domingo, 6 de julho de 2014

Espanha, Guiné Equatorial e a RASD: a necessária política externa em África



A 26 de junho de 2014 realizou-se em Malabo (antiga Santa Isabel) a 23ª Assembleia de Chefes de Estado da União Africana (UA), a que assistiram milhares de delegados de todo o mundo e especialmente do continente africano. Mas de todos os assistentes chama especialmente a atenção três: o chefe de governo espanhol, o presidente guinéu-equatoriano e o presidente saharaui. Este encontro, em minha opinião, inédito na história da diplomacia, indica o rumo que deveria seguir uma política exterior séria.


I. ESPANHA, A HERANÇA DE UMA DESASTROSA DESCOLONIZAÇÃO AFRICANA

O contexto para a compreensão da questão é lembrar o processo de descolonização espanhola em África. Espanha tinha várias colónias em África: Ifni, o Protetorado "norte" de Marrocos, o chamado protetorado "sul" de "Marrocos, o Sahara Ocidental, Fernando Pó (hoje Bioko) e Rio Muni.

a) Três dessas colónias pertenciam a Marrocos; b) Duas formaram a Guiné Equatorial; c) A terceira é a nossa causa por resolver.

a) Ao Protetorado "norte" de Marrocos foi dada a independência em abril de 1956. O chamado protetorado "sul" de "Marrocos", que é um território que NUNCA foi de Marrocos, foi entregue àquele país em abril de 1958. E, por último, Ifni, foi entregue a Marrocos (para desgraça de Ifni, que desde então vive marginalizado pelo majzen) em janeiro de 1969.

b) Fernando Pó e Rio Muni constituíram a Guiné Equatorial, independente desde 12 de outubro de 1968.

c) E o Sahara Ocidental continua a aguardar a conclusão da sua descolonização.

Marrocos, como é notório, desde a independência, defendeu um política externa expansionista e agressiva para com os seus vizinhos. Todos os seus vizinhos (Espanha, Argélia e Sahara Ocidental) sofreram ataques armados por parte da dinastia alauíta. É, portanto, impossível manter uma relação de "amizade" com esse país enquanto este não renunciar à sua política expansionista.

A Guiné Equatorial teve a infelicidade de ter um tirano como Francisco Macías Nguema, que iniciou uma política tão brutal contra os seus concidadãos como contra a Espanha. Foi deposto num golpe de Estado liderado pelo seu sobrinho, Teodoro Obiang Nguema. No entanto, as relações com Espanha, com inúmeros altos e baixos, nunca se chegaram a normalizar.

O Sahara Ocidental foi ilegalmente abandonado por Espanha, na sequência do qual se proclamou a República Saharaui. Espanha não só não reconheceu esta filha como, desgraçadamente, tem tido governos que se conluiem com quem a viola.

 
Mariano Rajoy ao lado de Moahmed Abdelaziz
no «retrato de família" da Cimeira de Malabo



II. A POSSÍVEL E DESEJÁVEL POLÍTICA EXTERIOR AFRICANA DE ESPANHA

Guiné Equatorial e o Sahara Ocidental são os dois únicos países africanos que têm o espanhol como língua oficial. No caso da Guiné Equatorial, além disso, também a religião aproxima esse país de Espanha.
Ainda que a Guiné Equatorial tenha reconhecido a República Saharaui a 3 novembro de 1978, em maio de 1980 cancelou o referido reconhecimento.
É evidente que a Guiné Equatorial, como ex-colónia espanhola em África constitui uma voz especialmente autorizada no continente africano para denunciar a colonização do Sahara Ocidental. E, por isso mesmo, os esforços do majzen e de quem apoia o majzen foram no sentido de, a qualquer preço, neutralizar a Guiné Equatorial como advogado da causa saharaui.

Chama, nesse sentido, a atenção que tanto o makhzen como o seu principal padrinho europeu tenham iniciado uma política (em todas as frentes, inclusive as ilegais) para sacar a Guiné Equatorial da órbita hispânico e castrar a sua política externa que, privada da causa saharaui, fica reduzida a um papel muito menor em África. Isto é assim porque, a Guiné Equatorial sem o Sahara Ocidental vê diminuída sua força em África ... e vice-versa. E repito: foi precisamente por isso, que os esforços do makhzen e do seu principal padrinho foram direcionados para anular essa relação entre as duas ex-colónias espanholas.

Uma possível e desejável política externa em África podia, e devia, apoiar- se no Sahara Ocidental e na Guiné Equatorial para potenciar as relações económicas com estes dois países (rico em fosfatos e pesca, um; rico em petróleo, o outro) e obter um peso geopolítico singular.

Naturalmente, os servos em Espanha do majzen e do seu principal padrinho europeu fizeram todo o possível para privar Espanha das vantagens económicas, culturais e geopolíticas da associação de países hispânicos em África. Ventagens com um evidente efeito multiplicador se os países hispano-africanos se relacionam com os da África portuguesa.

Malabo-Rabat: a deterioração das relações levaram o presidente da Guiné-Equatorial a "despedir" a guarda presidencial que Marrocos «generosamente» lhe havia cedido... 

III. A CIMEIRA DE MALABO E O ENCONTRO HISPANO-GUINEANO-SAHARAUI: POSSIBILIDADES, INTERROGAÇÕES e TENTATIVAS DE ABORTAR O DESEJÁVEL PROJETO

A cimeira de Malabo constitui, segundo me parece, a primeira ocasião na história em que se encontram os máximos responsáveis políticos de Espanha, Guiné Equatorial e do Sahara Ocidental.

O significado em si mesmo deste facto é importantíssimo. Mas nas imagens difundidas pela agência oficial guineo-equatoriana vê-se que a organização do anfitrião teve especial cuidado para que o chefe do governo espanhol, Mariano Rajoy Brey, estivesse ao lado do presidente saharaui, Mohamed Abdelaziz.

Porque é agora possível este encontro?
O encontro não só foi possível porque a Guiné Equatorial foi o anfitrião da 23ª Assembleia de Chefes de Estado da União Africana.
Também foi possível porque as relações da Guiné Equatorial com Marrocos e com o seu principal padrinho europeu se deterioraram gravemente. Ao ponto da guarda pessoal do presidente Obiang, que "generosamente" foi cedida por Marrocos, foi despedida por este ante o temor, muito sério, de que pudesse chegar a atentar contra ele, sendo substituída por uma guarda israelita.
Neste contexto, a política LÓGICA da Guiné Equatorial era a de se acercar de Espanha. E a resposta lógica da Guiné Equatorial, face aos golpes que lhe infligiu o makhzen, não poderia ser outra que a aproximação à República Saharaui.
A situação objetivamente é ideal

Mas ... algo assim não pode deixar de preocupar o makhzen e o seu principal padrinho europeu.
É essa a VERDADEIRA (entendo que a que dá a imprensa não passa de um ecrã) explicação para que dois nefastos personagens que chegaram ao poder com a ajuda inestimável de makhzen e do seu principal padrinho europeu tenha corrido para Malabo?


Autor: Carlos Ruiz Miguel, professor de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela

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