todas dentro do Sahara Ocidental; e Zuerat, Chum, Ain Bentili, Fdirik , Nouackchott, Tiyigya, Tichit, Bascnu, Uadan, Chenguiti, Atar, no interior do próprio território mauritano.
Durante 1978 e 1979 assistiu-se à intervenção direta das forças francesas, cujos Mirage descolavam das bases de Dakar (Senegal) e atacavam as unidades do ELPS que operavam dentro do território mauritano.
Durante esta Ofensiva, reorganizaram-se as regiões militares, passando o ELPS a contar com 5 Regiões Militares: Sudeste; Sudoeste; Centro; Norte e Nordeste. A par desta divisão, ocorreu a reestruturação do próprio Ministério da Defesa e do Alto Estado Maior (“larkan”) e foram criadas as primeiras escolas saharauis de formação militar.

‘Ofensiva Houari Bumedian’: de janeiro de 1979 até outubro de 1984.

16-01-1979: Violentos combates às portas El Aaiún, a capital do Sahara Ocidental ocupado;
28-01-79: É atacada e ocupada durante 4 horas a Cidade de Tan Tan.
Maio/79: Destruição, em Chbeika, de uma coluna marroquina onde são abatidos 23 efetivos marroquinos.


Junho/79: É atacada a cidade de Assa, em Ued Daräa.
11-08-79: Operação de Bir Enzarán. O ELPS reúne para essa operação 2000 efetivos militares. É a primeira operação em que o ELPS ataca com tantos efetivos.
24-08-79 ou 30 de Ramadão de 1396 da Hégira. Em pleno jejum teve lugar a batalha de Leboirat (o maior êxito militar durante muitos anos). O espólio capturado incluía 37 carros de combate T-54, de fabrico soviético, que Anuar el Sadat, do Egito, havia oferecido a Marrocos. Esta batalha foi designada por alguns como ‘o Dien Bien Phu Saharaui’ e outros apelidam-na de ‘o Massacre dos Tanques’ porque, com efeito, nessa operação os ligeiros Land-Rover massacraram os pesados tanques.
06-10-79: Outra importantíssima batalha. Smara. As unidades do ELPS tinham conseguido alcançar a cidade de Smara que tinha uma guarnição de 8000 soldados marroquinos. Foram libertados mais de 850 saharauis, incluindo o notável Mohamed Ali uld Sid El Bechir. Esta batalha, tem fama de ter constituído uma das mais onerosas em vidas humanas para o ELPS.

A batalha de Mahbes foi de uma enorme violência

13-10-1979: Mahbes. Umas dez unidades saharauis caíram, como feras, sobre toda a guarnição marroquina de Mahbes, onde estavam mais de 6000 soldados. Todo esse batalhão foi completamente aniquilado. A imprensa internacional (europeia incluída), uns dias depois da operação, pôde testemunhar visualmente sobre o terreno o alcance e a magnitude da grandiosa batalha.
Janeiro e fevereiro de 1980: Com Mahbes libertada, as unidades do ELPS avançam para o norte. Estavam já acampadas em Ued Tighzert, controlando a Garganta de Lengab, o único ponto por onde se podia atravessar a cadeia montanhosa do Wargziz em mais de 150 quilómetros. E no seu avanço em direção ao norte, as unidades do ELPS, tinham deixado, para trás, a localidade de Zack. Ouviu-se falar do “Cerco a Zack”, mas, na realidade, não era um cerco no sentido estrito, já que as unidades do ELPS tinham avançado tanto em direção ao norte que deixaram, Zack, nas suas costas. Estava cercada, efetivamente, já que não lhe chegava nenhum tipo de reabastecimentos senão por ar. O ELPS tinha deixado uma pequena unidade para vigiar Zack, caso houvesse necessidade de intervir, mas nada mais. A localidade de Zack está a uns 50 quilómetros da fronteira saharaui-marroquina. Em fevereiro de 1980, o grosso das unidades do ELPS acampava muito mais ao norte, em Ued Tighzert, em frente da Garganta de Lengab, a uns 100 quilómetros ao norte da fronteira saharaui.

