Arancha González Laya, foto EP |
Arancha foi arredada do Governo em julho de 2021 numa remodelação ministerial em que muitos viram a mão de Marrocos na sequência da espionagem pelo Pegasus ao chefe de Governo e a muitos dos seus ministros, incluindo naturalmente a própria Arancha González Laya. A ex-ministra dá uma extensa entrevista ao jornalista Francisco Carrión do El Independiente na qual aborda, entre outros temas a questão do Sahara Ocidental:
P.- A política externa espanhola tem as suas particularidades. Estamos a chegar a uma legislatura que foi marcada pela mudança de posição no diferendo do Sahara Ocidental. Esta mudança contribuiu para a resolução do conflito?
R.- A única coisa que eu diria é que este conflito, como tantos outros, não pode ser resolvido se não se lidar com o conflito na sua raiz. A grande lição do que está a acontecer neste momento em Gaza é que pensávamos que se podia resolver o conflito israelo-palestiniano resolvendo o conflito entre Israel e os seus vizinhos, deixando o lado palestiniano para mais tarde. E o que percebemos é que ele não pode ser resolvido sem negociação entre Israel e a Palestina. No caso do Sahara e também noutros conflitos em todo o mundo, o que temos de compreender é que é preciso resolver o problema pela raiz e essa é a lição. E, a partir daí, as Nações Unidas desempenham um papel muito importante, tão criticado quanto necessário, para tentar levar as partes em conflito a chegar a uma solução que permita resolver o conflito a longo prazo.
P.- Nesta fase, pode a Espanha desempenhar um papel no diferendo saharaui?
R.- A Espanha deve poder apoiar todos os esforços do secretário-geral da ONU e do seu enviado especial, e é esse o seu papel, mas a questão deve ser tratada na origem, e na origem está uma negociação entre as partes.
P.- De que serviu a mudança de posição de Espanha?
R.- Isso não me cabe a mim dizer. É um caminho tremendamente escorregadio e não me parece que seja útil comentá-lo, mas o que digo é o que tenho defendido ao longo da minha carreira, ou seja, que os problemas têm de ser resolvidos pela raiz e que têm de ser resolvidos entre as partes e que qualquer solução que as partes encontrem será uma boa solução. Tudo o que podemos fazer é ajudar a encontrar essa solução.
«Quando se deixa de prestar atenção a esses conflitos sem que eles sejam resolvidos, acabam por ser zonas de fragilidade que estamos a criar.»
P.- Que solução vê para este conflito que se arrasta há 47 anos?
R.- Há diferentes propostas em cima da mesa e a que for aceite pelas partes será a boa. Do exterior, o que podemos fazer é ajudar, acompanhar, encorajar e talvez contribuir, mas não podemos substituir as partes em conflito. Seja qual for a natureza do conflito. O que sabemos é que, quando deixamos de prestar atenção a estes conflitos sem que eles se resolvam, acabam por ser zonas de fragilidade que estamos a criar. Todos sabemos que a fragilidade, nestes tempos de enorme turbulência, não é uma boa conselheira.
P.- Do lado marroquino, foi descartada qualquer solução mutuamente aceitável, apoiando o seu projeto de autonomia e condicionando mesmo as suas relações diplomáticas com outros países a esse apoio... Que margem resta? Que margem é que resta?
R.- Esta é uma questão que tem que estar na mente de quem está a tentar ajudar esta resolução.
P.- Qual é a sua opinião sobre o plano de autonomia?
R.- Essa é uma opinião que guardo para mim.
P.- Viveu-o como ministra. Como pode um ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol manter um certo equilíbrio entre Marrocos e a Argélia?
R.- Em Espanha estamos muito conscientes de que temos de manter boas relações com todos os nossos vizinhos. Sabemos que vivemos numa vizinhança difícil e frágil, que sofre de enormes fragilidades estruturais, climáticas e de desemprego juvenil. Enfrentamos também desafios que partilhamos, como a luta contra o crime organizado, o terrorismo e o tráfico de seres humanos. Estamos conscientes deste facto e queremos sempre ter as melhores relações com os nossos vizinhos. Mas uma relação não é apenas o que nós queremos, mas também o que eles querem. Em todo o caso, posso dizer que, na minha longa vida profissional, tive o prazer de conhecer muito bem estes vizinhos espanhóis e de manter óptimas relações com eles, mas também estou consciente de que, por vezes, as fricções são inevitáveis.
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