sexta-feira, 23 de maio de 2014

EUA, a Frente Polisario e o Sahara Ocidental: a Verdade!



— Saharauis prejudicados pelo não-alinhamento durante a Guerra Fria.
— A “realpolitik”, tão daninha como injusta.
— Marrocos gasta em lobbying 20 milhões de dólares nos EUA
— A Frente Polisario nunca foi terrorista: EUA
— Os valiosos wikileaks.

Os Estados Unidos devem pedir perdão ao povo saharaui, porque o seu apoio incondicional a Marrocos, incentivou este último a invadir impunemente o Sahara Ocidental e a adiar indefinidamente o referendo de autodeterminação, com a agravante da sua população estar a sofrer atrozes violações dos direitos humanos por parte das forças de ocupação marroquinas.

Nos tempos da Guerra Fria, tanto os Estados Unidos como a então União Soviética exigiam incondicionalidade e apoio total às suas decisões políticas, mas o movimento de libertação do povo saharaui, a Frente Polisario, que combatia o jugo espanhol e depois o marroquino, recusou alinhar-se com esses contendores nesse mundo bipolar, porque a sua luta era pela autodeterminação e a independência.

Pagou caro esse “atrevimento”, porque senão talvez hoje o Sahara Ocidental fosse livre, graças a esse “dar e receber” das grandes potências. Uma das figuras funestas para os saharauis foi o então Secretário de Estado Henry Kissinger, que assessorou e apoiou os marroquinos na invasão da “Marcha Verde” — que não foi pacífica, porque o Exército marroquino atacava a população civil saharaui  mesmo antes do anúncio oficial da mesma, em 1975 —, e pressionava a Espanha, a potencia administrante desse colónia, para que entregasse o território a Marrocos, como o veio a fazer, ilegalmente, contra as resoluções das Nações Unidas, que tinham declarado o território não autónomo, pendente de descolonização e de autodeterminação do povo saharaui. A invasão foi, inclusive, posterior à Sentença do Tribunal Internacional de Justiça de Haya que refere: “a conclusão do Tribunal é que os materiais e informação a si apresentados não estabelecem nenhum vínculo de soberania territorial entre o território do Sahara Ocidental e o Reino de Marrocos ou a entidade mauritana”, pelo que deve aplicar-se o “principio de autodeterminação…”.

Tanto os Estados Unidos, como a França e a Espanha, utilizam na sua política externa a “real politik”, pela qual se cedem princípios, baseando-se a mesma em interesses práticos, sem importar a ética, os valores ou o Direito Internacional. No caso saharaui prevaleceram também os preconceitos , devido aos lobbyings e à milionária propaganda marroquina que afirmava  que o Sahara Ocidental seria um Estado instável, não viável, sem recursos e com um população pequena.

De acordo com a publicação ‘Foreign Policy’, de fevereiro de 2014, só de 2007 a 2013, Marrocos gastou nos Estados Unidos 20 milhões de dólares [referenciados na Lei de Registo de Agentes Estrangeiros (FARA)], para manter os seus lobbies, grupos de pressão e de relações públicas. Há 12 empresas oficialmente registadas na FARA, embora haja outras que não o estão, mas que trabalham à margem da lei, sem se declararem.

"Os milhões de Marrocos parece terem sido utilizados de forma eficaz, já que os Estados Unidos nunca pressionaram o reino a acatar a sua promessa de realizar um referendo sobre a autodeterminação do Sahara Ocidental".

A Frente Polisario e os EUA

A Frente Polisario — exclusivo representante do povo saharaui reconhecido pela ONU — foi o único movimento de libertação nacional que não tinha o apoio dos países do Leste durante a Guerra Fria, ao contrário de outras organizações como a Organização de Libertação de Palestina, o Congresso Nacional Africano (ANC), a SWAPO (Namíbia), Sandinistas, FMLN (El Salvador).

Nunca pôde abrir representações em Moscovo ou em Pequim, simplesmente porque a Polisario não se declarou como comunista o anti-imperialista, como queriam esses países. A natureza da Polisario, como aliança nacional ampla, não tem cor política.