Nas batalhas do sul de Marrocos, os ligeiros Land-Rover saharauis
massacraram os pesados tanques marroquinos

Em fevereiro de 1980, a POLISARIO, celebrou a data festiva do 27 de fevereiro (dia da proclamação da RASD), num terreno situado a meio caminho entre a Wilaya de Smara e a Escola 12 de Outubro, nos acampamentos de refugiados. Refira-se que o ano de 1980 foi um ano bissexto, ou seja, fevereiro teve 29 dias. Não foi mal que tenha tido um dia mais. Nessa época, as unidades do ELPS, quase não tiveram tempo de terminar o seu desfile (discursar às massas com desfiles militares, tinha tanto valor ou mais que repelir um ataque marroquino…). Todas as unidades foram avisadas para não desmobilizar depois do desfile. Partiam direto para Lengab. Com efeito, no dia 01-03-1980, tiveram início as grandes batalhas do Wargziz. A primeira batalha durou, ininterruptamente, durante os dias 1,2,3,4,5,6,7 y 8. Foi interrompida no dia 9 e, de novo retomada no dia 10, tendo prosseguido até 15 de março. Lógico, estava em jogo, nada mais, nada menos, que o importantíssimo estreito ou Garganta de Lengab. As batalhas de Wargziz, duraram todo o mês de março, abril e a primeira metade de maio. Recordar-se-ão alguns daquela canção que dizia assim: "os montes de Uark Ziz amanheceram como cemitério dos inimigos". Pois tinha razão, a canção. O assunto, não era para menos..
Para romper a barreira do ELPS, Marrocos, constituiu a mandou avançar dois gigantescos batalhões com nomes lendários: Zal-laga e Uhud. Pois, nem acudindo à história do Islão, conseguiu vencer as ligeiras unidades do ELPS. Em finais de abril, o batalhão Zal-laga foi derrotado e o General Dlimi, que o comandava, pôs-se em fuga. Pouco tempo antes, em finais de março, também  o batalhão Uhud, tinha tido a mesma sorte.
Finalmente, em maio de 1980, Marrocos, consegue franquear o estreito de Lengab e abrir um corredor até à cidade de Zack. Ante o seu avanço, as unidades do ELPS, retrocedem para os seus santuários para lá de Aidar, em Zemmur Lajdhar, onde se reorganizam para prosseguir os combates.
Desde o verão de 1980, outro batalhão gigante, com o nome também legendário, ‘Larak’, comandado pelo Coronel Azman, se preparava para entrar em ação. E entra mesmo em ação em agosto de 1980. Fá-lo, ocupando os estrategicamente importantes cerros de Ras Aljanfra, situados na ponta ocidental do Wargziz, a escassos 8 quilómetros da fronteira saharaui e a 52 quilómetros da cidade de Smara. Marrocos iniciava, então, a construção dos muros. Essa estratégia e os seus preparativos, Marrocos, havia-os guardado com o máximo sigilo e discrição. Nem a POLISARIO, nem o seu aliado argelino, se haviam dado conta desses planos marroquinos até que tiveram início as obras.
Suspeito que a idade dos nossos jovens dirigentes naquela época (em média não teriam mais de 30 anos) os impediu de ver que, por detrás daqueles legendários nomes dos batalhões, Hassan II tinha planos também míticos: prolongar a barreira natural do Wargziz com outra barreira artificial, feita à base de bombas, arame farpado e todo o tipo de aparatos bélicos.
Com efeito, em agosto de 1980 começa a construção dos muros e então, o ELPS, literalmente, dá tudo o que tem para deter a sua construção. Os ferozes combates duraram todo o agosto e forem especialmente sangrentos em setembro devido, segundo alguns, ao facto de um combatente nos ter atraiçoado, passando-se para o lado de Marrocos, e facilitando toda a informação sobre o deslocamento das nossas unidades, o que, oportunamente, foi aproveitado pela aviação inimiga que, já não bombardeava, mas regava com fogo e bombas as trincheiras das unidades do ELPS.
É de recordar que, durante 1980, ou seja, durante as operações do Wargziz e as de Ras Aljanfra, aumentou, exponencialmente, o número de pedidos da POLISARIO aos seus aliados, para obter material bélico. É de recordar, também, que a generalidade desses pedidos não tiveram a resposta que se desejava.
O aparecimento dos muros implicou uma autêntica novidade nas frentes militares. De facto, diminuiu consideravelmente o número de operações militares durante quase seis meses.
Houve que esperar pelo dia 11 de outubro de 1981, para lançar uma das boas. Foi a Grande Batalha de Guelta Zemmur. Uma batalha ao estilo clássico. O ELPS “pôs toda a carne no assador” e estreou-se, pela primeira vez, no uso dos blindados. Utilizou 90 blindados (20 blindados BMP; 10 carros T-55; 30 carros PTR e 30 carros Cascavel).  A batalha foi uma verdadeira carnificina para Marrocos, o que obrigou à intervenção rápida da aviação inimiga. Mas a artilharia estava de sobreaviso: foram abatidos vários aviões (um Northrop F-5E; dois Mirage; um Hércules C130 e um helicóptero).

