domingo, 22 de maio de 2016

Sahara Ocidental: panorama após a batalha do Conselho de Segurança (II): uma infiltrada na Secretaria-Geral?


Cristina Gallach

Autor: Carlos Ruiz Miguel, professor catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela




Na batalha travada nas Nações Unidas em torno do Sahara Ocidental joga um papel obscuro uma espanhola. Quase ninguém a conhece, apesar apesar de ser a cidadã espanhola que ocupa o mais alto cargo nas Nações Unidas. O seu nome é Cristina Gallach e desde Dezembro de 2014 é subsecretária-geral das Nações Unidas para a comunicação e informação pública. São três as atuações lamentáveis de Cristina Gallach: primeiro, a sua falta de diligência em relação a uma fundação ligada a um escândalo de subornos nas Nações Unidas; segunda, a retirada da acreditação e expulsão da Inner City Press, o meio independente mais crítico que cobre a ONU; e, terceiro, a tentativa de censura e posterior ocultamento da conferência de imprensa do representante da Frente Polisario nas Nações Unidas após a aprovação da resolução 2285 do Conselho de Segurança, sobre o Sahara Ocidental.

I. CRISTINA GALLACH, A ESPANHOLA POUCO CONHECIDA COM O CARGO DE MAIOR RESPONSABILIDADE NA ONU
Cristina Gallach não é conhecida pela opinião pública. Só círculos especializados conhecem o seu nome. Começou por ser correspondente da agência EFE em Bruxelas para depois passar a ser correspondente do "El Periódico" em Moscovo. Em 1995, passou do jornalismo "stricto sensu" às tarefas de porta-voz quando Javier Solana Madariaga foi nomeado secretário-geral da NATO (anos depois de ter gritado "NATO, NÃO"), Gallach converteu-se na sua porta-voz. Quando em 1999 Solana deixou o seu cargo na NATO para converter-se em "Sr. PESC" na UE, Gallach continuou a ser sua porta-voz at+e que deixou o cargo em 2009. Em 2010, o governo de Rodríguez Zapatero designou-a porta-voz da presidência rotativa espanhola da UE. Após estas funções procuraram dar-lhe um novo cargo internacional (porta-voz da ONU-mulheres) mas não foi possível já que a quota de cargos atribuídos a espanhóis na ONU esgotara com a designação de Bibiana Aído para um determinado cargo da organização. Em 2014, o governo de Rajoy promoveu-a para o seu atual cargo, Subsecretária-geral das Nações Unidas para a comunicação e informação pública.



II. CRISTINA GALLACH, SALPICADA PELO ESCÂNDALO DE SUBORNOS NAS NAÇÕES UNIDAS
A pesar de não estar há muito tempo no cargo, Gallach ficou salpicada pelo gravíssimo escândalo dos subornos nas Nações Unidas que levou aProcuradoria dos EUA a abrir um inquérito. Os principais acusados são: 1) John Ashe, diplomata de Antígua e Barbuda (país que, de forma suspeita, retirou o reconhecimento da República Saharaui em 2010), presidente da Assembleia Geral da ONU em 2013/2014; 2) Ng Lap Seng (empresário chinês) e 3) Frank Lorenzo (empresário norte-americano). Os subornos eran canalizados através de uma Fundação (a "Global Sustainability Foundation").
O problema é que Gallach viu-se salpicada neste escândalo por uma dupla razão.
Em primeiro lugar, porque o seu departamento não atuou com a devida diligência ao autorizar uma exposição promovida (obviamente como operação de lavagem de imagem) pela citada Fundação na sede das Nações Unidas. O relatório do departamento de auditoria interna das Nações Unidas não deixa lugar a dúvidas e censura a conduta do Departamento dirigido por Wallach (vejam-seos parágrafos 20 (b) e 37 a 40 do relatório).
Em segundo lugar porque, pouco antes do empresário de Comunicação Frank Lorenzo ter sido acusado pela Procuradoria, Gallach assistiu à entrega de prémios que organiza a empresa de comunicação de Lorenzo deixando-se fotografar amplamente com ele...



