Cristina Gallach |
Autor: Carlos Ruiz Miguel, professor catedrático de Direito Constitucional
na Universidade de Santiago de Compostela
Ler também: Sahara
Ocidental: panorama após a batalha do Conselho de Segurança (I): As mentiras de
Marrocos
Na batalha travada nas Nações Unidas em torno do Sahara
Ocidental joga um papel obscuro uma espanhola. Quase ninguém a conhece, apesar apesar
de ser a cidadã espanhola que ocupa o mais alto cargo nas Nações Unidas. O seu
nome é Cristina Gallach e desde Dezembro de 2014 é subsecretária-geral das Nações
Unidas para a comunicação e informação pública. São três as atuações
lamentáveis de Cristina Gallach: primeiro, a sua falta de diligência em relação
a uma fundação ligada a um escândalo de subornos nas Nações Unidas; segunda, a
retirada da acreditação e expulsão da Inner City Press, o meio independente mais
crítico que cobre a ONU; e, terceiro, a tentativa de censura e posterior
ocultamento da conferência de imprensa do representante da Frente Polisario nas
Nações Unidas após a aprovação da resolução 2285 do Conselho de Segurança,
sobre o Sahara Ocidental.
I. CRISTINA GALLACH, A ESPANHOLA POUCO CONHECIDA COM O CARGO DE
MAIOR RESPONSABILIDADE NA ONU
Cristina Gallach não é conhecida pela opinião pública. Só
círculos especializados conhecem o seu nome. Começou por ser correspondente da
agência EFE em Bruxelas para depois passar a ser correspondente do "El
Periódico" em Moscovo. Em 1995, passou do jornalismo "stricto
sensu" às tarefas de porta-voz quando Javier Solana Madariaga foi nomeado
secretário-geral da NATO (anos depois de ter gritado "NATO, NÃO"),
Gallach converteu-se na sua porta-voz. Quando em 1999 Solana deixou o seu cargo
na NATO para converter-se em "Sr. PESC" na UE, Gallach continuou a
ser sua porta-voz at+e que deixou o cargo em 2009. Em 2010, o governo de
Rodríguez Zapatero designou-a porta-voz da presidência rotativa espanhola da
UE. Após estas funções procuraram dar-lhe um novo cargo internacional (porta-voz
da ONU-mulheres) mas não foi possível já que a quota de cargos atribuídos a
espanhóis na ONU esgotara com a designação de Bibiana Aído para um determinado
cargo da organização. Em 2014, o governo de Rajoy promoveu-a para o seu atual
cargo, Subsecretária-geral das Nações Unidas para a comunicação e informação pública.
II. CRISTINA GALLACH, SALPICADA PELO ESCÂNDALO DE SUBORNOS NAS
NAÇÕES UNIDAS
A pesar de não estar há muito tempo no cargo, Gallach ficou salpicada
pelo gravíssimo escândalo dos subornos nas Nações Unidas que levou aProcuradoria dos EUA a abrir um inquérito. Os principais acusados são: 1) John
Ashe, diplomata de Antígua e Barbuda (país que, de forma suspeita, retirou o reconhecimento
da República Saharaui em 2010), presidente da Assembleia Geral da ONU em 2013/2014;
2) Ng Lap Seng (empresário chinês) e 3) Frank Lorenzo (empresário norte-americano).
Os subornos eran canalizados através de uma Fundação (a "Global
Sustainability Foundation").
O problema é que Gallach viu-se salpicada neste escândalo por
uma dupla razão.
Em primeiro lugar, porque o seu departamento não atuou com a
devida diligência ao autorizar uma exposição promovida (obviamente como operação
de lavagem de imagem) pela citada Fundação na sede das Nações Unidas. O
relatório do departamento de auditoria interna das Nações Unidas não deixa
lugar a dúvidas e censura a conduta do Departamento dirigido por Wallach (vejam-seos parágrafos 20 (b) e 37 a 40 do relatório).
Em segundo lugar porque, pouco antes do empresário de Comunicação
Frank Lorenzo ter sido acusado pela Procuradoria, Gallach assistiu à entrega de
prémios que organiza a empresa de comunicação de Lorenzo deixando-se fotografar
amplamente com ele...
