sábado, 25 de novembro de 2023

A ex-ministra dos Negócios Estrangeiros de Espanha, Arancha González Laya, fala do conflito no Sahara Ocidental e das (difíceis) relações com Marrocos

 

Arancha González Laya, foto EP

Durante os seus 18 meses à frente do Ministério dos Negócios Estrangeiros no Governo presidido por Pedro Sanchez, Arancha González Laya teve de enfrentar os efeitos de uma pandemia e de uma tempestade, que levou ao acolhimento de Brahim Ghali, líder da Frente Polisário, por razões humanitárias.

Arancha foi arredada do Governo em julho de 2021 numa remodelação ministerial em que muitos viram a mão de Marrocos na sequência da espionagem pelo Pegasus ao chefe de Governo e a muitos dos seus ministros, incluindo naturalmente a própria Arancha González Laya. A ex-ministra dá uma extensa entrevista ao jornalista Francisco Carrión do El Independiente na qual aborda, entre outros temas a questão do Sahara Ocidental:


P.- A política externa espanhola tem as suas particularidades. Estamos a chegar a uma legislatura que foi marcada pela mudança de posição no diferendo do Sahara Ocidental. Esta mudança contribuiu para a resolução do conflito?

R.- A única coisa que eu diria é que este conflito, como tantos outros, não pode ser resolvido se não se lidar com o conflito na sua raiz. A grande lição do que está a acontecer neste momento em Gaza é que pensávamos que se podia resolver o conflito israelo-palestiniano resolvendo o conflito entre Israel e os seus vizinhos, deixando o lado palestiniano para mais tarde. E o que percebemos é que ele não pode ser resolvido sem negociação entre Israel e a Palestina. No caso do Sahara e também noutros conflitos em todo o mundo, o que temos de compreender é que é preciso resolver o problema pela raiz e essa é a lição. E, a partir daí, as Nações Unidas desempenham um papel muito importante, tão criticado quanto necessário, para tentar levar as partes em conflito a chegar a uma solução que permita resolver o conflito a longo prazo.

 

P.- Nesta fase, pode a Espanha desempenhar um papel no diferendo saharaui?

R.- A Espanha deve poder apoiar todos os esforços do secretário-geral da ONU e do seu enviado especial, e é esse o seu papel, mas a questão deve ser tratada na origem, e na origem está uma negociação entre as partes.

 

P.- De que serviu a mudança de posição de Espanha?

R.- Isso não me cabe a mim dizer. É um caminho tremendamente escorregadio e não me parece que seja útil comentá-lo, mas o que digo é o que tenho defendido ao longo da minha carreira, ou seja, que os problemas têm de ser resolvidos pela raiz e que têm de ser resolvidos entre as partes e que qualquer solução que as partes encontrem será uma boa solução. Tudo o que podemos fazer é ajudar a encontrar essa solução.

 

«Quando se deixa de prestar atenção a esses conflitos sem que eles sejam resolvidos, acabam por ser zonas de fragilidade que estamos a criar.»

 

P.- Que solução vê para este conflito que se arrasta há 47 anos?

R.- Há diferentes propostas em cima da mesa e a que for aceite pelas partes será a boa. Do exterior, o que podemos fazer é ajudar, acompanhar, encorajar e talvez contribuir, mas não podemos substituir as partes em conflito. Seja qual for a natureza do conflito. O que sabemos é que, quando deixamos de prestar atenção a estes conflitos sem que eles se resolvam, acabam por ser zonas de fragilidade que estamos a criar. Todos sabemos que a fragilidade, nestes tempos de enorme turbulência, não é uma boa conselheira.


P.- Do lado marroquino, foi descartada qualquer solução mutuamente aceitável, apoiando o seu projeto de autonomia e condicionando mesmo as suas relações diplomáticas com outros países a esse apoio... Que margem resta? Que margem é que resta?

R.- Esta é uma questão que tem que estar na mente de quem está a tentar ajudar esta resolução.

 

P.- Qual é a sua opinião sobre o plano de autonomia?

R.- Essa é uma opinião que guardo para mim.

 

P.- Viveu-o como ministra. Como pode um ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol manter um certo equilíbrio entre Marrocos e a Argélia?

R.- Em Espanha estamos muito conscientes de que temos de manter boas relações com todos os nossos vizinhos. Sabemos que vivemos numa vizinhança difícil e frágil, que sofre de enormes fragilidades estruturais, climáticas e de desemprego juvenil. Enfrentamos também desafios que partilhamos, como a luta contra o crime organizado, o terrorismo e o tráfico de seres humanos. Estamos conscientes deste facto e queremos sempre ter as melhores relações com os nossos vizinhos. Mas uma relação não é apenas o que nós queremos, mas também o que eles querem. Em todo o caso, posso dizer que, na minha longa vida profissional, tive o prazer de conhecer muito bem estes vizinhos espanhóis e de manter óptimas relações com eles, mas também estou consciente de que, por vezes, as fricções são inevitáveis.

 

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