O presidente do Governo de Espanha, Pedro Sánchez. (Reuters/Guglielmo Mangiapane) |
Argel protesta retirando o seu embaixador em Madrid, enquanto a imprensa marroquina elogia o rei por ter dobrado a diplomacia espanhola.
EL CONFIDENCIAL - Ignacio Cembrero - 20 de março 2022 – O governo espanhol encerrou uma crise com Marrocos na sexta-feira mas, ao mesmo tempo, abriu outra com a Argélia, com consequências imprevisíveis. O fim do longo período de tensão - 15 meses - com Marrocos parece solucionado com enorme falta de jeito, na opinião dos diplomatas e outros funcionários espanhóis que seguem de perto a política externa.
A crise com a Argélia, que até recentemente tem sido o principal fornecedor de energia de Espanha, ficou patente no sábado à tarde. Num comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros argelino expressou a sua "surpresa" perante a "súbita mudança de posição" da Espanha. Anunciou então a retirada - um apelo a consultas, em linguagem diplomática - de Said Moussa, seu embaixador em Madrid. O diplomata deixou a Espanha no mesmo sábado à tarde.
Horas antes da publicação desta declaração, um diplomata argelino de alto nível não hesitou em afirmar ao jornal digital TSA que a Espanha "tinha traído os saharauis pela segunda vez", sendo a primeira em 1975 quando entregou a sua colónia a Marrocos e à Mauritânia sem realizar um referendo de autodeterminação, conforme acordado com a ONU.
"A Espanha deixou de apoiar uma solução que garantisse a autodeterminação do povo saharaui para apoiar, depois, o plano da ONU para resolver o último caso de descolonização em África e acaba agora por apoiar o plano de autonomia de Marrocos", lamentou o alto funcionário nas suas declarações à TSA.
Hoje, domingo de manhã, outra fonte diplomática dirigiu-se à imprensa argelina para recordar que a Espanha "permanece, aos olhos da legalidade internacional, o poder administrante ajuramentado do território do Sahara Ocidental e, como tal, assume uma grande responsabilidade moral, política e diplomática como membro do grupo de amigos do Sahara Ocidental nas Nações Unidas". Esta "reviravolta não gloriosa da Espanha é sinónimo de submissão à capacidade de pressão de Marrocos (migração, Ceuta e Melilla, Ilhas Canárias, etc.)", conclui o comentário.
Para pôr fim à crise com Marrocos, o presidente Pedro Sánchez enviou uma carta ao rei de Marrocos, que a tornou parcialmente pública na sexta-feira através de um comunicado real. Nela, Sánchez manifesta o seu apoio ao plano de autonomia que Marrocos ofereceu para resolver o conflito no Sahara Ocidental sem consultar a população saharaui. Sanchez põe assim fim a 47 anos de neutralidade espanhola e contraria o programa eleitoral do PSOE de 2019 que defendia o referendo de autodeterminação.
Sánchez faz isso em termos que, segundo a imprensa marroquina, vão um pouco mais longe que a Alemanha, que deu o braço a torcer em dezembro para pôr fim a mais uma crise, e que a França, principal apoiante de Marrocos na Europa. Nenhum outro país europeu apoia a proposta marroquina de autonomia. Os EUA, por outro lado, não só o apoiam como também reconheceram a soberania marroquina sobre este território, cuja dimensão é semelhante à do Reino Unido. O presidente Donald Trump fez isso em dezembro de 2020, um mês antes de deixar a Casa Branca.
Sánchez deixou-se aconselhar pelo seu ministro dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Albares. Na sua tomada de posse em julho, ele já anunciara que seu objetivo era se reconciliar com Marrocos, o único país que ele nomeou, e desde então não poupou esforços para alcançá-lo. Quando a imigração irregular nas Ilhas Canárias bateu recordes nas Ilhas Canárias, Albares elogiou, por exemplo, em 11 de fevereiro, a colaboração de Marrocos para contê-la.
O resultado dos esforços do ministro é que, hoje, domingo 20, a embaixadora marroquina em Madrid, Karima Benyaich, ainda não retornou ao seu cargo - ela foi convocada para consulta em maio de 2021 para protestar contra o internamento num hospital em Logroño do líder da Polisario - e o seu colega argelino, Said Moussa, deixou já a Espanha este sábado.
"Se Sánchez se livrou de Arancha González Laya porque ela o meteu em problemas com Marrocos ao optar por acolher Brahim Ghali (líder da Frente Polisario), agora ele deveria fazer o mesmo com Albares pelo que fez com a Argélia", comentou um conselheiro da La Moncloa que deixou o cargo há oito meses.
A raiva da Argélia contra o governo espanhol tem duas vertentes. Por um lado, os termos da carta revelada pelo rei, que Moncloa se recusou a tornar pública, são um grande aval às teses diplomáticas marroquinas. "A Espanha fez quase o mesmo que Donald Trump porque só um país soberano pode conceder autonomia a uma parte do seu território", comenta um diplomata espanhol com experiência no Magrebe.
Por outro lado, a Argélia não foi informada das intenções da Espanha, e as suas mais altas autoridades só foram informadas através da imprensa. "Em momento algum Albares [ministro dos negócios estrangeiros] nos informou que o presidente espanhol tinha enviado esta carta ao rei de Marrocos", diz um diplomata argelino. "Pensávamos que a boa fé e a transparência governavam as nossas relações", acrescentou, desapontado.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros e La Moncloa insistiram nas últimas 24 horas que Argel tinha sido informada com antecedência, sem quererem especificar quem o tinha feito ou através de que canal.
Esta falta de comunicação com Argel é tanto mais incompreensível quanto há apenas quinze dias o Presidente Pedro Sánchez telefonou ao Chefe de Estado argelino, Abdelmajid Tebboune, para lhe agradecer o seu empenho em continuar a fornecer gás a Espanha após o encerramento em outubro do gasoduto Magrebe-Europa que passava por Marrocos e que desembocava perto de Tarifa (Cádiz).
Resta saber se a raiva da Argélia contra Espanha irá para além da mera retirada do embaixador. O receio é que a Argélia cancele antecipadamente alguns dos seus contratos de gás com a Espanha, algo que aos olhos da diplomacia espanhola parece altamente improvável. No início do ano, a Argélia deixou surpreendentemente de ser o principal fornecedor de gás de Espanha, tendo sido ultrapassada por pouco pelos EUA.
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