ELPS: uma força militar treinada e preparada |
Poucas coisas ajudam tanto na construção de uma consciência
nacional como as epopeias coletivas. Esses acontecimentos, que conseguem
entusiasmar o maior número possível de pessoas, são os que acabam por formar o
estrato onde se sustenta a consciência de um povo.
Com a firme convicção de que à elite intelectual saharaui já
não lhe interessa as epopeias tribais (na sua maioria imaginárias), deixo aqui
uma breve exposição que procura lembrar alguns acontecimentos, não todos, da
história do ELPS…
Os feitos, os heroicos feitos do Exército de Libertação Popular
Saharaui constituem o maior tesouro da história do povo saharaui como nação moderna.
Daí que a elite intelectual saharaui, antes que ninguém, tenha
o dever de, pelo menos, fazer com que essa História (com maiúsculas) não se
perca. Daí o inapelável dever de conhecer, ainda que em traços gerais, algumas
passagens dessa História (com maiúsculas).
O núcleo inicial do ELPS foi constituído por um grupo de 17
homens, voluntários, que tinham como equipamento militar: 8 espingardas e cinco
camelos. Foram eles os celebérrimos autores do ataque ao posto colonial de El
Janga, ocorrido a 20 de maio de 1973 ou, o que é o mesmo, a 18 de Labyadh Lawal
de 1393 da Hégira.
Com o tempo, foram criadas as duas Regiões Militares iniciais
(Região Norte e Região Sul).
Em meados de 1975, a POLISARIO, já enviava para a Argélia
algumas unidades para treinamento e instrução. Anos mais tarde, também, as enviava
para a Líbia, Cuba e Jugoslávia.
Milhões de minas estão ainda no território |
A primeira grande operação teve lugar em Amgala, nos dias 13
e 14 de fevereiro de 1976. Note-se que a batalha ocorreu, inclusive, antes da
proclamação da RASD. Foi nela que, segundo certa imprensa internacional (espanhola
incluída) foram feitos prisioneiros, às mãos de Marrocos, 96 militares
argelinos. Dado este desmentido até hoje, tanto pela Argélia como pela POLISARIO.
‘Ofensiva El Uali’:
de junho 1976 até dezembro de 1978.
Durante esta Ofensiva teve lugar o ataque ao Palácio
Presidencial da Mauritânia, na batalha de Nouackchott que ocorreu no dia
08-06-1976.
Algumas das batalhas mais importantes durante esta ofensiva
foram: La Güera, Auserd, Aguerguer, Argub, Gleibat Legleia, todas dentro do Sahara
Ocidental; e Zuerat, Chum, Ain Bentili, Fdirik , Nouackchott, Tiyigya, Tichit,
Bascnu, Uadan, Chenguiti, Atar, no interior do próprio território mauritano.
Durante 1978 e 1979 assistiu-se à intervenção direta das forças
francesas, cujos Mirage descolavam das bases de Dakar (Senegal) e atacavam as
unidades do ELPS que operavam dentro do território mauritano.
Durante esta Ofensiva, reorganizaram-se as regiões militares,
passando o ELPS a contar com 5 Regiões Militares: Sudeste; Sudoeste; Centro;
Norte e Nordeste. A par desta divisão, ocorreu a reestruturação do próprio
Ministério da Defesa e do Alto Estado Maior (“larkan”) e foram criadas as primeiras
escolas saharauis de formação militar.
‘Ofensiva Houari
Bumedian’: de janeiro de 1979 até outubro de 1984.
16-01-1979: Violentos combates às portas El Aaiún, a capital
do Sahara Ocidental ocupado;
28-01-79: É atacada e ocupada durante 4 horas a Cidade de
Tan Tan.
Maio/79: Destruição, em Chbeika, de uma coluna marroquina onde
são abatidos 23 efetivos marroquinos.
Junho/79: É atacada a cidade de Assa, em Ued Daräa.
11-08-79: Operação de Bir Enzarán. O ELPS reúne para essa operação
2000 efetivos militares. É a primeira operação em que o ELPS ataca com tantos efetivos.
24-08-79 ou 30 de Ramadão de 1396 da Hégira. Em pleno jejum teve
lugar a batalha de Leboirat (o maior êxito militar durante muitos anos). O
espólio capturado incluía 37 carros de combate T-54, de fabrico soviético, que
Anuar el Sadat, do Egito, havia oferecido a Marrocos. Esta batalha foi
designada por alguns como ‘o Dien Bien Phu Saharaui’ e outros apelidam-na de ‘o
Massacre dos Tanques’ porque, com efeito, nessa operação os ligeiros Land-Rover
massacraram os pesados tanques.
06-10-79: Outra importantíssima batalha. Smara. As unidades
do ELPS tinham conseguido alcançar a cidade de Smara que tinha uma guarnição de
8000 soldados marroquinos. Foram libertados mais de 850 saharauis, incluindo o notável
Mohamed Ali uld Sid El Bechir. Esta batalha, tem fama de ter constituído uma
das mais onerosas em vidas humanas para o ELPS.
