A 11 de
Agosto de 2016 produziu-se o incidente militar mais grave no Sahara Ocidental
desde 6 de Setembro de 1991 [data de entrada do cessar-fogo]. É verdadeiramente
escandaloso que a imprensa de Espanha, potência administrante do Sahara
Ocidental, tenha silenciado (com as únicas exceções de Elena González em “Onda Cero” e Isaac J. Martín do "El
Mundo" hoje
mesmo) esta violação flagrante dos acordos militares firmados por Marrocos e a Frente
Polisario juntamente com as Nações Unidas. A invasão por forças militares
marroquinas da região para lá do muro divisório ao sul de Guerguerat, no
sudoeste do Sahara Ocidental, tem lugar perto da localidade saharaui mais
meridional do território, La Güera, lugar em torno do qual se gerou grande tensão
nos últimos dois anos. Este facto tem um profundo significado que requer uma
adequada análise @Desdelatlantico.
I. O ESTATUTO DE "LA GÜERA"
E DO "KANDAHAR" SAHARAUI
Como já recordei neste blog, La Güera é um território que 1)
Marrocos reconheceu , ante o Tribunal Internacional de Justiça, que NUNCA fez parte do seu territorio; 2) Marrocos num tratado bilateral de 1976 reiterou
que La Güera não faz parte do seu territorio; e, finalmente, 3) La Güera é um territorio
que se encontra fora das zonas de restrição militar acordadas por Marruecos e a
Frente Polisario ante as Nações Unidas.
Não acontece
o mesmo com o denominado "Kandahar" saharaui que é a zona que se encontra
entre Guerguerat (onde se localiza o posto de controlo marroquino mais a sudoeste
do Sahara Ocidental ocupado) e a fronteira internacionalmente reconhecida entre
o Sahara Ocidental e a Mauritânia. A esta zona se aplicam as notas 1) e 2) que dissemos
para La Güera, mas não a 3) pois esta zona se encontra regida pelo "Acordo
Militar número 1", firmado em 1997 por Marrocos e a Frente Polisario que
estabelece várias restrições e entre elas a proibição de que as tropas dos dois
lados opositores ultrapassem o muro de divisão.
II. A TENSÃO EM TORNO DE LA GÜERA,
DESDE JANEIRO DE 2015
O meu blog foi, não sei se a única, mas
seguramente a primeira publicação espanhola que se fez eco do artigo de uma publicação
independente, "Futuro Saharaui", a qual em 11 de Janeiro de 2015 afirmou que tropas
saharauis tinham tomado o controlo, pela primeira vez desde 1975, da localidade
de La Güera, no extremo sul do Sahara Ocidental.
O
acontecimento tinha um significado político evidente pois La Güera é o único porto
(embora hoje inutilizado) do Sahara O que não está sob ocupação marroquina.
A Frente
Polisario desmentiu as informações da "Futuro Saharaui" que, no
entanto, a mim me foram confirmadas por fontes figedignas. O que ocorreu exatamente
em janeiro de 2015 não o sabemos ainda hoje, mas é um facto que em dezembro de
2015, o presidente mauritano, Mohamed Ould Abdelaziz, recebeu em Nouakchott uma
delegação marroquina de máximo nível composta pelo ministro dos Negócios
Estrangeiros (Salaheddin Mezuar), o chefe da espionagem exterior (Yasín
Mansuri) e o general responsável pelo exército de ocupação do Sahara Ocidental
(Bushaib Arrub).
Nesse momento
especulou-se sobre o verdadeiro motivo daquele encuentro, mas hoje sabe-se, com
segurança, que o objeto fundamental do encontro foi tratar da questão La Güera.
A 8 de janeiro
de 2016 uma publicação argelina, "Algérie Patriotique", forneceu importantes revelações.
Segundo esta publicação, confirma-se verdadeiro que tenha havido unidades
militares saharauis em La Güera, com a complacência mauritana, e frente às pressões
marroquíes, a Mauritânia içou a sua bandeira em La Güera, o que suscitou enorme
irritação em Rabat.
III. REVESES DIPLOMÁTICOS MARROQUINOS
NA EUROPA, ÁFRICA E NAÇÕES UNIDAS
Não é possível
entender o que se está a pasar se não tomamos em conta que a diplomacia marroquina
sofreu vários reveses neste último ano:
- Revés na União Europeia com a sentença de 10 de Dezembro de
2015 que anula a aplicação ao Sahara Ocidental do acordo entre a UE e Marrocos
sobre liberalização de produtos agrícolas e pesqueiros.
- Revés na União Africana, onde a presidência da organização recusou
prestar-se às manobras do Makhzen.
