sábado, 28 de dezembro de 2024

Cocaína, haxixe e imigrantes: cocktail criminoso com que Mohamed VI chantageia a Espanha (Exclusivo)

 


ECSAHARAUI | 23 de dezembro de 2024 - Por A.K.

Marrocos é o maior produtor de droga do mundo. E se Rabat confirma que “lutou contra o narcotráfico”, reduzindo consideravelmente as áreas de terra utilizadas para esta cultura, a produção de resina de canábis não diminuiu. Além disso, ao longo dos anos, devido à sua posição geográfica e à sua longa história como produtor mundial de droga, Marrocos transformou também o território ocupado do Sahara Ocidental numa “placa giratória” para o tráfico de outras drogas, como a cocaína, a heroína e outros produtos estupefacientes. Há anos que um terço da cocaína que entra na Europa é contrabandeada através do Sahara Ocidental ocupado por Marrocos. No entanto, pouco se sabe sobre a relação entre as máfias e o regime marroquino. O periódico ECSaharaui falou em exclusivo com um alto funcionário do Ministério do Interior marroquino para saber mais sobre a estratégia de Marrocos face ao terrorismo, à imigração ilegal e ao tráfico de droga como instrumentos de chantagem política.

O nosso interlocutor é um agente ativo no gabinete da Direção-Geral de Vigilância Territorial marroquina (DGST). Foi nomeado oficial de ligação encarregado de controlar a saída de pequenas embarcações das águas do Sahara Ocidental para as Ilhas Canárias, o dossier da droga e outros assuntos. O agente, cujo nome permanece anónimo por razões de segurança, é um funcionário ativo do aparelho dirigido por Abdelatif El Hamuchi [chefe da direção da polícia nacional marroquina, a Direção Geral de Segurança Nacional ou DGST; assim como chefe dos serviços secretos, a Direção Geral de Vigilância Territorial ou DGST]. Nesta entrevista revela alguns aspectos inéditos da estratégia marroquina no Sahara Ocidental, a “luta” contra a droga, a imigração clandestina e o terrorismo.

 

Abdelatif El Hamuchi, o chefe da polícia e da secreta de Marrocos, e artífice da espionagem Pegasus ao presidente do Governo de Espanha e alguns dos seus ministros, foi convidado para as cerimónias do bicentenário da polícia nacional de Espanha e condecorado pelo ministro do Interior espanhol Fernando Grande-Marlaska.

A entrevista

1- Qual a estratégia da DGST no Sahara Ocidental ocupado?

De um modo geral, eu inscrevi objecções nos círculos oficiais marroquinos protestando contra as políticas e estratégias que destroem e atacam o povo saharaui, especialmente nos aspectos económicos e sociais, e muitas outras medidas através da exploração do poder pelos funcionários marroquinos nas zonas ocupadas da República Saharaui. Estas estratégias não mudam, mas são reforçadas ou modificadas de dez em dez anos. São dirigidas exclusivamente pelo Palácio, pelo Ministério do Interior, pelo exército e pelos serviços secretos civis e militares.

Gostaria de ter aprofundado o assunto e revelado factos com documentos confidenciais mas, a conselho de alguns colegas, abandonei o assunto durante algum tempo.

Quanto ao trabalho do ministério do Interior marroquino na parte ocupada da República saharaui, é o ministério guardião, ou melhor, o órgão civil encarregado de aplicar a estratégia marroquina no território ocupado, e faz parte do Comité Supremo formado pelos serviços de segurança, o Palácio Real e o exército que, em conjunto, controlam a gestão do Sahara Ocidental ocupado. Todos os governadores das cidades saharauis são nomeados pelo Serviço de Informações e a maioria dos governadores tem a patente de coronel do exército, sobretudo nas cidades de Laayoune e Dakhla, e de oficiais militares em Smara, Bojador e Auserd.