A batalha de Mahbes foi de uma enorme violência
13-10-1979: Mahbes. Umas dez unidades saharauis caíram, como
feras, sobre toda a guarnição marroquina de Mahbes, onde estavam mais de 6000
soldados. Todo esse batalhão foi completamente aniquilado. A imprensa
internacional (europeia incluída), uns dias depois da operação, pôde testemunhar
visualmente sobre o terreno o alcance e a magnitude da grandiosa batalha.
Janeiro e fevereiro de 1980: Com Mahbes libertada, as
unidades do ELPS avançam para o norte. Estavam já acampadas em Ued Tighzert,
controlando a Garganta de Lengab, o único ponto por onde se podia atravessar a
cadeia montanhosa do Wargziz em mais de 150 quilómetros. E no seu avanço em
direção ao norte, as unidades do ELPS, tinham deixado, para trás, a localidade
de Zack. Ouviu-se falar do “Cerco a Zack”, mas, na realidade, não era um cerco no
sentido estrito, já que as unidades do ELPS tinham avançado tanto em direção ao
norte que deixaram, Zack, nas suas costas. Estava cercada, efetivamente, já que
não lhe chegava nenhum tipo de reabastecimentos senão por ar. O ELPS tinha deixado
uma pequena unidade para vigiar Zack, caso houvesse necessidade de intervir, mas
nada mais. A localidade de Zack está a uns 50 quilómetros da fronteira saharaui-marroquina.
Em fevereiro de 1980, o grosso das unidades do ELPS acampava muito mais ao norte,
em Ued Tighzert, em frente da Garganta de Lengab, a uns 100 quilómetros ao norte
da fronteira saharaui.
Nas batalhas do sul de Marrocos, os ligeiros Land-Rover saharauis massacraram os pesados tanques marroquinos |
Em fevereiro de 1980, a POLISARIO, celebrou a data festiva
do 27 de fevereiro (dia da proclamação da RASD), num terreno situado a meio
caminho entre a Wilaya de Smara e a Escola 12 de Outubro, nos acampamentos de
refugiados. Refira-se que o ano de 1980 foi um ano bissexto, ou seja, fevereiro
teve 29 dias. Não foi mal que tenha tido um dia mais. Nessa época, as unidades
do ELPS, quase não tiveram tempo de terminar o seu desfile (discursar às massas
com desfiles militares, tinha tanto valor ou mais que repelir um ataque marroquino…).
Todas as unidades foram avisadas para não desmobilizar depois do desfile. Partiam
direto para Lengab. Com efeito, no dia 01-03-1980, tiveram início as grandes batalhas
do Wargziz. A primeira batalha durou, ininterruptamente, durante os dias
1,2,3,4,5,6,7 y 8. Foi interrompida no dia 9 e, de novo retomada no dia 10, tendo
prosseguido até 15 de março. Lógico, estava em jogo, nada mais, nada menos, que
o importantíssimo estreito ou Garganta de Lengab. As batalhas de Wargziz, duraram
todo o mês de março, abril e a primeira metade de maio. Recordar-se-ão alguns daquela
canção que dizia assim: "os montes de Uark Ziz amanheceram como cemitério
dos inimigos". Pois tinha razão, a canção. O assunto, não era para menos..
Para romper a barreira do ELPS, Marrocos, constituiu a
mandou avançar dois gigantescos batalhões com nomes lendários: Zal-laga e Uhud.
Pois, nem acudindo à história do Islão, conseguiu vencer as ligeiras unidades do
ELPS. Em finais de abril, o batalhão Zal-laga foi derrotado e o General Dlimi,
que o comandava, pôs-se em fuga. Pouco tempo antes, em finais de março, também o batalhão Uhud, tinha tido a mesma sorte.
Finalmente, em maio de 1980, Marrocos, consegue franquear o
estreito de Lengab e abrir um corredor até à cidade de Zack. Ante o seu avanço,
as unidades do ELPS, retrocedem para os seus santuários para lá de Aidar, em Zemmur
Lajdhar, onde se reorganizam para prosseguir os combates.
Desde o verão de 1980, outro batalhão gigante, com o nome também
legendário, ‘Larak’, comandado pelo Coronel Azman, se preparava para entrar em
ação. E entra mesmo em ação em agosto de 1980. Fá-lo, ocupando os estrategicamente
importantes cerros de Ras Aljanfra, situados na ponta ocidental do Wargziz, a
escassos 8 quilómetros da fronteira saharaui e a 52 quilómetros da cidade de
Smara. Marrocos iniciava, então, a construção dos muros. Essa estratégia e os
seus preparativos, Marrocos, havia-os guardado com o máximo sigilo e discrição.
Nem a POLISARIO, nem o seu aliado argelino, se haviam dado conta desses planos marroquinos
até que tiveram início as obras.