- Revés nas Nações Unidas, onde não só se desautorizou a expulsão
unilateralmente decretada por Marrocos de membros da Missão das Nações Unidas
para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), como teve lugar a mais dividida votação na história
de todas as resoluções do Conselho de Segurança sobre o Sahara Ocidental.
A isto vem
juntar-se o facto de a 1 de Agosto de 2016 o porta-voz do Secretário-Geral das
Nações Unidas ter anunciado
que o Enviado Pessoal do SG da ONU para o Sahara Ocidental, Christopher Ross,
pensava reativar as negociações com uma "proposta formal".
É evidente
que as opções diplomáticas para o expansionismo do Makhzen se esgotam. A única
opção possível para quem se empenha em manter esse expansionismo é a militar. E
essa foi a opção tomada pelo Makhzen.
IV. A INVASÃO MARROQUINA DE 11 DE
AGOSTO, UMA DATA SIMBÓLICA
A 11 de Agosto
de 2016 teve lugar a incursão de forças militares marroquinas na região denominada
de "Kandahar" saharaui, para lá do muro divisório, violando
flagrantemente o "Acordo Militar número 1".
Surpreende-me,
e espanta-me, que nem uma só análise sobre a situação tenha examinado o simbolismo
da data.
Foi num 11
de Agosto, mas de 1979, que teve lugar a segunda invasão marroquina do Sahara
Ocidental. Nessa data, as tropas marroquinas entraram em Villa Cisneros (Dakhla),
um território que o próprio Marrocos havia reconhecido ante o Tribunal Internacional
de Justiça e num tratado bilateral com a Mauritânia que NÃO fazia parte de
"Marrocos". Essa invasão, convém recordá-lo, foi condenada por várias
resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Que seja 11 de Agosto a data escolhida para esta nova invasão
é TUDO MENOS CASUAL.
V. A CUMPLICIDADE COM MARROCOS DO
PORTA-VOZ DO SG DA ONU POSTA EM EVIDÊNCIA POR "FUTURO SAHARAUI"
A invasão marroquina
foi denunciada numa carta ao SG apresentada por Ahmed Bukhari, representante da
Frente Polisario ante as Nações Unidas, cujo contúde pode ser lido num despacho
da Inner City Press.
No entanto,
de forma assombrosa, o porta-voz do SG da ONU, Farhan Haq, disse a 18 de Agosto
que a MINURSO após uma investigação por terra e ar "não observou presença militar ou equipamentos na
faixa-tampão "
("buffer strip").
Ante estas
declarações a publicação independente "Futuro Saharaui" publicou, no dia seguinte, fotos e vídeos que demonstravam
essa presença militar..
A cumplicidade
de Farhan Haq ficou ainda mais em evidência quando a 28 de Agosto, o
departamento de comunicação do SG da ONU emitiu um comunicado em que mostrava
estar "profundamente preocupado" pela "tensa situação" resultante da infiltração
de "unidades armadas" de "Marrocos" e da Frente Polisario.
Mas não
disse Farhan Haq que não se havia observado presença militar marroquina?
O facto é que, como revelou Omar Slama num importante
artigo, houve um comportamento da ONU e da MINURSO que, a não ser
suspeito e cúmplice com o Makhzen marroquino, poderia ser qualificado de
claramente deficiente na gestão deste grave incidente.
VI.
"KANDAHAR", UM “PEREJIL” SAHARAUI
A invasão marroquina
de "Kandahar" teve muitas similitudes com a invasão da ilhota de Perejil
em Julho de 2002... e um final parecido para Rabat.
Também na
invasão de Perejil, como na de Kandahar, foram utilizadas forças da Gendarmeria
(forças que são militares). Também em Kandahar, como em Perejil, se tratava de
um território sem forças militares presentes. Em Kandahar, como em Perejil, as
forças do país soberano (Espanha em Perejil, a RASD em Kandahar) repeliram a agressão
içando a sua bandeira no território que sofreu a invasão. E em Kandahar, como em
Perejil, o conflito parece ter-se resolvido com uma intervenção de terceiros (EUA
em Perejil, a MINURSO em Kandahar).
Com efeito, no
momento em que escrevo estas linhas, a publicação "El Confidencial
Saharaui" informa que foi garantido o "statu quo ante".
A intervenção
militar que pôs fim à invasão de Kandahar foi um sucesso, que deve figurar no
ativo do presidente saharaui, Brahim Gali.
NOTA
O site digital
marroquino "Le Desk" publicou um amplo artigo sobre La Güera assinado
por Christophe Guguen. O artigo em geral é aceitável, mas mas perde-se com
informações objetivamente falsas como as relacionadas com a
"recuperação" do Sahara Ocidental por Marrocos.
A documentação gráfica é também incorrecta, aunque
hay alguna inexactitud, como la de un grabado antiguo que atribuyen a La Güera
pero corresponde a Villa Cisneros.
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