quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Sahara Ocidental: O preço de uma relação inconfessável




Fonte: Ara!nfo / Por Luis Mangrané [advogado aragonês] - Felipe VI visita Marrocos acompanhado por vários ministros. O reino alauita ocupa desde 1976 o Sahara espanhol, quando Espanha não cumpriu com as suas obrigações legais: descolonizar a então província 53 e ao firmar com Marrocos e Mauritânia os ilegais acordos tripartidos de Madrid.

Embora um ano antes o Tribunal Internacional de Haia tivesse declarado que não existiam laços de soberania entre o Marrocos e o Sahara, Hassan II entrou a ferro e fogo no território, iniciando uma sangrenta guerra.

As Nações Unidas ordenaram que se retirassem e que fosse realizado um referendo para que o povo saharaui pudesse decidir sobre o seu destino. Marrocos não fez caso. Os saharauis, através de uma guerra de guerrilha, resistiram a um exército que os superava, que contava com parte dos media internacionais e aliados poderosos (França e Estados Unidos), conseguindo que a Mauritânia se retirasse do conflito e, em 1991, assinando um cessar-fogo para que as Nações Unidas supervisionassem o referendo que deveria conduzir ao fim do conflito.

Ao longo de quatro décadas Marrocos sabotou o referendo, aprisionou os saharauis que protestam contra a ocupação militar e fechou o território à imprensa e aos observadores internacionais. O saque de recursos tornou-se sofisticado e é disfarçado como um tratado internacional.
A União Europeia contradiz as sentenças de seus mais altos tribunais e, para proteger o saque, renova os acordos declarados ilegais baseando-se em sofisticadas interpretações de juristas a soldo de ditames de políticos sem escrúpulos.

O povo saharaui está dividido entre a diáspora, os campos de refugiados na Argélia e o próprio Sahara Ocidental ocupado. A Frente Polisario, seu único e legítimo representante, centra hoje a sua resistência na luta em tribunais e instituições internacionais, consciente de que o direito internacional sempre esteve do seu lado. Os guerrilheiros de antigamente são hoje os diplomatas que comparecem perante os juízes europeus, esperando que eles respeitem mais a legalidade do que os políticos ocidentais.

A solidariedade com o Sahara Ocidental em Espanha é popular (entre os povos), as associações de amizade garantem que o conflito não seja esquecido e que anualmente milhares de crianças refugiadas passem os seus verões em casa de famílias espanholas, gerando laços de união mais fortes que falsas declarações de políticos que, conforme passam da oposição ao poder, transformam seu apoio aos saharauis por interesses inconfessáveis que os transformam em aliados marroquinos.

O interesse por este conflito, nos últimos anos, foi transferido para a situação nos territórios ocupados, apesar dos intentos de Marrocos que pretende que as violações dos direitos humanos cometidos permaneçam ocultos. Durante os anos de chumbo de Hassan II a repressão foi brutal: desaparecimentos forçados, assassinatos, bombardeamentos... em suma, uma tentativa de genocídio que é objeto de investigação no Tribunal Nacional de Espanha (a Audiência Nacional).

Com o atual monarca, Mohamed VI, a situação não melhorou. Desde 2007 assisti a julgamentos de ativistas saharauis e, com outros camaradas, vimos como os maltratavam perante os juízes, impediram-nos de aceder às suas casas, expulsaram-nos das suas cidades, fomos perseguidos e assediados. Fomos nós e tantas centenas de outros europeus, incluindo deputados do Parlamento Europeu.

Os diferentes partidos de turno no Governo espanhol não fizeram nenhum protesto contra esta situação, apesar das queixas dos que a denunciaram. Em vez disso, venderam armas a Marrocos, receberam comitivas oficiais que incluíam torturadores, como Hosni Benslimane, e voltaram a manifestar em Marrocos o seu acordo com esses personagens.

Nas respostas oficiais, diz-se que a Espanha coopera na ajuda humanitária internacional aos campos de refugiados. A Espanha é cúmplice desta situação e tem o cinismo de usar a ajuda como um álibi.

São múltiplos os mecanismos e fóruns em que Espanha se relaciona com Marrocos: cooperação judicial, emigração, comércio ... e parece que nenhum deles é usado para exigir que esse conflito seja resolvido.

A Espanha exige que a Venezuela organize eleições quando em maio passado as realizou, mas nada diz sobre o referendo pendente há mais de 40 anos que não se realiza por recusa de Marrocos.

Nesta visita, os nossos representantes [de Espanha] deveriam ter a responsabilidade de exigir publicamente que sejam respeitados os direitos dos saharauis que permanecem sob ocupação marroquina, muitos deles com documentação espanhola, atual ou caducada. É o mínimo que podem fazer por um povo pacífico que recebe a solidariedade dos espanhóis e que segue atento a qualquer gesto ou notícia de autoridades que os abandonaram nos estertores da ditadura de Franco e que durante a democracia só lhes demonstraram ignomínia.

Há dois anos atrás, a CIA desclassificou documentos confidenciais que revelaram que Juan Carlos II negociou secretamente os termos da Marcha Verde com Hassan II. Qual é o propósito real das conversações e desta visita [realizada por Felipe VI]? A sujeição de um povo irmão é o preço da amizade entre duas casas reais ou a moeda de troca entre dois Estados que simulam modernidade e democracia mas praticam a "realpolitik" usual que oculta razões e interesses económicos inconfessáveis à custa dos mais fracos ?

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