O MNE espanhol, García Margallo |
As declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros sobre o Sahara Ocidental merecem uma análise cuidadosa. A ordem de
repatriar os cooperantes espanhóis nos acampamentos de refugiados de Tindouf
satisfaz claramente os objetivos de Marrocos. É a primeira vez, desde que
existe o conflito do Sahara Ocidental, que um ministro espanhol dos Negócios
Estrangeiros toma uma decisão semelhante. Isso torna necessário escrutinar a
credibilidade e coerência do discurso do ministro espanhol. E, para o fazer,
torna-se necessário considerar a trajetória da política sobre o norte de África
do ministro Margallo, e do governo de Mariano Rajoy Brey. Análise esta que deve
ser complementada, naturalmente, com a de outros elementos, como sejam as
atuações o majzen marroquino nesse
mesmo cenário.
I. GARCÍA MARGALLO
& RAJOY: UMA POLÍTICA EXTERNA PARA O NORTE DE ÁFRICA TENDENCIOSAMENTE
FAVORÁVEL A MARROCOS
Qual é a política externa do governo Rajoy e do ministro
Margallo, em particular, em relação ao norte de África? Este é o primeiro dado
que há que considerar para analisar as declarações de García Margallo e a ordem
dada de repatriar os cooperantes espanhóis presentes nos acampamentos de
refugiados de Tindouf (Argélia).
E os FACTOS que encontramos são os seguintes:
1- o presidente do Governo, Mariano Rajoy, visitou Marrocos,
onde homenageou o criminoso Hassan II e reuniu com Mohamed VI.
2- o presidente Rajoy, no entanto, não visitou a Argélia,
nem a Tunísia, nem a Mauritânia, nem os territórios da República Saharaui nem
os acampamentos de refugiados, nem nenhum outro país da região noroeste de
África.
3- o ministro dos Negócios Estrangeiros de Rajoy, García
Margallo, visitou Marrocos, onde homenageou o criminoso Hassan II. Não foi
recebido por Mohamed VI.
4- o ministro dos Negócios Estrangeiros de Rajoy, García
Margallo, não visitou a Argélia, nem a Tunísia, nem a Mauritânia, nem os
territórios da República Saharaui nem os acampamentos de refugiados, nem nenhum
outro país da região noroeste de África... exceto o Burkina Fasso, país aliado
do majzén e onde opera, como
"assessor" do presidente desse país, um cidadão mauritano, Mustafá
Chafi (o mediador que interveio para resolver os dois sequestros que ocorreram
com espanhóis no norte de África), com ligações aos serviços secretos
marroquinos.
5- o ministro dos Negócios Estrangeiros de Rajoy, García
Margallo, declarou a 18 de março de 2012 numa entrevista a um diário
progovernamental:
“A responsabilidade de Espanha neste tema é
a mesma que a de qualquer outro membro da ONU”
Quer dizer que, para o ministro García Margallo, Espanha,
que é e que continua a ser, embora isso lhe desagrade, a potência administrante
do Sahara Ocidental tem "a mesma" responsabilidade que "qualquer
outro membro da ONU". A Birmânia, por exemplo....
Os dois cooperantes espanhóis sequestrados em Tindouf e entretanto libertados |
II. AS DECLARAÇÕES DE
GARCÍA MARGALLO SOBRE A SITUAÇÃO NOS ACAMPAMENTOS DE REFUGIADOS DE TINDOUF
O ministro García Margallo fez declarações sobre a
questão... duas declarações onde diz coisas diferentes.
- No dia 28 de julho disse:
O governo deu ordem de iniciar esta
operação após, nos últimos dias, ter indícios fundados que alertavam para um
grave incremento da insegurança na zona e de possíveis atuações contra
objetivos estrangeiros
No dia seguinte, dia 29 de julho, deu-se a repatriação de
todos... menos de um cooperante, Pepe Oropesa, que foi intimidado ao ponto de o
fazerem assinar um documento absolutamente assombroso no qual ele se
comprometia a descartar o Governo de qualquer responsabilidade pelo que lhe
pudesse acontecer à sua pessoa e bens e a recomendação de evacuação do
Ministério espanhol era dramatizada com uma
frase escandalosa: "‘Se te sequestram, não pagamos o resgate”, o
que constitui uma confissão evidente de que o Governo tem, até agora, pago nos
outros sequestros.
