sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Aminatou Haidar: “O Governo espanhol ainda não tomou uma posição clara sobre o Sahara Ocidental”

 

Aminetou Haidar, a ativista pacifista saharaui pelos Direitos Humanos, participou nas Jornadas sobre o conflito do Sahara realizadas durante esta semana na Universidade de Múrcia. Na sua primeira visita à Região, a ativista, juntamente com o fiscal de Alicante e secretário internacional de Juristas para o Sahara Ocidental (AIJUWS), Felipe Briones, participaram numa conferência sobre o Direito internacional e os direitos humanos nos territórios ocupados.

Mãe de dois filhos, esteve presa por duas ocasiões durante mais de quatro anos por ser ativista saharaui e lutar, de forma pacífica, pelos direitos humanos do seu povo. Foi torturada diariamente, sem direito a receber assistência médica, com os olhos vendados, e considerada como pessoa em paradeiro desconhecido, sem que durante esse período de detenção tivesse sido realizado qualquer tipo de julgamento que a ouvisse ou condenasse.

Muitos conheceram-na através do chamado ‘caso Haidar’ no ano de 2009, quando Marrocos lhe negou a entrada em El Aaiún expulsando-a para o aeroporto de Lanzarote, onde permaneceu 32 dias em greve de fome reivindicando os seus direitos como saharaui e denunciando as condições infra-humanas em que vivem os habitantes do território ocupado pelo regime marroquino.

A implicação do Estado espanhol no conflito não pode ser esquecida. No ano de 1976, Espanha abandona o território

à sua sorte, sem ter levado a cabo o processo de descolonização e o referendo de autodeterminação prometido aos saharauis nos Acordos de Madrid. Marrocos invade, através da famosa Marcha Verde, a zona ocidental do Sahara com a cumplicidade do mundo que nada faz para o evitar. Desde então, o Sahara encontra-se dividido em dois: a zona ocupada por Marrocos, o Sahara Ocidental, onde se encontra parte da população saharaui submetida ao regime ditatorial marroquino e administrador dos recursos naturais do país, e portanto da economia do território; e o Sahara livre, para onde muitos fugiram e se refugiaram em acampamentos organizados no deserto, separados ambos por um enorme muro artificial de mais de 2.700 quilómetros de extensão.


Recentemente, graças aos telegramas norte-americanos desclassificados e compilados pelo Wikileaks, podemos conhecer a suposta implicação de outros países, como os EUA, que sempre afirmou manter uma atitude totalmente neutral frente ao conflito saharaui. Segundo essas revelações, a Casa Branca aliou-se a Marrocos, a quem forneceu todo o tipo de armas, para a invasão e colonização do antigo protetorado espanhol, frustrando assim toda a possibilidade de independência do povo saharaui.

Atualmente, Espanha continua a ser legalmente a potência administrante do Sahara e muitos saharauis livres falam o espanhol como língua materna. No entanto, da zona ocupada por Marrocos a ativista Haidar denuncia que “o Estado espanhol nos deixou abandonados, o que fez desaparecer a língua castelhana. Foi-nos imposto o francês como forma estratégica de apagar a nossa identidade, a nossa cultura como povo saharaui”.

Pela sua luta pelo reconhecimento dos direitos do povo saharaui, foi galardoada com diversos prémios internacionais como o Prémio Coragem Civil em 2009 da Fundação Train pela sua defesa dos Direitos Humanos no Sahara; o Prémio de Direitos Humanos Juan María Bandrés em 2006; o Solidar Silver Rose Award em 2007, entre muitos outros, sendo nomeada para o Nobel da Paz desde 2008.

 Apesar das dificuldades idiomáticas, Aminatou Haidar concedeu-nos uns momentos para podermos falar com ela sobre o conflito saharaui e as jornadas de sensibilização.

–Em que situação se encontra o Sahara Ocidental atualmente?

–Do ponto de vista político, temos vindo a realizar negociações entre a Frente Polisario, que é o representante do povo saharaui, e o rei de Marrocos, mas não há avanços neste tema. Como ativista de direitos humanos preocupa-me muito a situação das políticas praticadas diariamente pelas autoridades marroquinas em relação à população civil saharaui. Tenho que sublinhar que no último fim-de-semana produziu-se uma altercação entre manifestantes saharauis e a polícia marroquina, que se saldou em 200 feridos saharauis. À margem da política de Marrocos, a população decidiu realizar uma manifestação para transmitir uma mensagem ao enviado pessoal das Nações Unidas Cristopher Ross, que se encontrava no território como observador. A população saharaui continua a reivindicar o seu direito à autodeterminação, mas Marrocos impede toda forma de protesto e manifestação, vulnerando os direitos humanos. Há mais de 80 presos políticos repartidos em várias prisões marroquinas. Para nós é uma situação muito alarmante, porque inclusive temos mortos, como o caso do jovem saharaui que foi assassinado recentemente no sul de Marrocos pela polícia marroquina. Há privação dos direitos mínimos fundamentais dos saharauis na zona ocupada. Do outro lado, encontram-se os saharauis que continuam a resistir em situações humanas muito difíceis. São já 38 anos nesta situação.



–  Que responsabilidade tem Espanha no conflito?

