Hélène Bailly(*) - 31 outubro 2024 - Afrik.com
O forte apoio de Emmanuel Macron à soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental, expresso perante o parlamento marroquino a 29 de outubro, provocou uma onda de choque. Para além dos compromissos diplomáticos, esta reviravolta diplomática levanta questões: poderão as relações entre Paris e Rabat ser influenciadas por pressões ligadas ao caso de espionagem Pegasus? Em 2021, o Le Monde e um consórcio de meios de comunicação social internacionais revelaram que o telemóvel de Macron e o de vários ministros franceses tinham sido potencialmente alvo de serviços marroquinos que utilizaram software de espionagem. Com este caso em pano de fundo, alguns observadores acreditam que a mudança diplomática da França poderia ser motivada por informações sensíveis obtidas sem o seu conhecimento por Marrocos.
Um presidente abalado pela espionagem
Em 2021, o caso Pegasus abalou o Eliseu de uma forma que um caso de espionagem raramente conseguiu fazer. Emmanuel Macron, habitualmente imperturbável, terá ficado profundamente comovido quando descobriu que o seu número de telefone, bem como os do seu primeiro-ministro Édouard Philippe e de catorze outros membros do governo, estavam entre os potenciais alvos de vigilância dos serviços marroquinos. “Foi a única vez que o vi destabilizado, pálido”, relatou o magazine «Closer» na altura, citando um dos seus próximos. Indignado, Macron terá descrito Mohammed VI como um “mau da fita”, segundo o diário francês Libération. Uma reacção que revela a extensão da sua raiva e que teria manifestado durante um confronto telefónico com o rei de Marrocos, a quem exigiu explicações, noticia o diário francês que especifica que este último teria negado abertamente estar na origem dessas escutas.
A resposta judicial marroquina
Em resposta às acusações relacionadas com o Projecto Pegasus, Marrocos iniciou então processos de difamação contra vários meios de comunicação franceses e organizações de defesa dos direitos humanos, incluindo o Le Monde, a Radio France, a Mediapart, a Forbidden Stories e a Amnistia Internacional. Rabat descreveu as revelações como “falsas e infundadas”. Mas em Março de 2022, o tribunal de Paris considerou estas queixas inadmissíveis, dizendo que Marrocos não podia instaurar processos por difamação como Estado estrangeiro. A decisão, que se baseou na lei francesa de 1881 sobre a liberdade de imprensa, consolidou a autenticidade das revelações do consórcio de jornalistas e ONG.
Recorde-se que em Junho de 2022 o caso Pegasus já tinha surgido em Espanha com acusações de vigilância telefónica por parte de Marrocos visando personalidades espanholas, em particular a mulher do chefe de governo Pedro Sanchez. Segundo vários meios de comunicação locais, estas escutas telefónicas poderão ter influenciado a decisão deste último de apoiar o plano marroquino para o Sahara Ocidental, uma grande mudança diplomática vista como uma “catástrofe diplomática” pela classe política espanhola. Uma pergunta que volta hoje para explicar a mudança de opinião do Presidente francês.
Uma controversa aproximação económica
Mas três anos após o caso Pegasus, subitamente estas tensões foram aliviadas devido à realidade económica e à futura pilhagem do Sahara Ocidental! O anúncio de parcerias económicas entre França e Marrocos durante esta visita presidencial ilustra a dimensão da aproximação, estando previstos quase dez mil milhões de euros de investimentos em infra-estruturas marroquinas.
Estes acordos abrangem sectores estratégicos: transporte ferroviário, com a participação da Alstom na construção de uma linha de alta velocidade Tânger-Marraquexe; energia, através da aposta da TotalEnergies no desenvolvimento do hidrogénio verde; e recursos hídricos, com o projecto da Veolia para uma central de dessalinização de água do mar, apresentado como o maior de África. Estes investimentos massivos, no entanto, entram em contradição com o recente acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 4 de outubro de 2024, que anula dois acordos comerciais UE-Marrocos, incluindo o Sahara Ocidental, recordando o direito inalienável dos saharauis de consentirem exploração dos seus recursos.
Uma rutura com os princípios diplomáticos franceses
O apoio de Macron à soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental marca uma rutura histórica com a tradicional política de neutralidade da França e é contrária aos princípios do direito internacional. Esta posição, que levou à retirada do embaixador argelino, levanta questões cruciais sobre o futuro da diplomacia francesa.
O diário «Le Monde», apesar dos seus laços estreitos com Emmanuel Macron, não é brando com esta escolha diplomática, escrevendo que “Paris não tem interesse em negligenciar a Argélia, um parceiro essencial em termos de recursos humanos, migração, economia e Sahel, nem em apostar tudo em Marrocos, um país cuja governação é por vezes errática, cuja oligarquia é predatória e que é enfraquecido pelas suas desigualdades sociais abismais”. No entanto, a França parece disposta a abandonar os seus compromissos internacionais para se concentrar em Marrocos no âmbito da sua estratégia africana.
Esta reviravolta ilustra um ponto de viragem na política externa francesa, onde os valores e o direito parecem estar a desaparecer em favor de um realismo político por vezes opaco. À medida que aumentam as críticas internacionais, a França poderá ver-se isolada e questionada sobre o seu apego à soberania dos povos, um princípio caro à sua diplomacia histórica.
* Especialista em atualidade da África Central, embora não desdenhe trabalhar em temas de cultura e história de vez em quando.
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