No dia 30 de julho, no entanto, dizia algo diferente:
Estava sendo planeado um sequestro de
cooperantes espanhóis nos acampamentos de Tindouf. Verificou-se até à exaustão
que essa operação era iminente.
III. AS DIFERENÇAS
ENTRE AS DECLARAÇÕES DE 28 E DE 30 DE JULHO
Entre as primeiras e as segundas declarações de Margallo existem
diferenças substanciais:
1- No dia 28 havia " fundados indícios " e
"possíveis atuações"...
Mas no dia 30 disse que o suposto risco estava
"confirmado até à exaustão".
2- No dia 28 falava de um suposto "grave incremento da
insegurança"...
Mas no dia 30 dizia que, na realidade, a suposta ameaça era
"iminente".
3- No dia 28 fala de supostas ameaças "contra objetivos
estrangeiros"...
Mas no dia 30 afirma que era contra "cooperantes
espanhóis".
Um "fundado indício " é o mesmo que algo
"confirmado"? Um "aumento da insegurança" é o mesmo que um
acontecimento "iminente"? é o mesmo falar de objetivos
"estrangeiros" ou só de "espanhóis"?
Demasiadas e demasiado importantes diferenças nas suas
declarações...
A falta de coerência entre as declarações exige que analisemos
a questão. Em minha opinião, podem colocar-se duas hipóteses:
1- Margallo mente;
2- Margallo não mente, mas é um irresponsável.
IV. HIPÓTESE
"A": MARGALLO MENTE
A primeira hipótese é a de considerar que Margallo mente
pelas seguintes razões:
1- Nos acampamentos de Tindouf vivem muitas pessoas, de
origem saharaui, que têm a nacionalidade espanhola. Se essas pessoas, que não
são "cooperantes", mas que ali se encontram por razões familiares,
por exemplo, também são "espanhóis":
Por que não existe risco de "sequestro" desses
espanhóis?
Acaso o governo espanhol só paga os resgates se são
sequestrados espanhóis de origem caucasiana e não os que são de origem moura?
2-Uma diferença, tão substancial, entre as declarações de
Margallo de 28 e as de 30 de julho é indício de que Margallo não diz a verdade.
Em apoio desta tese está o facto de que, para além da
inconsistência entre as duas declarações, o cooperante espanhol Oropesa Pepe
manteve-se nos acampamentos de Tindouf .... e até hoje, 31 de julho, oh, surpresa!
Nada lhe aconteceu.
Então: não dizia que o "sequestro" estava
"confirmado" e era "iminente"?
Portanto, a questão chave para responder Margallo é:
Por que não sequestraram Oropesa Pepe?
V. HIPÓTESE
"B": MARGALLO É UM IRRESPONSÁVEL
Admitamos, hipoteticamente, que Margallo não mentiu.
Admitamos, hipoteticamente, que alguém lhe deu essa
informação e ele não é cúmplice ativo da mesma.
Admitamos, hipoteticamente, que ele não estava consciente de
que com esta "informação" causava um grave dano à Frente Polisario.
As perguntas, então, surgem por si próprias:
- era responsável ordenar a repatriação dos cooperantes em
Tindouf... e não ordenar a repatriação dos cooperantes que estão noutros países
norte-africanos próximos como Mauritânia, Mali, Burkina Fasso, Chade,
Senegal,....?
- era responsável alarmar a opinião pública ante um
acontecimento , como se viu, não estava "confirmado" nem era
"iminente" como O PROVA o facto de Pepe Oropesa até ao dia de hoje
não ter sido sequestrado?
- era responsável fazer-se eco de uma "informação"
que, pelos vistos, pode ter a mesma credibilidade que aquela que
"assegurava" a existência de "armas de destruição maciça"
no Iraque de Saddam Hussein?