– Espanha é o responsável direto da situação do povo saharaui. Continua a ser a potência administrante do Sahara, mas vira as costas a este conflito. Lamento muito que o Governo espanhol não tenha tomado ainda uma posição clara a respeito do Sahara Ocidental. Tem que reconhecer que o povo saharaui, como povo livre, tem direito à realização de um referendo e à sua autodeterminação, e lamento que a Espanha continue a bloquear uma melhor supervisão dos direitos humanos fundamentais no conflito.
Em abril houve uma iniciativa por parte dos EUA para conseguir o cumprimento dos Direitos Humanos e para ampliar o mandato da MINURSO (Missão das NU para o Referendo no Sahara Ocidental). Mas França e Espanha bloquearam esta iniciativa. Lamento que Espanha não queira que o povo saharaui, que está sob ocupação, desfrute pelo menos desses direitos mínimos. Espanha, que é um país de liberdade e que é responsável pelo sofrimento do povo saharaui, não queira acabar com esta situação de um povo que, até há pouco, era uma região espanhola, chamada Sahara Espanhol, e que continua a estar sob sua responsabilidade. Espanha retirou-se do território do Sahara Ocidental em 1976 interrompendo o processo de descolonização, e não dando cumprimentos aos acordos alcançados com a ONU. Por isso, continua a manter as suas responsabilidades jurídicas e históricas. Tenho que recordar que a atitude do Governo espanhol não tem nada que ver com a cidadania, com o povo de Esapnha, que tem mostrado e continua a demonstrar a sua solidariedade com o povo saharaui.

– Porque acha que há um apagão informativo à população de Espanha sobre a situação do Sahara?

– Porque não interessa que se saibam informações em que podem estar visto envolvidos, ainda que indiretamente. Nós também sofremos bloqueio de informação. Para mim trata-se de uma cumplicidade, porque geralmente se há que fazer uma cobertura mediática sobre o que está acontecendo no Sahara,  deveria ser a imprensa espanhola a dá-la em primeiro lugar. Mostra a falta de interesse. O que aconteceu recentemente é muito grave (200 feridos na manifestação), e a notícia foi publicada por uma agência francesa. Sabemos que há correspondentes em uma hora ou hora e meia podem apanhar um avião e cobrir a visita, mas parecem não estar interessados em saber o que está acontecendo.

–A crise mundial está a afetar de algum modo o Sahara livre?

–Sim em vários campos, tanto a nível sanitário como educativo. As ajudas humanitárias que recebem os refugiados nos acampamentos diminuíram. Mais de 200 000 pessoas que habitam nos acampamentos dependem da ajuda internacional para poder sobreviver, já que não temos acesso aos nossos recursos naturais, controlados por Marrocos e, portanto, poder ter uma vida normal. Dependemos das ajudas de organizações não-governamentais, de ONG e de alguns governos, pelo que em virtude da crise económica as ajudas que recebemos foram consideravelmente reduzidas.

– Carlos Berintain realizou um relatório - Oasis de la memoria. De que trata esse relatório?

–É um trabalho muito importante de testemunhos recolhidos sobre o terreno. Pela primeira vez fez-se luz sobre as violações dos direitos humanos e os crimes de lesa humanidade que Marrocos cometeu no Sahara Ocidental. O relatório trata vários casos de desaparecimentos sem importar idade ou sexo. Há pouco tempo foram descobertas duas fossas comuns em que encontraram oito saharauis desaparecidos durante o reinado de Hassan II e que Marrocos tinha registado os seus nomes. Quatro deles apareceram num relatório oficial marroquino como mortos nas prisões. Graças às investigações, pudemos saber que nunca estiveram encarcerados e que foram assassinados junto às fossas comuns onde foram enterrados os seus corpos. Eu estive quatro anos presa com os olhos vendados, torturada e isolada do mundo exterior num centro clandestino. Uns 500 saharauis continuam em paradeiro desconhecido. O relatório tenta fazer luz sobre tudo o que ocorreu nesse período, por isso é muito importante.

–Há um muro artificial que divide o Sahara ocupado do Sahara livre, chamado muro da vergonha. De que forma essa construção os afetou?

– Afetou-nos muito porque há que ter em conta que as famílias estão divididas entre estas duas zonas, separadas pelo muro. Ninguém fala disto, um muro que divide as famílias e que provoca muitas violações dos direitos humanos. Há minas antipessoal ao longo do muro e muitos saharauis têm sido vítimas delas, nos dois lados, embora sobretudo no lado ocupado por Marrocos. Também nos impede de podermos aceder aos nossos recursos naturais e poder dispor de riquezas que nos permitam subsistir como sociedade economicamente desenvolvida.

–Na historia da democracia espanhola  houve algum governo ou partido político que tenha tentado solucionar este conflito de ocupação territorial e assédio da população saharaui?

–Lamentavelmente durante as eleições tudo são promessas. Ouvimos e lemos muitas declarações dos políticos a favor do povo saharaui, mas quando um partido consegue ganhar as eleições, tudo se esquece e as promessas não passam de palavras. Necessitamos apoio político do Governo espanhol, mas, até ao momento, nenhum partido político cumpriu as expectativas que o povo saharaui necessita e deseja.

–Qual é o papel político e social da mulher saharaui?

–Temos um papel muito importante. Como mulheres saharauis temos muitos direitos que, se compararmos com outras mulheres do mundo muçulmano, mostram que estamos muito avançadas. Temos os nossos direitos como mulher e somos respeitadas dentro da sociedade civil. Há casos de violência de género, mas são poucos. Na nossa sociedade isso é muito mal visto e é uma vergonha que um homem abuse e maltrate uma mulher. Mas ainda há coisas por mudar. Lutamos para chegar a uma sociedade igualitária em todos os aspetos.


Fonte: elpajarito.es

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