sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Ross, o diplomata mais abominado por Marrocos


O rei Mohamed VI recebe Christopher Ross em Fez em 2012.



Quando Christopher Ross foi recebido, pela primeira vez, em audiência pelo rei Mohamed VI, em Fez, a 24 de fevereiro de 2009, disse ao rei que a autonomia, dentro do Reino de Marrocos, era a solução para o conflito no Sahara Ocidental.

Um mês antes o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, tinha nomeado  este veterano diplomata norte-americano, que agora tem 71 anos, seu enviado pessoal para o Sahara Ocidental. Antes, havia desempenhado múltiplos cargos no Departamento de Estado sempre relacionados com o mundo árabe — foi, por exemplo, embaixador na Argélia e na Síria.

Dois anos antes dessa nomeação, em 2007, as autoridades de Marrocos haviam oferecido uma autonomia para essa antiga colónia espanhola de que controlam a 80% desde 1975. Os seus adversários saharauis da Frente Polisario propugnam, por seu lado, a independência através da realização de um referendo de autodeterminação.

Ross era partidário da autonomia e cinco anos depois continuava a sê-lo. Reiterou-o, por exemplo, em finais de junho quando se reuniu em Nova Iorque com uma ampla delegação marroquina liderada por Nasser Bourita, secretário-geral do Ministério de Negócios Estrangeiros. Deu-lhes, não obstante, a observar que não podia dizer em público que essa era a saída que ele defendia para o conflito.

Todos estes comentários de Ross aparecem nos novos telegramas e emails secretos da diplomacia marroquina que o “twittero” que se esconde sob o falso perfil de Chris Coleman vem divulgando desde princípios de outubro. Apesar de defender uma solução que coincide aproximadamente com a proposta das autoridades marroquinas, estas abominam o enviado pessoal de Ban Ki-moon.

Porquê esta animosidade? "Ross mostrou a sua parcialidade e a sua atitude manifestamente hostil a Marrocos", diz outra nota da diplomacia marroquina produzida no início deste ano. Noutro telegrama Rabat enfatiza também as suas "contradições gritantes". Reprova-o de "isentar a Argélia" de qualquer responsabilidade, de “fazer propostas que vão além do seu mandato", "marginalizar a iniciativa de autonomia" para o Sahara e "tentar envolver a União Africana" no contencioso.

Por isso, "sem entrar num confronto aberto com ele, há que o desacreditar" preconiza a primeira nota. "Sem o converter em vítima, há que forçá-lo a renunciar à sua missão (...)". Para isso há que "reduzir ao máximo as suas visitas a Marrocos (...)". Entre os jornalistas, académicos e parlamentares há que "deixar cair (...) uma mensagem cética" sobre ele. "É o homem da situação?" É uma das perguntas que devem ser repetidas para o desacreditar.

A mensagem não acabou com a questão. Assim, uma nota entregue a 2 de outubro ao ministro marroquino dos Negócios Estrangeiros, Salahedine Mezzouar, esboça outra hipótese: "avaliar a situação no seu conjunto e calcular o preço político (...) da possibilidade, para o nosso país, de rejeitar o enviado pessoal" de Ban Ki-moon. Isso implicaria confrontar-se com o secretário-geral da ONU e com o Departamento de Estado dos EUA com quem Rabat mantém já tensas relações.


Manifestantes espancados

Mas, que fez Ross para indispor as autoridades marroquinas? A resposta é também aflorada nos telegramas. A 9 de abril de 2013, o enviado pessoal assinalou, por exemplo, em Rabat ao então ministro de Negócios Estrangeiros marroquino, Saadeddin Othmani, que durante a sua visita a El Aaiún, a capital do Sahara, "houve manifestações pacíficas" mas "os manifestantes foram espancados por agentes civis", "Marrocos deveria estar interessado em demostrar que a vida sob soberania marroquina é pacífica", concluiu. O comentário desagradou.

Pior ainda aos olhos de Rabat. Ross foi recebido em Genebra, em julho de 2013, por Navi Pillay, a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos. Manifestou-lhe a sua "deceção" porque os EUA tinham retirado a sua proposta, em abril desse ano, de ampliar o mandato da MINURSO (contingente das Nações Unidas deslocado no Sahara) para que tivesse competências em matéria de direitos humanos. É "um revés para a causa dos direitos humanos", realçou o enviado.

No seguimento do encontro, pediu a Pillay que efetuasse uma visita ao Sahara e que "formule e respalde uma recomendação para a inclusão dos direitos humanos no mandato da MINURSO". A conversa entre ambos foi relatada ao então embaixador marroquino junto da ONU em Genebra, Omar Hilale, por uma das suas fontes no Alto Comissariado.

Por que não quer Marrocos que os "capacetes azuis" tenham competências em matéria de direitos humanos? Criar-se-iam assim, explica outra nota diplomática, "duas jurisdições paralelas", uma marroquina no norte e outra no Sahara que será regida pelo mecanismo das Nações Unidas.


Este mecanismo "debilitará a autoridade do Marrocos", porque terá um "efeito de apelo entre a população", que acudiria a uma MINURSO já encarregada de registar queixas, reunir informações, investigar e produzir relatórios à ONU sobre alegadas violações dos direitos humanos. Esta previsão faz supor que Rabat reconhece que os Saharauis que vivem na ex-colónia espanhola estão descontentes.

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