terça-feira, 13 de maio de 2014

Frank Ruddy: adeus a um diplomata fundamental na história do Sahara Ocidental



Quarta-feira, 7 de maio de 2014, faleceu Frank Ruddy. Frank Ruddy foi um embaixador norte-americano que desempenhou importante responsabilidade na Missão das Nações Unidas para o Sahara Ocidental (MINURSO). O seu testemunho no Congresso dos Estados Unidos sobre as manobras do majzen marroquino para fazer descarrilar o processo de paz auspiciado pelas Nações Unidas constitui um dos marcos mais recentes da história do Sahara Ocidental. A sua contribuição para uma melhor aproximação da política dos Estados Unidos da América (EUA) à questão do Sahara Ocidental pode ser qualificada, sem exagero algum, como transcendental. Ruddy foi um diplomata fundamental na história recente do Sahara Ocidental.
                           
I. FRANK RUDDY, ALGUMAS NOTAS SOBRE A SUA PESSOA E A SUA TRAJETÓRIA
Frank Ruddy, católico e hispano-falante na perfeição, nasceu em Jamaica (Nova Iorque) em 1937. Não era um "perigoso comunista" mas uma pessoa claramente alinhada com o Partido Republicano. Entre os numerosos cargos de responsabilidade que desempenhou podem-se citar:
- Administrador adjunto da USAID (US Agency for International Development) que é a Agência da Cooperação Internacional dos Estados Unidos (1981-1985)
- Embaixador (não complacente) dos Estados Unidos na Guiné Equatorial (nomeado por Ronald Reagan) (1985-1988)
- Assessor Jurídico Principal do Departamento (Ministério) da Energia dos Estados Unidos (1988-1989).
No âmbito privado, exerceu assessoria jurídica como sócio fundador da empresa "Ruddy & Muir".
Além de ter sido sub-chefe da MINURSO (algo de que já falaremos), foi membro fundador da "US-Western Sahara Foundation" (Fundação Estados Unidos-Sahara Ocidental) e membro do Diretório da "Defense Forum Foundation".

II. FRANK RUDDY, A SUA NOMEAÇÃO PARA A MINURSO, A TENTATIVA MARROQUINA DE O CORROMPER E A SUA DENÚNCIA PÚBLICA ANTE O CONGRESSO DOS EUA
II.1. O Plano de Resolução das Nações Unidas e a criação da MINURSO
Em 1990-1991, o Conselho de Segurança aprovou o "Plano de Resolução" para o Sahara Ocidental através das suas sus resoluções 658 (1990) e 690 (1991).
Este "Plano de Resolução", convém recordá-lo aos "desmemoriados", constitui

— o ÚNICO plano aprovado pelas Nações Unidas (que não foi revogado ou substituído por outro)
— e o ÚNICO que foi aceite pelas duas partes, Marrocos e Frente Polisario, tal como as suas modificações (Acordos de Houston), que também foram aceites pelas duas partes.
O referido Plano, repito, aceite por Marrocos, contempla a realização de um REFERENDO DE AUTODETERMINAÇÃO em que se inclui a OPÇÃO DE INDEPENDÊNCIA.
Com o fim de organizar o referendo, o Conselho de Segurança decidiu criar a MINURSO. Como diz a resolução 690 (1991) do Conselho de Segurança, anteriormente citada:

4. (O Conselho de Segurança) Decide estabelecer sob a sua autoridade uma Missão das Nações Unidas para o Referendo do Sahara Ocidental, em conformidade com o relatório mencionado de 19 de abril de 1991

II.2. A nomeação de Ruddy na MINURSO, o intento marroquino de o corromper
O processo de pôr em execução o Plano de Resolução começou a sofrer bloqueios e atrasos. Neste contexto, o governo dos Estados Unidos influenciou para nomear um norte-americano, Frank Ruddy, como sub-chefe da MINURSO. Ruddy foi nomeado em 1994. No entanto, em finais desse ano demitiu-se, denunciando graves irregularidades na MINURSO.
A 25 de janeiro de 1995, Frank Ruddy compareceu ante a Câmara de Representantes do Congresso dos Estados Unidos onde tornou pública a sua denúncia da inatividade e cumplicidade da MINURSO com a potencia ocupante marroquina para torpedear e bloquear o processo do referendo. A denúncia de Ruddy (cujo texto em inglês e em francês pode ser consultado na internet) constituiu a acusação mais grave alguma vez formulada de forma oficial contra as manobras do majzen para obstaculizar o referendo de autodeterminação no Sahara Ocidental.
Ruddy pretendeu em 1995 expor também essas irregularidades ante o Comité de Descolonização mas, a 11 de outubro de 1995, o Comité, após uma obscura manobra do então Assessor Jurídico das Nações Unidas, através de uma votação (por 38 votos contra 32, com 20 abstenções) decidiu não ouvir o testemunho de Ruddy.
Desde então, Ruddy denunciou em repetidas ocasiões os intentos marroquinos para o corromper. A sua última aparição pública foi no documentário de Javier Bardem, "Hijos de las nubes". Onde afirmou:

"Marrocos tentou subornar-me em 4 ocasiões; numa delas pagavam-me as carreiras dos meus 3 filhos em universidades privadas. Noutro ofereceram-me a oportunidade de conhecer o rei. É ridículo... ou seja (risos) os outros subornos eram bons, mas para que queria eu conhecer o rei???"

Num documentário da televisão sueca é recolhido também o seu testemunho sobre a repressão marroquina.

Recomendo vivamente, no mesmo documentária, a audição das declarações do então ministro do Interior de Marrocos, e número 2 do regime, Driss Basri, a partir do minuto 4'24''. Podemos ouvir, claramente, o representante do Marrocos dizer:

"Le Maroc est attaché fondamentalement à respecter tout ce qui est contenu dans le plan portant le reglement de l'affaire du Sahara. Il est engagé à tenir le référendum sous contrôle onusien au Sahara"


III. ALGUNS TEXTOS FUNDAMENTAIS DE FRANK RUDDY

— A intervenção de Frank Ruddy na Câmara de Representantes do Congresso dos Estados Unidos a 25 de janeiro de 1995: original inglês e tradução francesa
—  "Lofty generalities - Indecent particulars- The U.N. in action - After the galas are over", Speech delivered by Amb. Frank Ruddy at the conservative political action conference (c-pac), Mayflower Hotel, Washington D.C., Discurso el 23 de febrero de 1996.
"The Western Sahara: Can the U.N. Turn Failure Into Success" Intervenção na "Defense Forum Foundation" a 14 de março de 1997.
"Western Sahara: The Referendum that wasn't and the one that still might be". Intervenção no The Middle East Institute, a 19 de junho de 1998.
"Western Sahara: Africa's last colony" No World Affairs Council do Alaska a 31 de outubro de 2007. Em espanhol.
Resenha da intervenção de Frank Ruddy na Universidade Americana a 25 de fevereiro de 2010.

Nota
Dai-lhe Senhor o descanso eterno.
Brilhe para ele a luz perpétua.
Descanse em paz.
Amén


Artigo do Prof. de Direito Constitucional da Universidade de Santiago de Compostela Carlos Ruiz Miguel. 

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