Mohamed Salem Ould Salek |
O ministro de Assuntos Exteriores da RASD, Mohamed Salem Ould Salek, afirmou esta segunda-feira que o Conselho de Segurança se absteve de impor uma solução para o conflito do Sahara Ocidental, convertendo-se, com a MINURSO, em "parte do problema". A entrevista foi publicada a poucas horas da reunião do Conselho de Segurança, que teve lugar ontem ao final da tarde (ver mais notícias neste blog).
“O Conselho de Segurança e a MINURSO são parte do PROBLEMA, inclusive já haviam tentado modificar o fundo da resolução”, declarou o chefe da diplomacia saharaui numa entrevista ao diário argelino “Le Soir d'Algérie”, apontando a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental como uma missão que "não faz nada". Eis a entrevista.
Le Soir d´Algérie: Como está a situação no terreno desde o recomeço das hostilidades?
Mohamed Salem Ould Salek: A guerra recomeçou na devida forma após as repetidas violações de Marrocos e a sua renúncia ao compromisso principal que é a solução preconizada pelo plano de resolução que estabeleceu o cessar-fogo e defende o organização de um referendo de autodeterminação. Nesse contexto, o que fizeram as Nações Unidas? Não impuseram este plano de resolução como deveriam. Tentaram superar o bloqueio sabendo que a única saída, a única solução justa, estava na organização de um referendo sobre a autodeterminação. Os acontecimentos de Guerguerat constituem a última violação marroquina. Temos que entender o que aconteceu. Durante as negociações de 91-92, ambos os lados aceitaram o muro da vergonha como uma linha divisória. É delimitada em ambos os lados por espaços de 5 km que são zonas tampão. Este muro, que vai do nordeste do Sahara Ocidental ao sudoeste, separa o território do Saara Ocidental em zona ocupada e zona libertada. Na região oeste, encontra-se a região de Guerguerat que oferece uma abertura para o Atlântico. Em 2001, Marrocos abriu uma brecha, [uma passagem ilegal] e n´s apresentámos uma reclamação junto da MINURSO por essa violação. Poucos meses depois, Marrocos escreveu à MINURSO para dizer que estava abandonando essa decisão. Também deve ser entendido que esta área está localizada a 5 km da fronteira com a Mauritânia. A MINURSO não acompanhou o caso. Em 2007, Marrocos passou a enviar caminhões porta-contentores nessa direção, e em 2009, 2010, este país, diante de uma grave crise económica, continuou exportando para a Mauritânia o excedente de produtos agrícolas que não não conseguia vender na Europa, bem como alguns outros produtos. As empresas francesas estabelecidas em Marrocos fiseram o mesmo. Exportam (têxteis, etc.) via Guerguerat.
Então, havia muita atividade no terreno?
O movimento ultrapassava os 150 caminhões, contentores e movimentos diários. A crise estava bem estabelecida. Em 2017, haveria um retomar da guerra. Avisámos todas as partes autorizadas. O Conselho de Segurança decidiu criar uma comissão de especialistas e enviá-la para encontrar uma solução. Marrocos recusou e ninguém agiu. Houve um facto consumado. Com toda a cumplicidade interna, francesa e espanhola em particular, o Conselho de Segurança nada fez. Os saharauis disseram que não podia continuar assim. Durante o 15º Congresso, dissemos que se a situação não evoluísse para a organização do referendo de autodeterminação, as hostilidades seriam retomadas. As violações persistiram e a sociedade civil saharaui organizou uma grande manifestação pacífica que bloqueou Guerguerat durante três semanas. Marrocos reuniu suas tropas e atacou. Prolongou o muro para a Mauritânia. Atualmente, portanto, existe um novo muro na zona de contenção [que deveria ser desmilitarizada], . Em 13 de novembro, a luta recomeçou. Desde então, e ao longo do muro, as nossas tropas entraram em ação. Existem ataques. A força aérea marroquina também bombardeou as nossas posições, houve perdas do outro lado.
Há prisioneiros?
Ainda não. Mas sabemos que já existem cerca de 20 mortos. Também sabemos que dois coronéis perderam a vida, mas os marroquinos fazem parecer que um morreu de coronavírus e o outro foi picado por uma cobra! Confira todas as condolências nas redes sociais marroquinas. Essa guerra também tem um impacto psicológico significativo. A maioria dos soldados atrás do muro nunca lutou numa guerra, isso é novo para eles. Alguns fugiram com os primeiross disparos, e ainda nñão se travaram combates corpo a corpo. No entanto, o exército marroquino respondeu com todos os seus meios.