III. CRISTINA GALLACH EXPULSA DA ONU O MEIO INDEPENDENTE MAIS CRÍTICO EM RELAÇÂO ÀS NAÇÕES UNIDAS
A 19 de fevereiro de 2016, Gallach protagonizou um grave escândalo ao ordenar que fosse retirada à acreditação ao meio digital "Inner CityPress", obrigando pela força a que fosse desalojada a sua representação.
Não é casual que Inner City Press fosse, de entre os meios acreditados na ONU, um dos que (senão o qu3e mais) cobriram o escândalo Ashe/Seng/Lorenzo.
Pois bem , e aqui penetramos noutro suspeito terreno (mas provavelmente conectado com o anterior), não deixa de ser espantoso que a única imprensa no mundo que se tivesse regozijado - e com que satisfação – desta expulsão... fosse o sítio do núcleo duro do Makhzen num artigo de 22 de fevereiro que por sua vez se faz eco de outro meio makhzeniano quase-oficial "As-Sabah". Nestas "informações" afirmava-se que o jornalista expulso era "pro-Polisario".




Apesar de equivocadamente (provavelmente fruto de uma obsessão) dizer que o jornalista expulso era espanhol não há dúvida que se referia a Matthew Russell Lee, o responsável da Inner City Press, que foi o ÚNICO jornalista em que nessas datas foi retirada a acreditação e foi expulso.
O assunto adquiriu matizes de máxima gravidade quando um Prémio Nobel da Paz, Ramos Horta, se interessou pelo assunto da Inner City Press e Gallach lhe respondeu com uma carta que segundo o atingido, Russell Lee, contemuma mentira.

IV. CRISTINA GALLACH OCULTA A CONFERÊNCIA DE IMPRENSA DO REPRESENTANTE DA FRENTE POLISARIO
Mas ainda há mais.
Este ano teve lugar no Conselho de Segurança o debate que poderá qualificar-se como o mais importante, desde há muitos anos, sobre o Sahara Ocidental. Após a votação da resolução 2285 realizaram-se várias conferências de imprensa. Uma, do embaixador do Makhzen, Omar Hilal, foi comentada neste blog. Mas além desta, também deram conferências de imprensa o embaixador da Argélia na ONU, Sabri Bukadum, e o representante da Frente Polisario nas Nações Unidas, Ahmed Bukhari.
Pois bem, num primeiro momento, o arquivo de vídeos das conferências de imprensa realizadas na sede da ONU (que, obviamente, depende do departamento que dirige Gallach) censurou a intervenção do representante saharaui.
Por último, esta escandalosa censura foi substituída por uma ocultação. Com efeito, a intervenção de Bukhari foi incluída... no vídeo da conferênciade imprensa do embaixador argelino. No minuto 13:26 vê-se um corte no vídeo para encaixar a intervenção de Bukhari que antes tinha sido censurada.
Esta decisão do Departamento de Gallach surge alinhada, diretamente, com as pretensões do embaixador marroquino de considerar que a "outra parte" do conflito do Sahara Ocidental não é a Frente Polisario, mas a "Argélia". Uma pretensão que Gallach deve saber que NUNCA foi aceite por nenhuma resolução das Nações Unidas.
Mas o problema da decisão de Gallach é que ela contradiz a prática dos seus antecessores na ONU. Si se consultar o arquivo de vídeos da página da ONU e se se introduzir a palavra "Polisario" encontra - oh, surpresa! - que a conferência de imprensa do representante da Frente Polisario nasNações Unidas do ano 2012 foi arquivada de forma distinta e separada.
Mas quando se procura "Polisario" nesse motor de busca a conferência de imprensa do representante saharaui em 2016 NÃO APARECE ficando, assim, oculta. Um escândalo.

V. SILÊNCIO DA IMPRENSA ESPANHOLA ANTE OS ESCÂNDALOS DA MAIS ALTO CARGO ESPANHOLA NA ONU
Todo o relatado é grave. É escandaloso.
Mas talvez ainda mais escandaloso seja o facto de, até agora, NENHUM MEIO ESPANHOL IMPRESSO OU DIGITAL ter relatado esta questão.
Assim está a imprensa em Espanha.


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