“Tive sorte em parte, mas também é uma honra
para mim estar na mesma lista que os meus companheiros, e não os vou esquecer”.
Hassana Aalia ouviu a notícia sobre a sua condenação a prisão perpétua através
de uma emissora online. Um membro da associação saharaui pelos direitos humanos
lia as penas que recaíam sobre os 24 ativistas relacionados com o acampamento de
Gdeim Izik, e ao fazê-lo chorava. O entrevistador, contagiado, fazia-lhe também
perguntas entre lágrimas. E Alia, a milhares de quilómetros do tribunal que o
havia condenado à revelia escutava tomado de surpresa e indignação. Sabe que não
pode regressar à sua terra, sob pena de ser preso para cumprir essa cadeia perpétua.
Mas longe de desanimar, assegura que este ”julgamento histórico” servirá para
que o mundo veja como os trata o reino alauita, e a ele, pessoalmente, isso dá-
lhe ainda mais forças para lutar pelos seus companheiros. Isso dá sentido à minha
sorte. “Não, não me apagarão o sorriso”, insiste.
O nome de Hassana Aalia sobressai
na lista de ativistas saharauis condenados por um tribunal militar marroquino a
penas de cadeia perpétua, 30 e 20 anos. Sobressai porque a seguir ao seu nome
surge uma nota que diz: “julgado à revelia”. Os seus companheiros escutaram a condenação na sala, e
regressaram à prisão onde durante mais de dois anos esperaram pelo julgamento. Mas
Alia ouvia a sentença no País Vasco, em Espanha. A sua sorte parece óbvia, ainda
que a sua condenação, que se traduz em não poder regressar a sua casa, não é
coisa pouca. E tendo em conta que ele já foi anteriormente detido, julgado, e
libertado sem penas pelo mesmo suposto delito, a sua surpresa e espanto são
ainda mais compreensíveis…
08 de novembro de 2010: desmantelamento de Gdeim Izik pelas forças policiais e militares marroquinas |
“Depois do acampamento prenderam-me
e julgaram-me em duas ocasiões, saí em liberdade, não havia nenhuma prova contra
mim, e depois disso vim para Espanha aproveitando um programa para aprender
castelhano dirigido a jovens saharauis”, explica (demostrando que aproveitou
bastante bem as aulas…).
Despois – conta-nos - , viajou
para o Senegal, onde participou no Fórum Social Mundial, e esteve na Argélia. E
regressou aos territórios ocupados, a sua casa em El Aaiún. No passado mês de outubro
partiu de novo para o País Vasco para uma segunda fase do programa linguístico.
“Saí
com visto, tudo em ordem”, esclarece. Mas
a 13 de novembro Marrocos emitia uma ordem de busca e captura, acusando-o novamente
de ter acabado com a vida de um agente policial marroquino nos dias posteriores
ao desmantelamento do acampamento. “Não sei como é que posso matar alguém com
uma câmara?” pergunta Alia, referindo-se ao trabalho informativo e de documentação
a que se dedicava antes de abandonar os territórios ocupados. “Não entendo nada.
Julgam-me
duas vezes pelo mesmo motivo? Onde é que
isso se passa?” pergunta o jovem , para quem a dura sentença do tribunal
militar foi, desde logo, uma surpresa. “Depois de ver o teatro do julgamento, em
que não havia nenhuma prova nem nenhum testemunho contra os acusados, os
observadores internacionais,
os peritos em direitos, as
famílias, todos esperávamos penas ligeiras”.
Se em algum momento temeram algo
diferente foi, conta Aalia, quando no último dia a acusação expõs fotografias dos
detidos com a Frente Polisario, em eventos realizados em Argel para reivindicar
a independência do Sahara. “Começámo-nos a preocupar porque vimos que não era um
julgamento sobre o acampamento Gdeim Izik, mas um julgamento político, pelo nosso
ativismo”. Ainda assim, desde os primeiros anos da década de 90, Marrocos não voltara
a aplicar penas tão duras (cadeias perpétuas são as primeiras) e não esperava que
o fizessem neste momento. “Suponho que querem mandar uma mensagem aos demais, a
todos os a que lutam contra o Governo marroquino, querem assustar-nos, desmobilizar-nos”,
interpreta.
Mas longe de consegui-lo,
Aalia assegura que se trata de “um julgamento histórico para a causa saharaui,
nunca se tinha realizado um julgamento tão longo e é uma vitória para nós, no sentido
de que Marrocos se retratou ante a comunidade internacional, o mundo sabe agora
o que faz Marrocos a um povo pacífico”. Além disso, explica, tudo o que vivemos
nos últimos anos, no seu caso desde que se juntou à causa em 2005, “todo o sofrimento
posterior ao desmantelamento de Gdeim Izik, o medo que vivemos nas esquadras de
polícia, as torturas, o isolamento, tornou-nos, de algum modo, mais fortes, acostumámo-nos
à má vida que nos dá Marrocos”.
Foi uma semana muito tensa, o
dia da sentença, “um dia negro” apesar de constituir uma vitória, e Aalia custa-lhe
olhar em direção ao futuro, “porque não sabemos o que se vai passar; na
realidade, vivo assim desde que foi emitida a ordem de busca e captura, e a
única coisa que sei é que há que lutar dia a dia, e que não, não irão nunca
apagar este meu sorriso (afirma em alusão a um artigo publicado no GuinGuinBali
depois da sua detenção), este sorriso vai continuar até à vitória”.
E a única coisa que tem clara
é que vai continuar como antes: "Eu estou ciente de que eu sou o único que
está livre para lutar, e depois da surpresa e indignação, a primeira coisa que tinha
vontade é de fazer muitas coisas, de combater este processo, mobilizar
manifestações em todas as embaixadas, em Espanha e noutros países, de continuar
dando palestras, de abordar as instituições internacionais, de continuar a enviar
grupos de cidadãos, de jornalistas, a El Aaiún, para que vejam e contem a
repressão que sofrem os saharauis, fazer tudo o que está ao meu alcance pelo meu
povo e contra a repressão do Governo marroquino, contra o roubo dos nossos
recursos, nós não vamos parar. "Se confio que os meus companheiros possam ser
libertados?, Sim, eu confio, mas não 100%, porque de Marrocos deve-se sempre
esperar o pior." Mas, ainda assim, não vamos parar.
Guinguinbali – Laura Gallego ,
Ilhas Canarias
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