A trama de corrupção chamada 'Qatargate' provocou uma mudança no Parlamento Europeu, que se prepara para censurar algumas das violações dos direitos humanos em Marrocos.
Por Ignacio Cembrero - El Confidencial 11/01/2023
Salvo surpresa, o plenário do Parlamento Europeu vai votar na quinta-feira, 19 de janeiro, uma resolução que denuncia a repressão sofrida pela imprensa em Marrocos, na sessãode Estrasburgo. Dará especial ênfase ao caso do jornalista Omar Radi, 36 anos, condenado a seis anos de prisão em março passado. O grupo parlamentar de A Esquerda, no qual o Podemos está integrado, propôs esta quarta-feira a votação de uma resolução cujo título provisório é "A situação dos jornalistas em Marrocos e especialmente o caso de Omar Radi", segundo fontes da Eurocâmara. Os Verdes, os liberais do Renew Europe (do qual Ciudadanos faz parte) e os Socialistas apoiaram a proposta. O Grupo Popular Europeu, em cujas fileiras se integra o PP espanhol, esteve ausente do encontro, como acontece em todas as reuniões em que são debatidas as chamadas resoluções de emergência.
Será a primeira vez no último quarto de século que uma resolução crítica da violação dos direitos humanos por parte de Marrocos é submetida a votação no Parlamento Europeu. Até agora, apenas foram censurados os seus excessos na política de imigração, sobretudo o envio, em maio de 2021, de mais de 10.000 imigrantes irregulares para Ceuta, um quinto deles menores de idade, para assim pressionar o Governo de Espanha. A proposta de resolução de A Esquerda e Podemos não poderia ter prosperado há apenas um mês, mas o clima mudou no Parlamento Europeu desde que as primeiras prisões de eurodeputados e ex-deputados no início de dezembro revelaram a existência de um esquema de corrupção supostamente promovido por autoridades marroquinas e que o Qatar também aproveitou.
Os eurodeputados socialistas, que têm sido tradicionalmente os principais apoiantes de Marrocos e em cujas fileiras também se encontram mais pessoas alegadamente corruptas afetadas pelo Qatargate, estiveram na reunião de quarta-feira com uma proposta de resolução ainda mais contundente do que de A Esquerda: "Violações dos direitos humanos direitos humanos no Marrocos, o caso de Hirak e do preso político Nasser Zefzafi".
O "hirak" foi a rebelião pacífica na região norte do Rif que Rabat esmagou em maio de 2017. Zezafi era seu líder e agora cumpre uma sentença de 20 anos de prisão. Três outros líderes do Rif também estão atrás das grades. Quando as autoridades marroquinas reprimiram este movimento há quase seis anos, o Parlamento Europeu não fez nenhuma crítica.
Os socialistas renunciaram a seu projeto de resolução na quarta-feira em benefício do de A Esquerda. A conferência dos presidentes dos grupos parlamentares realiza, quinta-feira, dia 12, uma reunião de mera formalidade para ratificar o que foi acordado na véspera pelos coordenadores. A partir daí, cada grupo vai preparar o seu projeto de resolução sobre Marrocos e, na próxima semana, deverá chegar a uma síntese que será submetida a votação em plenário na próxima quinta-feira.
A esquerda pretende denunciar não só o caso de Omar Radi, mas também o de pelo menos dois outros jornalistas presos no Marrocos. Toufik Bouachrine, editor do extinto jornal Akhbar al Youm, foi condenado em recurso a 15 anos de prisão em setembro de 2021. Souleiman Raissouni, editor-chefe desse mesmo jornal, foi condenado em maio de 2022 a cinco anos. Todos eles foram, na verdade, presos por supostos crimes sexuais incluídos no código penal marroquino, embora Omar Radi também tenha sido preso por espionagem. Durante anos, em Marrocos, as condenações não foram pronunciadas contra jornalistas influentes por criticarem o poder político, mas por crimes sexuais, o que torna difícil para as ONGs internacionais de direitos humanos defendê-los. Além desses três jornalistas, há atrás das grades no Marrocos um punhado de blogueiros e youtubers menos conhecidos. A diplomacia marroquina vai agora puxar todas as alavancas ao seu alcance para tentar que esta resolução sobre a liberdade de imprensa seja rejeitada em sessão plenária ou, pelo menos, adoçada. Pressionará primeiro os socialistas espanhóis, segundo fontes parlamentares. Iratxe García, eurodeputada espanhola, preside o grupo socialista no Parlamento Europeu.
Os socialistas europeus, e especialmente os espanhóis, têm-se esforçado, no passado, por satisfazer Marrocos. Em outubro de 2021 votaram no candidato proposto pelo Vox ao prémio Sakharov dos direitos humanos, para evitar que a ativista saharaui Sultana Khaya estivesse entre os finalistas desse prémio. O partido de extrema direita espanhol apresentou a candidatura de Jeanine Áñez, ex-presidente da Bolívia. Ainda em meados de dezembro, uma pequena maioria de eurodeputados socialistas e populares rejeitou em plenário uma emenda da Esquerda para adotar as mesmas sanções contra o Marrocos e contra o Qatar por suposta corrupção de eurodeputados e assistentes parlamentares. O esquema de corrupção foi, na verdade, criado por Marrocos, segundo revelações da imprensa belga, que revela quase diariamente o andamento da investigação judicial.
O Qatar aproveitou esta estrutura existente anos mais tarde para tentar melhorar a sua imagem na véspera do Campeonato do Mundo. Nos dias 1 e 2 de Fevereiro, Espanha e Marrocos realizarão uma Reunião de Alto Nível, como são chamadas as suas cimeiras bilaterais, a primeira em sete anos. Os dois governos tinham marcado o encontro para 20 de dezembro de 2020, mas Rabat cancelou-o dez dias antes e começou assim a desencadear a crise com Espanha, que só chegou ao fim quando o Presidente Pedro Sánchez escreveu uma carta ao Rei Mohammed VI alinhando com a proposta de Marrocos para resolver o conflito do Sahara Ocidental. Isto consiste em conceder autonomia ao território sem realizar um referendo de autodeterminação no qual a população saharaui participaria.
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