Os países que reconhecem a República Árabe Saharaui Democrática (RASD) na América Latina foram o México do PRI, o Panamá de Torrijos, Colômbia, El Salvador, Honduras, Equador, Bolívia, Guiana, Trinidad e Tobago, Jamaica, Uruguai, Paraguai e Cuba, a Venezuela do COPEI, e o Perú de Belaunde Terry, entre muitos outros. Todos de diferentes matizes políticos e ideológicos. São mais de 80 os países no mundo que reconhecem a RASD. A posição da União Africana é de apoio total à República Saharaui.

Não há causas de esquerda ou de direita, há apenas causas justas ou não justas. A Frente Polisario tem representação em Washington desde 1977  e conta com representação em Nova Iorque junto da ONU.

Cabe destacar que os EUA declaram, à época, a OLP e a ANC como organizações terroristas, mas nunca qualificaram como tal a Frente Polisário. Os EUA sempre tiveram uma política anti-colonial em África, e trataram o Sahara Ocidental como uma questão de descolonização, conforme o estabelece todas as resoluções da ONU.
 
O atual Secretário de Estado dos EUA, John Kerry


Muda a postura norte-americana?

No Congresso a causa saharaui conta com o apoio de republicanos, como o Senador conservador James Inhofe (Oklahoma) — que é um dos legisladores mais respeitados dos Estados Unidos pelos seus princípios, como o foi Kennedy na sua altura — e também dos democratas. O presidente da Liga de Amizade Norte-americana-Saharaui, que se constituiu em agosto de 2013, é Joseph Pitts (Republicano pela Pensilvânia) e é integrada por Betty MacCollum (Democrata pelo Minnesota), entre outros. Os senadores Inhofe e o democrata Patrick Leahey (Vermont), são muito amigos do Sahara Ocidental: pedem que o seu país proteja os direitos humanos e apoie o referendo.

Hillary Clinton foi uma Secretária de Estado muito próxima de Marrocos. Tudo mudou quando o cargo foi assumido por John F. Kerry, que quando era senador e presidente da Comissão de Relações Exteriores subscreveu documentos pela autodeterminação do povo saharaui.

Ante o aumento das violações aos direitos humanos do povo saharaui por parte de Marrocos, o Secretário de Estado, John F. Kerry, promoveu em abril de 2013 uma iniciativa no Conselho de Segurança da ONU, para que os Capacetes Azuis (MINURSO: Missão das Nações Unidas para o Referendo do Sahara Ocidental) que se encontram no Sahara Ocidental tivessem atribuições de velar pelos direitos humanos. Esta decisão causou comoção em Marrocos que, através de pressões de todo o tipo e contando com o apoio de França, Espanha e Rússia, conseguiu que a proposta fosse retirada.

Isso demonstra que Marrocos oculta algo grave em matéria de violação de direitos humanos. A descoberta — em setembro de 2013 — de fossas comuns no Sahara Ocidental de gente assassinada pelas tropas marroquinas e a utilização em fevereiro de 1976 de napalm e fósforo branco contra refugiados civis saharauis em Um Dreiga, indica que houve desde o início um plano de extermínio do povo saharaui para o submeter ao jugo dos seus novos colonizadores.

Frank Ruddy, ex-embaixador dos EUA e ex-chefe da MINURSO, menciona num artigo publicado no diário mais conservador dos EUA, o Washington Times, que a “Freedom House, no seu mais recente relatório anual do grupo de vigilância, qualificou a situação do Sahara Ocidental como a “pior das piores”, em termos de políticas, de direitos civis e de abuso. Isto coloca o reino de Marrocos na mesma categoria que a Coreia del Norte, Somália, Sudão, China, pelos maus tratos dados aos tibetanos ocupados, e à Síria, pelo abuso contínuo do seu próprio povo”.

O Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu — sem grande sorte — ao Conselho de Segurança — desta vez com mais força do que em vezes anteriores— , a necessidade de assegurar o acompanhamento independente, imparcial e constante da situação dos direitos humanos no território e nos campos de refugiados saharauis de Tindouf. Além de que incluiu também no seu relatório os pedidos da Polisario sobre a exploração dos recursos naturais do Sahara Ocidental e assinala a importância de proteger os interesses dos habitantes do território.

Isso motivou a reação do rei marroquino, Mohamed VI, que praticamente ameaçou a ONU “de abandonar o processo”.