O Ministério do Interior marroquino supervisiona a segurança, os assuntos políticos, económicos e sociais na parte ocupada do Sahara Ocidental. Como disse, é a ala civil que segue firmemente as instruções do Comité Supremo. Assim, a gestão das cidades marroquinas é diferente da gestão das cidades do Sahara Ocidental ocupado, e isso baseia-se no decreto real emitido pelo falecido rei Hassan II em 1982, que considerava a região do Sahara Ocidental como uma região sujeita a um regime militar especial em termos de gestão.

O Ministério do Interior marroquino gere todos os assuntos e é responsável pela execução dos programas a curto, médio e longo prazo. É igualmente responsável pelos métodos de execução, controlo, acompanhamento, seguimento, comunicação e informação, e controla todas as instituições e representações de outros ministérios situadas no Sahara Ocidental, de forma a que nenhum programa ou gestão fique sem referência.

O Ministério do Interior marroquino, por sua vez, transmite relatórios e propostas ao Comité Supremo que gere o dossier do Sahara Ocidental ocupado.

 

Qual é o trabalho dos saharauis que trabalham nos serviços de informação da ocupação marroquina?

Os saharauis que trabalham no Ministério do Interior marroquino dividem-se em três grupos:

  - Os agentes dos serviços secretos, que são pouco numerosos e trabalham geralmente no interior de Marrocos.

  - Empregados de alto valor: empregados devido à sua filiação tribal ou aos serviços de segurança prestados, e ainda os empregos oferecidos para conter pessoas de alto valor social ou formal, como antigos dirigentes que desertaram da Frente POLISARIO.

  - Empregados provenientes do período posterior à saída de Espanha do Sahara Ocidental.

A maior parte de nós (saharauis), enquanto funcionários das instituições marroquinas, sobretudo as mais sensíveis, temos tarefas limitadas em termos de influência e de espaço de manobra. As nossas funções são principalmente de informadores, especialmente no que diz respeito à parte ocupada do Sahara Ocidental, não temos funções que possam influenciar o controlo do dossier saharaui, nem a situação ou mesmo ajudar a controlar as crises e influenciar o lado saharaui ou criar problemas no seio da Frente POLISARIO através das relações sociais.

A nossa presença nas reuniões continua a ser marginal e limitada em termos de influência nas decisões, tanto mais que, como disse anteriormente, Marrocos definiu estratégias militares, políticas, económicas, de segurança e sociais para as cidades ocupadas da República Saharaui a médio e longo prazo, e estas não são alteradas por indivíduos ou pessoas... etc. Mudam de década em década após vários estudos e avaliações.

Por exemplo, a estratégia na vertente económica visa marginalizar e excluir o cidadão saharaui e confiná-lo a espaços económicos de impacto reduzido e de curto prazo, pois a mentalidade do regime marroquino que dirige o Sahara Ocidental ocupado, considera que a independência económica dos saharauis equivaleria à libertação das suas posições políticas no conflito saharaui e contribuiria para o crescimento da população através da reprodução, o que afecta a estratégia marroquina de supressão do elemento saharaui através da vinda de colonos, incentivando a migração das cidades marroquinas para o Sahara Ocidental e promovendo a taxa de natalidade nas cidades ocupadas.

Nos últimos anos, o Estado marroquino começou a encorajar os cidadãos marroquinos que vivem em Itália, França e Espanha a instalarem-se no Sahara Ocidental como cidades alternativas para eles, especialmente à luz das indicações de que a Europa sofrerá economicamente no futuro. O mesmo foi feito por Israel.

Assim, nós, como funcionários saharauis das administrações públicas marroquinas no Sahara Ocidental ocupado, especialmente no Ministério do Interior, temos funções de segurança, sociais e políticas no dossier do Sahara Ocidental, mas não temos qualquer influência real na vida quotidiana dos saharauis e na situação. E isto inclui todas as pessoas que trabalham em todas as instituições da administração de ocupação marroquina.

 

Unidades do exército de libertação saharaui (ELPS) apreendem grandes quantidades de droga

Qual a estratégia de Marrocos em relação aos Saharauis?

