Lehdía Mohamed
Dafa, uma médica saharaui a viver em Espanha, escreveu no seu blogue uma reflexão
sobre os difíceis caminhos do feminismo, também no Sahara Ocidental.
“O futuro é
amanhã e vejo-o com otimismo”.
“Há uns anos
questionava a existência de um feminismo saharaui. Afirmei, em mais de uma ocasião,
que as mudanças e conquistas conseguidas na situação da mulher saharaui durante
os primeiros anos revolucionários de combate pela libertação e independência se
foram gradualmente perdendo até hoje, sem que nada o justificasse”.
“Disse ainda
que organizações como a União Nacional de Mulheres Saharauis (UNMS), ou a própria
representação da mulher em instituições como o Parlamento ou o Secretariado
Nacional, são meras correias de transmissão da política monolítica da Frente
POLISARIO, não passando de uma fachada colorida. De nenhum modo são
representantes ativas ou porta-vozes dos direitos inalienáveis da mulher
saharaui na sua luta pela igualdade e pela melhoria das condições de vida, no contexto
da exigência do cumprimento das resoluções da ONU”.
“Os meus
argumentos baseiam-se na evidência da realidade. Nestes 40 anos, a UNMS
(integrada na Frente) - e esta elite de mulheres que tem ocupado cargos de
segundo nível - não tem sido capaz de incorporar nas suas agendas e programas
de ação um único projeto - político, legislativo ou social - que tenha como
objetivo conseguir a plena igualdade, pelo menos jurídica, para as mulheres.
Por isto somos atualmente dos poucos que não tem um código de família ou um
estatuto de direitos civis, pelo menos parecido com o de outros países do mundo
árabe muçulmano. E embora não haja ainda uma organização que possa ser qualificada
como feminista, hoje pode-se dizer com orgulho que existe um feminismo saharaui”.
“Nos últimos
anos, e especialmente ao longo de 2017, foram aparecendo nas redes sociais um
conjunto de perfis de mulheres saharauis - jovens, livres, rebeldes – que, com
diferentes sensibilidades e enquadramentos, têm deixado uma série de
comentários e declarações inequivocamente feministas. Têm constituído grupos e
trocado entre si informação criando um espaço de encontro e debate,
independente e plural. Onde podem, igualmente, encontrar outras mulheres corajosas
que jamais aceitarão a submissão e que, com altos e baixos, mostram o seu forte
compromisso para com a luta pela igualdade, pelas oportunidades e por maiores
quotas de poder para as mulheres”.
“Jovens como
Mena Souilem, Lehdía Albarbuchi, Najla Mohamed, Emgaili Jatri, Minetu Errer, Hurria
Salama, Tfarrah, Aichatu, Asria Mohamed, entre outras, e páginas como ‘Desmontando
tabus’ (em espanhol), ‘Para uma consciência feminista iluminadora’ (em árabe)
ou as recentemente celebradas primeiras jornadas de ‘Feminismos Saharauis’ em Saragoça,
são exemplos indicativos de um movimento que se libertou de inibições e está a
desconstruir o velho discurso oficial que, ao longo destes anos, havia monopolizado
e transmitido uma imagem idílica da mulher saharaui, que nada tem a ver com a
crua e dura realidade”.
“Estas
jovens ativistas são um exemplo de coragem, conhecimento, experiência e sentido
de comunidade. Reivindicam que a nossa luta pela igualdade não pode ficar
subordinada nem esperar pela realização da independência e soberania nacional.
Sem medos nem complexos, têm reforçado a ideia de que os direitos que exigimos
não são um luxo, nem meros caprichos. São direitos humanos universais, necessários
para viver com dignidade.
“O rastilho
foi aceso e serão cada vez mais as mulheres saharauis a exigir uma legislação
que impeça a discriminação da mulher, que ponha preto no branco os nossos
direitos que hoje permanecem no limbo e que garanta a sua proteção e livre
exercício. As mulheres saharauis nunca fizeram da vitimização uma bandeira de
luta mas muitas estão já cansadas de continuar na prisão dourada de um relato
épico e heróico que já passou à História”.
“Hoje têm
problemas urgentes como a falta de autonomia económica, o casamento precoce
como única saída viável, a dependência da autoridade masculina, a ausência de
uma legislação que regule o direito ao divórcio, a tutela dos filhos, a definição
de maioridade, a idade mínima para contrair matrimónio, a herança, a
continuação de uma educação básica, secundária ou universitária sem pressões para
o abandono escolar, uma legislação e um mecanismo que permita aceder a uma vida
sexual e reprodutiva saudável”.
“Temos
consciência de que a nossa luta não é fácil, como também não o foi nenhuma luta
feminista no mundo. Não nos podemos esquecer que somos parte de um conflito
complexo onde a maioria das mulheres, que sacrificam a sua vida pela
sobrevivência e cuidado das crianças e idosos, nunca ouviram sequer a palavra
feminismo.
“Mas também
sabemos que a nossa sociedade - no exílio, nos territórios ocupados e na
diáspora - está a sofrer uma acelerada e profunda transformação que podemos
aproveitar como uma janela de oportunidade para continuar a avançar para uma
mudança a favor dos nossos direitos, da igualdade e de melhores condições de
vida”.
“A nossa
luta não deveria perder de vista dois eixos fundamentais. O primeiro é a
educação o mais completa possível para as raparigas, enquanto pilar básico e garantia
da sua capacidade de se apropriarem das suas decisões e das suas vidas, para
alargar o horizonte das suas oportunidades e para desenvolver as suas próprias
ideias. O segundo é manter um firme e irrenunciável compromisso com a paz e a
solução negociada de um conflito político do qual somos as principais vítimas.
“Apoiadas na
Resolução 1325 das Nações Unidas, devemo-nos construir e reconhecer enquanto sujeito
político e exigir a participação direta e ativa, segundo uma perspetiva de
género, em todos os processos de negociação ou em qualquer tipo de iniciativa
pela paz, segurança ou desenvolvimento da região.
“A nossa
luta pela igualdade da mulher é o melhor investimento na construção de uma
sociedade saharaui democrática, moderna e mais justa; que, em definitivo, só
será possível com a plena e ativa integração das suas mulheres em todos os
âmbitos da vida social, económica e política.”
A autora do artigo, a médica Lehdía
Mohamed Dafa
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