Por seu lado, a Frente Polisario qualificou ”equilibrado” o relatório do Secretário-Geral, apesar de ser “tímido” devido aos efeitos das “ameaças que Marrocos exerce”.

Outro ator nos EUA favorável ao povo saharaui é o Centro Robert F. Kennedy para a Justiça e os Direitos Humanos, presidido por Kerry Kennedy, que continuamente faz relatórios e campanhas internacionais em defesa dos direitos humanos no Sahara Ocidental.

Em março, a ativista Saharaui dos direitos humanos Aminetou Haidar, foi recebida no Congresso dos EUA, e disse: "Justiça para a última colónia de África: a luta pelos direitos humanos e a autodeterminação do Sahara Ocidental", descrevendo a política de repressão brutal e sangrenta realizada por Marrocos, através de prisões arbitrárias, espancamentos, tortura, violações, execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados de saharauis.
                    
A posição americana sobre o Sahara Ocidental resume-se nos seguintes pontos:

1. Apoio à proteção dos direitos humanos no Sahara Ocidental contra a repressão marroquina, ver o último relatório do Departamento de Estado (“Os problemas graves incluem limitações às liberdades de expressão, imprensa, reunião e associação; o uso da detenção arbitrária e prolongada para sufocar a dissidência, e o abuso físico e verbal dos detidos”…). A avaliação no relatório é feita país por país e os EUA separam claramente o Sahara Ocidental de Marrocos. Durante a sua reunião com o rei de Marrocos, em novembro passado, o Presidente Obama referiu-se em particular à questão da violação dos direitos do povo saharaui por Marrocos.

2. Os EUA recusam reconhecer a pretensão marroquina de soberania sobre o Sahara Ocidental e consideram que o conflito deve resolver-se na base do princípio de autodeterminação. Consideram que a proposta marroquina de autonomia é uma possibilidade (“a potential approach”, ver comunicado conjunto EUA-Marrocos de novembro de 2013) mas “não a única” solução, o mesmo é dizer que a independência também é outra opção legítima. Esta posição foi confirmada na recente visita de John Kerry à Argélia e Marrocos.

3. Para proteger os recursos naturais dos saharauis e respeitar as resoluções da ONU, os EUA aprovaram o Tratado de Livre Comércio com Marrocos, excluindo expressamente o Sahara Ocidental.

4. Os EUA são o maior financiador (21% em 2013) das atividades do Programa Mundial de Alimentos (PAM), encarregado da segurança alimentar dos acampamentos de refugiados saharauis.




Importante contributo dos Wikileaks
  
— Os EUA, longe de se manterem neutros dizem oficialmente, refutarm a opção de independência dos Saharauis. Em maio de 1975, a Embaixada dos EUA alertou para o "perigo" de um Sahara livre que "desestabilizaria" a região, dada a relutância de poder ser aceite por Marrocos, que havia preparado as suas forças armadas, uma vez que "falharam outras estratégias recentes" . O embaixador em Madrid, Wells Stabler, reconhecia que um Estado Saharaui teria "viabilidade económica".

-Washington descarta quaisquer vínculos entre a Frente Polisario e a Al Qaeda. 2010

- Despacho sobre como a Frente Polisario censura os webs islamitas. 2009

1) o Estado criado pela Frente Polisario é um governo aberto e tolerante;

2) A Frente Polisario, longe de ser um “Estado falido” garante bem a segurança no Sahara Ocidental sob seu controlo;

3) A Frente Polisario não só NÃO está implicado nos “tráficos” com terroristas, como os persegue;

4) A Frente Polisario não só NÃO é um aliado dos islamitas, como pretende a propaganda marroquina, como é vista por estes como inimigo a abater, porque criou uma sociedade tolerante. 2009

5) Um novo despacho desentranha o funcionamento do lobbying pro-marroquino. O documento secreto mostra como Marrocos corrompe e financia secreta e ilegalmente políticos estrangeiros, para que nos seus países defendam as posições marroquinas sobre o Sahara Ocidental. 2008

_______________________

Fonte: laprimera.pe / Por Ricardo Sánchez Serra*


* Jornalista peruano. Membro da Imprensa Estrangeira em Espanha

Sem comentários:

Enviar um comentário