A Federação Portuguesa de Futebol bem que nos podia poupar à música celestial da proclamação de lindos ideais, que só são para exibir quando lhes interessa.
17 de Março de 2023
“O futebol é muito mais do que futebol. Futebol é superação, compromisso, resiliência e inspiração.” Quem o disse foi o presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Fernando Gomes, quando, em Outubro do ano passado, anunciou que a candidatura de Portugal e Espanha à organização do Mundial de 2030 passava a incorporar a Ucrânia. E acrescentou: “Não somos indiferentes ao que se está a passar no mundo e sempre pensámos que uma candidatura europeia pudesse ser uma candidatura que unisse a Europa em prol de um bem comum, que é a paz.”
Esta semana soubemos que a participação da Ucrânia está por clarificar, mas que em contrapartida a candidatura passa a integrar o reino de Marrocos. Se o compromisso da federação era com os princípios da liberdade e da paz, o novo parceiro está longe de corresponder ao perfil.
Segundo o índice elaborado há meio século pela Freedom House, Marrocos foi classificado em 2022 como “parcialmente livre”, mas com um valor que o deixa muito próximo do “não livre”. Um regime próximo da ditadura, portanto, em que um jornalista como Sulieman Raissouni é condenado à prisão num processo orquestrado, depois de escrever um editorial que não agradou às autoridades. E um regime que continua a ocupar o Sara Ocidental, um território não descolonizado, segundo a ONU, e em que a situação do seu povo deve fazer recordar uma causa que nos foi tão próxima, a de Timor-Leste.
“O futebol é muito mais do que futebol.” Pois é, acima de tudo é um negócio e a atribuição de um campeonato mundial é uma disputa dura. Os votos que uma candidatura com um país africano pode gerar são muito relevantes e certamente fazem definhar a capacidade de a FPF não ser indiferente “ao que se está a passar no mundo” e nem o facto de Marrocos ser um dos países envolvidos nacompra de eurodeputados lhe deve fazer muita impressão. Percebe-se, mas bem que nos podiam poupar à música celestial da proclamação de lindos ideais, que só são para exibir quando lhes interessa.
Infelizmente, o futebol continua a navegar na complacência acrítica da sociedade e do poder político que lhes permite serem campeões dos bons princípios num dia e líderes do pragmatismo no dia seguinte. Basta ver comoPSD e PS se juntaram, ainda anteontem na Assembleia da República, para impedir que o Parlamento fiscalizasse as práticas fiscais de uma instituição de interesse público, a FPF. Percebe-se.
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