III. CRISTINA GALLACH EXPULSA DA ONU O MEIO INDEPENDENTE MAIS
CRÍTICO EM RELAÇÂO ÀS NAÇÕES UNIDAS
A 19 de fevereiro de 2016, Gallach protagonizou um grave escândalo
ao ordenar que fosse retirada à acreditação ao meio digital "Inner CityPress", obrigando pela força a que fosse desalojada a sua representação.
Não é casual que Inner City Press fosse, de entre os meios
acreditados na ONU, um dos que (senão o qu3e mais) cobriram o escândalo
Ashe/Seng/Lorenzo.
Pois bem , e aqui penetramos noutro suspeito terreno (mas provavelmente
conectado com o anterior), não deixa de ser espantoso que a única imprensa no mundo
que se tivesse regozijado - e com que satisfação – desta expulsão... fosse o
sítio do núcleo duro do Makhzen num artigo de 22 de fevereiro que por sua vez
se faz eco de outro meio makhzeniano quase-oficial "As-Sabah". Nestas
"informações" afirmava-se que o jornalista expulso era
"pro-Polisario".
Apesar de equivocadamente (provavelmente fruto de uma obsessão)
dizer que o jornalista expulso era espanhol não há dúvida que se referia a
Matthew Russell Lee, o responsável da Inner City Press, que foi o ÚNICO jornalista
em que nessas datas foi retirada a acreditação e foi expulso.
O assunto adquiriu matizes de máxima gravidade quando um Prémio
Nobel da Paz, Ramos Horta, se interessou pelo assunto da Inner City Press e
Gallach lhe respondeu com uma carta que segundo o atingido, Russell Lee, contemuma mentira.
IV. CRISTINA GALLACH OCULTA A CONFERÊNCIA DE IMPRENSA DO
REPRESENTANTE DA FRENTE POLISARIO
Mas ainda
há mais.
Este ano teve lugar no Conselho de Segurança o debate que poderá
qualificar-se como o mais importante, desde há muitos anos, sobre o Sahara
Ocidental. Após a votação da resolução 2285 realizaram-se várias conferências
de imprensa. Uma, do embaixador do Makhzen, Omar Hilal, foi comentada neste blog. Mas além desta, também deram conferências de imprensa o embaixador da Argélia
na ONU, Sabri Bukadum, e o representante da Frente Polisario nas Nações Unidas,
Ahmed Bukhari.
Pois bem, num primeiro momento, o arquivo de vídeos das
conferências de imprensa realizadas na sede da ONU (que, obviamente, depende do
departamento que dirige Gallach) censurou a intervenção do representante
saharaui.
Por último, esta escandalosa censura foi substituída por uma
ocultação. Com efeito, a intervenção de Bukhari foi incluída... no vídeo da conferênciade imprensa do embaixador argelino. No minuto 13:26 vê-se um corte no vídeo
para encaixar a intervenção de Bukhari que antes tinha sido censurada.
Esta decisão do Departamento de Gallach surge alinhada,
diretamente, com as pretensões do embaixador marroquino de considerar que a
"outra parte" do conflito do Sahara Ocidental não é a Frente
Polisario, mas a "Argélia". Uma pretensão que Gallach deve saber que
NUNCA foi aceite por nenhuma resolução das Nações Unidas.
Mas o problema da decisão de Gallach é que ela contradiz a
prática dos seus antecessores na ONU. Si se consultar o arquivo de vídeos da
página da ONU e se se introduzir a palavra "Polisario" encontra - oh,
surpresa! - que a conferência de imprensa do representante da Frente Polisario nasNações Unidas do ano 2012 foi arquivada de forma distinta e separada.
Mas quando se procura "Polisario" nesse motor de busca
a conferência de imprensa do representante saharaui em 2016 NÃO APARECE ficando,
assim, oculta. Um escândalo.
V. SILÊNCIO DA IMPRENSA ESPANHOLA ANTE OS ESCÂNDALOS DA MAIS
ALTO CARGO ESPANHOLA NA ONU
Todo o relatado é grave. É escandaloso.
Mas talvez ainda mais escandaloso seja o facto de, até agora,
NENHUM MEIO ESPANHOL IMPRESSO OU DIGITAL ter relatado esta questão.
Assim está a imprensa em Espanha.
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