O complexo sistema de muros construído a partir de 1980 por Marrocos, 
assessorado por conselheiros militares israelitas...

À luz da escassa informação disponível, importa realizar este balanço dos 16 anos que durou a guerra:
O resultado de 16 anos de guerra:

— 2000 operações militares. O que supõe uma média de uma operação cada 3 dias, durante 16 anos. É certo que houve períodos de baixa atividade, mas isso quer dizer que, também, outros houve em que se atacava em várias frentes ao mesmo tempo;
— 3000 Prisioneiros de guerra de diferentes patentes;
— 100 000 Vítimas marroquinas, entre mortos e feridos;
— Uma frente de mais de 4000 quilómetros, desde La Güera, no sul do Sahara Ocidental, até Zagura, no sudeste de Marrocos;
— 77 Aparelhos abatidos, que incluem, avionetas, Mirage, Jaguar, C130, helicópteros;
— Destruídos ou capturados: 8000 veículos militares, desde os jeep até aos modernos tanques;
— Destruídos ou capturadas: 21 embarcações;
— Destruídos 7 comboios;
— Capturadas 12000 armas;
— Capturados 800 aparelhos de telecomunicações


 Sistemas de mísseis 
do Exército de Libertação Popular Saharaui

O acesso das nossas elites culturais e intelectuais às novas tecnologias, deveria ser empregue como uma ferramenta para que essas mesmas elites ocupassem o vazio deixado pelo Estado. É tempo dos nossos historiadores, sociólogos e muita mais gente de saber assumam a responsabilidade histórica que lhes incumbe, educando-nos com os seus trabalhos históricos e os seus escritos. Na verdade, toda uma geração de saharauis deixaram a pele e sangue para colocar o nosso povo sobre o mapa. Estarão as gerações atuais à altura das suas antecessoras?

Atentamente  e com muita humildade,
Haddamin Moulud Said.

Texto traduzido do blog Poemario Por um Sahara Livre

Ahmed Dlimi, um General incómodo


O general Ahmed Dlimi dirigiu a ocupação do Sahara e a construção dos muros que isolaram a zona controlada por Marrocos da dominada pelos saharauis. Era considerado (ou considerava-se a si próprio) o segundo homem mais poderoso do reino.  Comandou em pessoa o poderoso batalhão mecanizado Zal-laga na batalha das montanhas do Wargziz, que veio a ser destroçada pela forças saharauis e que o obrigou a empreender a fuga.
Morreu em janeiro de 1983 num “estranho” acidente de automóvel em Marraquexe. O Ministério da Informação da República Saharaui assegurou que a sua morte foi "um assassinato (mandado executar por Hassan II), destinado a decapitar as forças armadas marroquinas" para impedir que se convertessem, “de novo”, "numa alternativa de poder face à monarquia".

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