Marrocos observa os Saharauis no Sahara Ocidental ocupado através de um filtro 100% securitário. No âmbito dos seus programas e políticas de segurança nos territórios ocupados, utiliza os seguintes métodos: A utilização de cores: amarelo, verde, branco, vermelho... etc. para determinar a seriedade, o compromisso, a atividade, a ação e a interação de uma pessoa. Dispõem de relatórios sobre cada indivíduo, sobre os grupos e sobre a sua natureza cultural e social.

Todos os dias são escritos relatórios sobre os saharauis, sobre as suas discussões e diálogos, sobre as suas ambições, sobre a sua interação com os acontecimentos relacionados com a questão saharaui e a atualidade. E o Estado marroquino, através de muitos instrumentos, injeta dados e informações diariamente, semanalmente e mensalmente, através de métodos complexos para controlar as margens de movimento, de interação e de impacto social, assim como tem estudos sobre os saharauis, através dos quais são criados programas e políticas cujo objetivo final é neutralizar o elemento saharaui do conflito político e incitá-los a abandonar a sua identidade e a integrarem-se na cultura e na sociedade marroquinas. Um dos seus maiores desejos é que a integração forçada chegue a uma fase que implique uma mudança de língua, de vestuário, de moral, de cultura, de estilo de vida quotidiano, etc.

Para a pôr em prática, seguem um método complexo e definido, que avança lentamente em múltiplas etapas, de modo a não criar choques na normalidade quotidiana de uma cidade militarmente ocupada.

Um “bom saharaui” na estratégia marroquina seria uma pessoa política, económica e culturalmente inativa e ineficaz para influenciar o futuro do conflito. Não reage aos acontecimentos, não aprende, não trabalha, dorme a maior parte do tempo e tem uma zona de conforto na qual vive com muito pouco espaço e da qual tem dificuldade em abdicar. Assim não tem qualquer efeito ou influência a curto, médio ou longo prazo.

Por outro lado, há uma população de colonos que cresce a um ritmo galopante; está presente nas instituições e nas administrações, no comércio, nos transportes, nas atividades extractivas, como a pesca e os fosfatos, e em todos os projectos económicos, bem como nos sectores da educação e da saúde.

 

Quem governa efetivamente o Sahara Ocidental ocupado?

O Sahara Ocidental ocupado é governado pelo Palácio Real em coordenação com:

  - O Exército (as FAR)

  - Os serviços secretos civis e militares

  - O Ministério do Interior, enquanto órgão civil visível de gestão direta.

Testemunhei em primeira mão, participando em reuniões de segurança semanais ou urgentes devido a determinados acontecimentos, as formas e os métodos que procuram aplicar e os procedimentos para impedir os saharauis de beneficiarem do comércio, da agricultura, da pesca e do empreendedorismo das pequenas e médias empresas; porque as ordens exigem que, no seio da população saharaui, apenas beneficiem aqueles que colaboram com Marrocos ou aqueles que contribuem para defender publicamente a posição marroquina em diversos cargos e lugares, e complicam os procedimentos para aqueles que não ocupam cargos ao serviço do Estado marroquino ou que assumem posições próximas da Frente Polisario.

Pessoalmente, nos procedimentos económicos que passam por mim como funcionário da autoridade, recebo instruções relativas a este tipo de situação.

 

O Sahara Ocidental ocupado é utilizado como plataforma de recepção da cocaína vinda da América latina e que se destina à Europa e alguns países africanos.

E quanto ao tráfico de droga e à imigração clandestina para Espanha?

A questão do narcotráfico é considerada um dos dossiers mais complexos e a sua gestão é supervisionada pelos serviços secretos militares, pelo que os seus lucros são considerados uma das caixas negras ao serviço das políticas do Estado marroquino no Sahara Ocidental ocupado, bem como nas suas disputas regionais e cálculos políticos internacionais.