- era responsável dispor de "informações" sobre
factos tão graves.... e não tê-las compartilhado com a Frente Polisario e com a
Argélia para utilizar essa suposta "informação" e montar uma
armadilha aos supostos "terroristas" para desarticular o suposto
comando?
- foi responsável que
o PSOE e o PP tenham pago somas estratosféricas aos sequestradores de espanhóis
em troca da sua libertação... criando assim um aliciante para fomentar o
sequestro de espanhóis... ou era precisamente isso que se pretendia: criar um
clima favorável ao sequestro de espanhóis para justificar depois que existe um
"grave incremento da insegurança"?
VI. MOHAMED VI
FELICITA ESPANHA...
Neste contexto assistimos às surpreendentemente elogiosas
palavras que Mohamed VI dirigiu ao rei e ao governo espanhol.
No discurso do Trono que proferiu no dia 30 de julho de
2012, em comemoração do seu acesso ao trono marroquino a 30 de julho de 1999,
Mohamed VI referiu-se a Espanha com os termos mais elogiosos que eu me recorde:
“No âmbito das relações avançadas com o
conjunto dos países da União Europeia, temos que destacar as relações
históricas enraizadas e horizontes largos que ligam Marrocos ao Estado vizinho
de Espanha, ancorados por fortes laços pessoais que nos unem a sua Majestade o
Rei Don Juan Carlos I, para além dos laços históricos existentes entre as casas
reais de dois países vizinhos.
Nesta difícil conjuntura que estamos a
atravessar, queremos expressar mais uma vez o nosso compromisso de facilitar as
oportunidades necessárias para proporcionar novas condições económicas
apropriadas para criar riqueza compartilhada,
materializando assim a solidariedade profunda e eficiente entre os nossos dois
países.
Neste sentido, demos a Nossa Alta
Orientação ao Governo para que implemente esta questão, com a importância e
celeridade na aplicação que a mesma requere.”
Mohamed VI não se referiu à França (o
que parece confirmar o que foi avançado neste blog), mas referiu-se à
Espanha em termos extremadamente elogiosos.
Como não levar a pensar que o governo espanhol está
satisfazendo os desejos de Mohamed VI... entre os quais os que os seus serviços
secretos levam anos a esforçar-se em intoxicar a opinião pública, o de misturar
a causa saharaui com o terrorismo?
VII. SE SE CONFIRMA QUE OS
SEQUESTRADORES SÃO DA "AL QAIDA", O GOVERNO RAJOY, CONTINUADOR DO
GOVERNO ZAPATERO, VIOLA O DIREITO INTERNACIONAL AO PAGAR RESGATES
Acabamos de assistir ao vergonhoso episódio de uma nova
cedência do Governo ante um grupo de delinquentes. Um novo episódio em que, tal
como sucedeu com os sequestrados na Mauritânia, o Governo (então de Zapatero,
agora de Rajoy), aplica a mesma "solução": ceder ante a chantagem
pagando.
O problema, que em Espanha se finge desconhecer, é que, se
se confirma que os sequestradores são, como dizem, da "Al Qaida",
pagar resgates é ILEGAL. A resolução 1904, do Conselho de Segurança, de 17 de
dezembro de 2009, no seu parágrafo 5 proíbe taxativamente o pagamento de
"resgates" a grupos terroristas ligados à "Al Qaida".
O que coloca Espanha perante uma grave questão. Dado que o
Governo pagou resgates pelos sequestros de espanhóis na Mauritânia e em
Tindouf... das duas uma:
- ou é legal pagar resgates porque os sequestradores, ao
contrário do que diz a propaganda oficial, NÃO SÃO DA "AL QAIDA".....
- ou é verdade que são da "Al Qaida", e os
governos de Rodríguez Zapatero e de Mariano
Rajoy estão a VIOLAR O DIREITO INTERNACIONAL.
Creio que, antes de alarmar a opinião pública com
advertências de riscos que não se sabe se são "possíveis" ou estão
"confirmados", o governo deve dizer, pura e simplesmente se viola ou
não viola o Direito Internacional sobre o terrorismo.
Carlos Ruiz Miguel,
Catedrático de Direito Constitucional da Universidade de Santiago de
Compostela, desde 2001.
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