quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Wikileaks sobre o Sahara Ocidental e Marrocos (II)



Tenente-General Benanni: "Um rumor muito generalizado indica que possui uma boa parte da pesca no Sahara Ocidental".


O prof. Carlos Ruiz Miguel, Catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela, autor de inúmeros livros e artigos em revistas espanholas e estrangeiras sobre matérias relacionadas com o Direito Público e Relações Internacionais e, justamente, considerado um perito na questão do Sahara Ocidental, divulga e comenta as “revelações” dos telegramas e relatórios do Departamento de Estado dos EUA sobre o Sahara Ocidental e Marrocos. Ver blog: http://blogs.periodistadigital.com/desdeelatlantico.php

Aparecem novos documentos secretos norte-americanos sobre o Sahara Ocidental e Marrocos. O diário El País faz-se eco de dois novos documentos muito importantes que tratam três importantes temas: a falsidade das acusações sobre as conexões entre saharauis e a "al qaida", o papel do exército marroquino e a corrupção do majzén. Este último tem especial interesse para conhecer a realidade dos negócios do lobby espanhol pro-marroquino.
Os dois documentos, felizmente filtrados, a que me refiro são:
1- o documento do embaixador dos EUA em Rabat, Thomas Riley, de 4-VIII-2008.
2- O documento da cônsul geral dos EUA em Marrocos, Elisabeth Millard, com data de 11-XII-2009

I. NÃO HÁ AMEAÇA DA AL QAIDA NO SAHARA OCIDENTAL
O primeiro dos documentos secretos, publicado em Espanha pelo El País, desmente de forma contundente a propaganda marroquina destinada a intoxicar a opinião pública sobre a hipotética "contaminação" "jihadista" da Frente Polisario:

Although the specter is sometimes raised, there is no indication of any Salafist - Al Qaeda activity among the indigenous Sahrawi population.

O que traduzido significa:

Ainda que por vezes se esgrima esse receio, não há indicação de nenhuma actividade salafista ou da Al Qaida entre a população indígena saharaui.

Deixarão finalmente de intoxicar a opinião pública espanhola alguns jornalistas próximos de certos círculos do poder espanhol e marroquino?
Chama atenção o facto desta parte do documento não ter sido reproduzida na notícia em espanhol elaborada pelo El País.
Claro que, um dia após a publicação deste comentário neste blog, a 04 de Dezembro, Ignacio Cembrero escreveu um artigo intitulado
Washington descartou ligações entre a Frente Polisario e a Al-Qaeda

II. O EXÉRCITO MARROQUINO ESPOLIA AS RIQUEZAS NATURAIS DO SAHARA OCIDENTAL
Segundo o mesmo documento traduzido parcialmente para espanhol e francês:

As Forças Armadas de Marrocos "continuam a ser minadas pela corrupção, ineficiência burocrática, baixos níveis de educação, alguns dos seus soldados estão em perigo de cair no radicalismo, estão politicamente marginalizadas e o grosso dos seus efectivos estão deslocados no Sahara Ocidental". "
(...)
No total, os três Ramos contam com 218.000 homens — 10.000 menos que os de Espanha —, dos quais entre 50% e os 70% estão no Sahara. Só 40%, uma percentagem reduzida, das unidades deslocadas nessa antiga colónia espanhola estão operativas.
(...)
Protagonistas de dois falhados golpes de Estado nos anos setenta, as Forças Armadas continuam a ser estreitamente vigiadas. "Acreditamos que a Monarquia continua a pensar que os militares representam a maior ameaça potencial para a Coroa". "Como consequência, os seus oficiais continuam sendo afastados da tomada de decisões políticas, sendo restringida a sua participação quanto às discussões sobre a força militar de Marrocos", assim como as suas relações com oficiais dos Exércitos estrangeiros, incluindo os adidos militares norte-americanos. Daí que, por vezes, a qualidade da informação sobre as Forças Armadas "falhe".