No que diz respeito ao tráfico de droga, devo dizer que o comando militar marroquino transformou os territórios ocupados da República Saharaui numa zona de trânsito internacional no mercado da droga e da cocaína para outras zonas: Mauritânia, Argélia, Mali, Líbia e Egito, e depois para a Europa.

Nos territórios ocupados do Sahara Ocidental, Marrocos envolve altos responsáveis legislativos no tráfico de droga, criando pequenos grupos que transportam a droga por mar ou por terra em automóveis e a pé, incluindo deputados saharauis, a maioria dos quais possui apartamentos, casas e dinheiro em Espanha, proveniente do tráfico de droga e do branqueamento de capitais.

Além disso, navios provenientes da América Latina chegam aos portos ocupados do Sahara Ocidental carregados de cocaína, de onde esta é transportada para a Europa.

Num caso, após um longo estudo que chamou a atenção dos serviços oficiais de informação marroquinos, um deputado de origem saharaui, que tinha entrado na corrida eleitoral parlamentar no Sahara Ocidental ocupado, foi abordado para negociar com partidos que operam neste contexto, como parte de uma série complexa de figuras públicas, a fim de financiar a compra de votos nas eleições parlamentares.

A maioria das figuras activas da política marroquina no Sahara Ocidental é financiada pela venda e comércio de drogas através da sua relação com os serviços secretos militares.

A caixa negra financiada pelo dinheiro da droga é usada para subornar instituições e políticos na Europa, África e América Latina para servir a tese de Marrocos sobre a questão do Sahara Ocidental, bem como para servir a agenda de Marrocos nas suas relações internacionais.

Por exemplo, a chegada da droga a Espanha e à Europa passa pelo transporte de cocaína no estômago do polvo através de empresas espanholas.

Para a Mauritânia, a droga passa pelo comércio de legumes e frutas, bem como de materiais industriais e têxteis, e é transportada para o porto de Nouakchott, de onde é transportada para a Europa e outras partes do mundo. As actividades dos serviços secretos militares marroquinos na Europa e em África são financiadas através desta caixa negra, e algumas figuras estão envolvidas em muitos países através de subornos provenientes do produto do tráfico de droga.

A tarefa é levada a cabo através do trabalho dos agentes dos serviços secretos militares marroquinos, que se baseia na criação de uma longa cadeia para que seja difícil chegar até eles. O trabalho é feito de forma contínua e estas cadeias não são alteradas ou substituídas até serem expostas por entidades externas, nomeadamente a Interpol ou os Estados Unidos. Atualmente, os agentes e os métodos estão a mudar.

A imigração clandestina para Espanha é uma arma política de pressão
do regime marroquino
 


Quanto ao tráfico de seres humanos e à sua relação com as autoridades marroquinas, este está sujeito ao ambiente político da relação entre Espanha e Marrocos, com os seus altos e baixos. Marrocos vê a questão da imigração clandestina como uma questão importante que serve os seus interesses estratégicos nas relações com a Europa, especialmente com Espanha, como meio de chantagem política e como meio económico e de segurança. Marrocos tenta impor uma realidade em que considera que os interesses da Europa são tão fortes como os do regime marroquino e que os seus interesses comuns exigem a assistência política a Marrocos na questão do Sahara Ocidental em troca de servir os interesses de segurança e de migração da Europa.

Rabat facilita mesmo a deslocação de pessoas de África e da África subsariana para Marrocos, utilizando-as depois como meio de pressão nas relações espanholas e europeias. É o Estado que cria estas máfias de tráfico de seres humanos. Algumas operações são realizadas diretamente sob a direção das autoridades em vários locais e sítios marítimos, e depois indiretamente através de intermediários entre o traficante e altos funcionários, que levam cerca de 15 milhões de dirhams (15.000 euros por cada viagem). Marrocos é um regime que tem uma mentalidade de gang quando se trata de relações internacionais, pelo que pratica todas as actividades e métodos para atingir os seus interesses.

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