Suspeito que a idade dos nossos jovens dirigentes naquela
época (em média não teriam mais de 30 anos) os impediu de ver que, por detrás
daqueles legendários nomes dos batalhões, Hassan II tinha planos também míticos:
prolongar a barreira natural do Wargziz com outra barreira artificial, feita à base
de bombas, arame farpado e todo o tipo de aparatos bélicos.
Com efeito, em agosto de 1980 começa a construção dos muros e
então, o ELPS, literalmente, dá tudo o que tem para deter a sua construção. Os ferozes
combates duraram todo o agosto e forem especialmente sangrentos em setembro devido,
segundo alguns, ao facto de um combatente nos ter atraiçoado, passando-se para
o lado de Marrocos, e facilitando toda a informação sobre o deslocamento das
nossas unidades, o que, oportunamente, foi aproveitado pela aviação inimiga que,
já não bombardeava, mas regava com fogo e bombas as trincheiras das unidades do
ELPS.
É de recordar que, durante 1980, ou seja, durante as operações
do Wargziz e as de Ras Aljanfra, aumentou, exponencialmente, o número de pedidos
da POLISARIO aos seus aliados, para obter material bélico. É de recordar, também,
que a generalidade desses pedidos não tiveram a resposta que se desejava.
O aparecimento dos muros implicou uma autêntica novidade nas
frentes militares. De facto, diminuiu consideravelmente o número de operações militares
durante quase seis meses.
Houve que esperar pelo dia 11 de outubro de 1981, para lançar
uma das boas. Foi a Grande Batalha de Guelta Zemmur. Uma batalha ao estilo clássico.
O ELPS “pôs toda a carne no assador” e estreou-se, pela primeira vez, no uso dos
blindados. Utilizou 90 blindados (20 blindados BMP; 10 carros T-55; 30 carros
PTR e 30 carros Cascavel). A batalha foi
uma verdadeira carnificina para Marrocos, o que obrigou à intervenção rápida da
aviação inimiga. Mas a artilharia estava de sobreaviso: foram abatidos vários
aviões (um Northrop F-5E; dois Mirage; um Hércules C130 e um helicóptero).
O complexo sistema de muros construído a partir de 1980 por Marrocos,
assessorado por conselheiros militares israelitas...
À luz da escassa informação disponível, importa realizar
este balanço dos 16 anos que durou a guerra:
O resultado de 16 anos de guerra:
— 2000 operações militares. O que supõe uma média de uma operação
cada 3 dias, durante 16 anos. É certo que houve períodos de baixa atividade, mas
isso quer dizer que, também, outros houve em que se atacava em várias frentes ao
mesmo tempo;
— 3000 Prisioneiros de guerra de diferentes patentes;
— 100 000 Vítimas marroquinas, entre mortos e feridos;
— Uma frente de mais de 4000 quilómetros, desde La Güera, no
sul do Sahara Ocidental, até Zagura, no sudeste de Marrocos;
— 77 Aparelhos abatidos, que incluem, avionetas, Mirage,
Jaguar, C130, helicópteros;
— Destruídos ou capturados: 8000 veículos militares, desde
os jeep até aos modernos tanques;
— Destruídos ou capturadas: 21 embarcações;
— Destruídos 7 comboios;
— Capturadas 12000 armas;
— Capturados 800 aparelhos de telecomunicações
O acesso das nossas elites culturais e intelectuais às novas
tecnologias, deveria ser empregue como uma ferramenta para que essas mesmas elites
ocupassem o vazio deixado pelo Estado. É tempo dos nossos historiadores,
sociólogos e muita mais gente de saber assumam a responsabilidade histórica que
lhes incumbe, educando-nos com os seus trabalhos históricos e os seus escritos.
Na verdade, toda uma geração de saharauis deixaram a pele e sangue para colocar
o nosso povo sobre o mapa. Estarão as gerações atuais à altura das suas
antecessoras?
Atentamente e com muita
humildade,
Haddamin Moulud Said.
Texto traduzido do blog Poemario Por um Sahara Livre
Ahmed Dlimi, um General incómodo
O general Ahmed Dlimi dirigiu a ocupação do Sahara e a
construção dos muros que isolaram a zona controlada por Marrocos da dominada
pelos saharauis. Era considerado (ou considerava-se a si próprio) o segundo
homem mais poderoso do reino.
Comandou em pessoa o poderoso batalhão mecanizado Zal-laga na batalha das
montanhas do Wargziz, que veio a ser destroçada pela forças saharauis e que o
obrigou a empreender a fuga.
Morreu em janeiro de 1983 num “estranho” acidente de automóvel
em Marraquexe. O Ministério da Informação da República Saharaui assegurou que a
sua morte foi "um assassinato (mandado executar por Hassan II), destinado
a decapitar as forças armadas marroquinas" para impedir que se convertessem,
“de novo”, "numa alternativa de poder face à monarquia".
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