Como consequência desta desconfiança, "não há movimentos de tropas, nem manobras e nem sequer viagens de oficiais dentro ou fora do país sem a aprovação do rei". Em Marrocos não existe um Ministério de Defensa mas uma pequena Administração civil que depende do primeiro-ministro. Da participação marroquina em operações de manutenção da paz encarrega-se o Ministério dos Negócios Estrangeiros. "Todos os demais assuntos relacionados com a defesa decidem-se no Palácio Real".
(...)
"Informações credíveis indicam que o tenente-general Benanni aproveita a sua posição de comandante-chefe do sector sul para sacar dinheiro dos contratos militares e influir sobre as decisões empresariais". "Um rumor muito generalizado indica que possui uma boa parte da pesca no Sahara Ocidental". "Tal como muitos outros veteranos oficiais, Benanni possui uma faustosa casa familiar que foi provavelmente construída com o dinheiro conseguido com os subornos". Riley opina, no entanto, que "há alguns sintomas de que a confiança do rei nas Forças Armadas aumenta"
"Uma posição de liderança numa região é uma fonte significativa de receitas não legais para a hierarquia militar", defende o embaixador. "Há inclusive informações sobre alunos da academia militar marroquina que pagam para melhorar a sua classificação escolar e obter assim destinos militares lucrativos". "Cargos de comando no sector sul, ou seja, no Sahara Ocidental, são considerados como os mais lucrativos dada a concentração alí da actividade militar (...)". "O Governo de Marrocos parece procurar fórmulas para parar a corrupção nas fileiras dos militares que se estão a formar de coronel para baixo (...)"..
Um problema menor, comparado com a corrupção, é a penetração islamista nas Forças Armadas. Há informações que "sugerem que um pequeno número de soldados são susceptíveis de cair no islamismo radical". Após os atentados de 2003 em Casablanca, que se saldaram por 45 mortos, os investigadores "identificaram militares" entre os conspiradores. Mais tarde foram presos "vários militares e polícias pertencentes a outras células terroristas, uma das quais roubou armas numa base para actividades terroristas".

Entre as medidas preventivas tomadas para evitar a propagação do islamismo radical nos ramos das Forças Armadas figuram "a supressão de todas as mesquitas nas bases (...) e a actuação da contra-inteligência militar, o chamado Cinquième Bureau, com agentes secretos para vigiar as actividades radicais em mesquitas" próximas dos quartéis.

Estes documentos fazem luz sobre o assalto brutal do Exército marroquino de ocupação contra os saharauis do acampamento "Dignidade" em Gdeim Izik.
Recordemos: os saharauis reclamavam os benefícios da exploração dos recursos naturais do território do Sahara Ocidental (esse que, segundo o cínico ministro de Negócios Estrangeiros marroquino é "pobre"). Uma eventual concessão desses benefícios aos saharauis seria feito em prejuízo dos fabulosos lucros que obtem o Exército de ocupação. E o Exército de ocupação decidiu acabar con o protesto.

III. MARROCOS, ONDE SÓ SE PODEM FAZER NEGÓCIOS CORROMPENDO O AL MAJZÉN
Noutro documento de que se faz eco o El País, temos provas sobre a corrupção em Marrocos (aqui o texto original é em inglês):

Numa nota secreta de 11 de Dezembro do ano passado, o conselheiro comercial revela os nomes dos seus informantes e relata con todo o luxo de detalhes a história de um homem de negócios que, por conta de um consórcio norte-americano, pretendia investir 220 milhões de dólares (162 milhões de euros) num projecto imobiliário. O EL PAÍS omite os nomes das fontes e das empresas citadas para não os prejudicar.
A empresa ligada ao Palácio Real, ao cabo de algum tempo, propôs ao empresário organizar uma visita a um país do Golfo Pérsico, onde existiam numerosos contactos para tratar de fomentar o investimento em Marrocos. Em troca deste serviço, o empresário seria "o único proprietário" do seu projecto imobiliário em Marrocos. O empresário aceitou o acordo.

A delegação marroquina que viajou a esse próspero país do Golfo era encabeçada por um dos principais executivos de uma das grandes empresas pertencentes à família real. Na reunião com os investidores locais, o alto executivo marroquino explicou-lhes que só três pessoas em Marrocos tomam decisões sobre grandes investimentos: Fouad Alí el Himma, íntimo amigo do monarca e líder do Partido Autenticidade e Modernidade; Mounir Majidi, secretário particular de Mohamed VI, e o próprio rei. "Falar com qualquer outra pessoa é uma perda de tempo", advertiu-os.
De regresso a Marrocos, a empresa ligada ao Palácio Real recebeu instruções dos seus donos de cumprir quase por completo o seu compromisso com o homem de negócios desejoso de investir. Só lhe pediu uma participação de 5% no projecto.
"As principais instituições e os procedimentos do Estado marroquino são utilizados pelo palácio para coagir e solicitar subornos no sector imobiliário", declara um empresário ao conselheiro comercial. "Embora as práticas corruptas existissem durante o reinado do rei Hassan II, adquiriram um carácter mais institucional com o rei Mohamed VI".
O conselheiro dá crédito a estas palavras no seu relatório. Avaliza-as o comentário que lhe fez por essa altura um ex-embaixador dos EUA em Marrocos "que continua a estar estreitamente ligado ao palácio". Refere que algumas das pessoas chegadas a Mohamed VI demonstram "uma gula vergonhosa". "Esse fenómeno abala seriamente o bom governo que as autoridades de Marrocos se esforçam por promover", acrescenta.
(...)

Este documento projecta suspeitas gravíssimas sobre aqueles empresários espanhóis que fazem negócios em Marrocos.
Actuam pagando comissões ilegais a Mohamed VI e ao seu majzén?

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