Que atmosfera reina entre a população saharauí?
Existe uma mobilização geral. Isso é guerra, é claro. As escolas militares estão lotadas. Todos voltaram para os seus lugares. Os saharauis queriam lutar, sentiram-se traídos pelo Conselho de Segurança e pela MINURSO que é tutelada por este mesmo conselho.
Que impacto pode ter o reconhecimento de Israel por Marrocos?
Como sabem, a Frente Polisario e os saharauis em geral condenaram veementemente a última declaração de Trump. Também notaram que a parte desta declaração que se relaciona com a normalização das relações marroquinas com Israel foi bem recebida pelo Ocidente em geral, mas todos, com exceção da França e partidos bem conhecidos, fizeram a diferença com o aspecto relativo ao processo saharauí. pois Isso foi visto como uma violação do direito internacional. É a prova de que o reconhecimento da soberania de Marrocos não foi aceite. Também deve ser entendido que esta é uma posição pessoal de um presidente que está fazendo as malas. Esta é uma declaração, não uma decisão. Grandes personalidades fizeram ouvir a sua voz sobre este assunto. São senadores muito influentes. O líder do grupo democrata no Senado também reagiu. James Baker, Christopher Ross e Bolton também rejeitaram esta decisão. Por último, o facto de Marrocos ter decidido normalizar as suas relações com Israel neste momento significa que necessita de apoio para sair desta confusão, mas é um passo para a fuga.
Acha que a chegada de Biden pode mudar as coisas?
Faremos tudo para recuperar os nossos direitos. Os EUA que pesam nas resoluções estão agora face a um problema. Falharam na sua neutralidade. A declaração de Trump está a prejudicá-los. Têm qie se decidir, não podem ser juiz e parte ao mesmo tempo.
O Conselho de Segurança reune-se hoje [ontem, ao final do dia] para considerar os últimos desenvolvimentos. Qual o seu comentário ?
O Conselho de Segurança colheu o que semeou ao lono de 29 anos. O dossier saharaui está nas mãos de um grupo que está na origem desta situação. O papel da França e da Espanha foi devastador. O que é mais grava é que este grupo não foi nomeado nem eleito. O próprio Boutros Ghali [antigo SG da ONU já falecido] disse que era estranho a esta manobra que tinha acontecido, foi um assalto. Além disso, a representação geográfica nem mesmo é respeitada, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Rússia, Espanha ... O que faz a Espanha nele participando? Onde está a Asia? Mesmo os russos não estão mais se envolvendo. Eles ouvem e vão embora. Isso indica a sua recusa em entrar nas manobras. O Conselho de Segurança é parte do problema, e em grande parte por causa da França. Não queria impor a solução, nem honrar o seu compromisso.
A Minurso atualmente tem ainda uma função?
Ela não está fazendo nada, o cessar-fogo foi quebrado. Ela tinha a prerrogativa de agir, mas não fez nada. Depende do Conselho de Segurança. Por que razão este último não se reuniu quando se deu uma violação [por Marrocos] da zona desmilitazada ? O Conselho de Segurança e a Minurso são parte do problema. Começaram inclusive a tentar mudar o conteúdo da resolução, falando sobre uma "solução pragmática". Enquanto em Paris, Madrid e agora em Washington de certa forma, viram que o referendo ia levar a uma grande vitória saharaui, seguiram Marrocos.
O que bloqueia a nomeação de um novo enviado pessoal do SG da ONU para o Sahara Ocidental?
Marrocos recusou três enviados pessoais. Este é um falso problema. As Nações Unidas criaram a MINURSO que tem um representante especial. Porquê ter um representante pessoal? Essa é uma forma de desviar a missão da Minurso. Se for para desbloquear, tudo bem, mas se não, para quê? Claro que estamos preparados para o diálogo, mas se cumprir as condições e garantir a neutralidade. O nosso objetivo hoje é forçar a organização de um referendo de autodeterminação.
Qual é o seu comentário sobre a abertura de um consulado dos Emirados no Sahara Ocidental?
Isso faz parte de outro plano para desestabilizar a região. No sábado, o ex-Zaire também abriu um consulado no território ocupado, assim como outros países africanos antes deles, países que nem sequer têm embaixada noutros países e que nem sequer pagam as suas contribuições para a União Africana (UA)! Isso tudo é trabalho da França, isso é para propaganda.
A. C.
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