sexta-feira, 19 de julho de 2013

Viagem do Rei Juan Carlos a Marrocos: fracasso político e violação constitucional

 

A viagem do Rei a Marrocos concluiu com um rotundo fracasso político e com indícios de que o Rei de Espanha violou a Constituição Espanhola. Corifeus do lobby pro-marroquino, propagandista e, em elevada proporção, ignorantes e indocumentados não cessaram de repetir-nos que a viagem foi um grande “êxito”. A realidade, no entanto, é outra. Lástima que a imensa maioria dos meios espanhóis o ocultem. Paradoxalmente, há que acorrer a fontes marroquinas para conhecer uma realidade que lobby, propagandistas e, em elevada proporção, ignorantes e indocumentados ocultam à opinião pública espanhola.

I. UMA VIAGEM POLITICAMENTE FRACASSADA
Afirmei-o aqui a 17 de julho: nenhuma das razões alegadas publicamente para justificar esta absurda viagem apresentam sustentação. O suposto motivo económico da viagem não só não tem base, com é um puro sarcasmo quando se comprova que entre os representantes de empresas que o Governo espanhol “convidou” a fazerem-se representar no séquito real se encontram duas que sofreram na carne e nos seus balanços perdas provocadas pela arbitrariedade e a corrupção que reinam em Marrocos: ACS (sucessora da Dragados) e a  Telefónica.

Para fazer um balanço político da viagem do Rei e cinco ministros do Governo Espanhol a Marrocos convém ler o COMUNICADO CONJUNTO divulgado no dia 16 de julho. Para conhecer o comunicado há que acorrer à página do Ministério de Negócios Estrangeiros marroquino porque resulta que ele não aparece (ou pelo menos eu não o encontrei) na página do Ministério Espanhol. Não deixa de ser chamativo que a página web de um país terceiromundista publique o comunicado… e a página do interlocutor europeu não o tenha publicado … ou é a ocultação deliberada à imprensa espanhola, esperando publicar o fiasco quando a visita já não for notícia e não vier já a ser tratada em qualquer jornal?

Pois bem, a leitura do comunicado conjunto revela que nesta visita só houve fumo. Dela apenas resulta um novo acordo que tão pouco tem algum conteúdo: a assinatura entre as confederações patronais espanhola e marroquina de um “acordo que prevê a criação no futuro de um comité que tenha por objetivo aumentar os projetos comuns“. Ou seja, um “bluff”.

Mas a extensão máxima do fracasso é dada pela questão do Sahara Ocidental, tanto na sua dimensão política como económica (acordo de pesca da UE com Marrocos sobre as águas do Sahara Ocidental).

O parágrafo da declaração conjunta prévio ao parágrafo que fala do Sahara Ocidental começa assim: “as duas partes demonstraram uma grande convergência de pontos de vista sobre questões de interesse comum, em particular a situação no Médio Oriente... ".
No entanto, o parágrafo sobre a questão política do Sahara Ocidental diz:
Espanha reiterou o seu apoio aos esforços desenvolvidos no âmbito das Nações Unidas para alcançar um acordo político justo, duradouro e uma solução mutuamente aceitável para a questão do Sahara, de acordo com os parâmetros definidos pelo Conselho de Segurança

Algo semelhante acontece com a questão do acordo de pesca:

Fiel à sua política, a Espanha continua a apoiar Marrocos ... em direção a um novo acordo de pesca no menor prazo possível

Note-se que estes parágrafos sobre o Sahara Ocidental (que é chamado de "Sahara" privando-o do seu nome oficial) contêm uma declaração UNILATERAL de Espanha. É lamentável que haja que acorrer à imprensa digital marroquina para saber mais sobre isso, já que quase nenhum órgão de informação espanhol é capaz de dar informações em vez de propaganda quando se trata de Marrocos. Apenas Natalia Junquera, no El País, dá nota essa discordância.

Onde está então o sucesso da viagem e dos esforços desenvolvidos pelo rei e de CINCO ministros?
Nem a propósito, no dia que terminou a visita do Rei, as autoridades marroquinas permitiram uma avalanche a um posto fronteiriço entre Espanha e Marrocos, em Melilha, que obrigou a polícia espanhola a disparar tiros para o ar.

II. O REI DE ESPANHA FAZ POLÍTICA EXTERIOR VIOLANDO A CONSTITUIÇÃO  ESPANHOLA
Pode-se pois considerar dentro do normal que um sujeito como García-Margallo (de que ainda está fresco na memória o seu último fiasco com a Bolívia) “esteja encantado” com a viagem do Rei de Espanha a Marrocos.
Mas convém recordar ao nosso Ministro de Negócios Estrangeiros que para tomar posse do cargo que, com tanto desacerto ocupa, teve que jurar cumprir a Constituição Espanhola de que vou recordar alguns artigos que o afetam diretamente:
- artigo 97: “O Governo dirige a política interior e exterior, …”
- artigo 64.1: “Os atos do Rei serão referendados pelo Presidente do Governo e, em cada caso, pelos Ministros competentes”

Há também que consultar a página web do Ministério de Negócios Estrangeiros marroquino para conhecer um comunicado de 16 de julho que informa que o Rei de Marrocos e o Rei de Espanha tiveram uma entrevista A SÓS durante a qual “procederam a um amplo intercâmbio de pontos de vista sobre as principais questões regionais e internacionais de interesse comum“.

Vejamos se alguns enfim aprendem.
O Rei de Marrocos, como monarca absoluto que é, não é apenas Chefe de Estado. É também o verdadeiro Chefe de Governo. Afirmei-o neste blog no início do mandato do governo de Rajoy: para falar de política, o homólogo de Mohamed VI é Rajoy.
O Rei de Espanha NÃO PODE FAZER POLÍTICA EXTERIOR. Isso é inconstitucional. E além disso, a sua presença em qualquer ato ou encontro que possa ter caráter político DEVE ESTAR REFERENDADO COM A PRESENÇA DE UM MINISTRO. A acreditar no que diz o comunicado do Ministério de Exteriores marroquino, o Rei de Espanha NÃO ESTEVE ACOMPANHADO DE NENHUM MINISTRO ESPANHOL NA SUA ENTREVISTA COM MOHAMED VI EM QUE SE TRATOU DE POLÍTICA EXTERIOR ESPANHOLA.

Se o Rei de Espanha, 35 anos depois de a ter promulgado não conhece a Constituição … ou o que é pior, a viola conscientemente, talvez seja o momento de as Cortes o considerarem inapto para desempenhar o seu cargo.

Fonte: Desde el Atlántico / Por Carlos Ruiz Miguel*


*Catedrático de Direito Constitucional da Universidade de Santiago de Compostela desde 2001. 

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