domingo, 15 de maio de 2016

Sahara Ocidental: panorama após a batalha do Conselho de Segurança (I): as mentiras de Marrocos




Artigo de Carlos Ruiz Miguel, professor catedrático de Direito  Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela

Qual a situação em que está a questão do Sahara Ocidental após a batalha no Conselho de Segurança? É um facto que o ocorrido no Conselho de Segurança tem um carácter excecional porque nunca tinha havido uma divisão tão grande no seu seio em relação ao assunto do Sahara Ocidental. O tema presta-se a uma profunda análise mas, de momento, convém assinalar como indicio da importância do ocorrido que o Reino de Marrocos teve que recorrer à mentira de forma talvez mais intensa do que o habitual.

I. A FRACASSADA INTENÇÃO DE FAZER PASSAR O RELATÓRIO DO SECRETÁRIO-GERAL COM ALTERAÇÕES A FAVOR A MARROCOS
Um poderoso indício da magnitude da batalha diplomática que se ia produzir neste ano de 2016 em relação à questão do Sahara Ocidental foi o inusual atraso na publicação do relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Como já comentámos neste blog esse relatório estava previsto para ser apresentado a 8 de Abril mas só quinze dias depois foi publicado e após graves alterações em relação ao relatório informe que foi aprovado inicialmente pelos serviços da Secretaria-Geral das Nações Unidas.
Naquele momento, como assinalámos aqui, o site digital do núcleo duro do Makhzen [le360.ma] disse, nada mais nada menos, de que a versão final do relatório do SG era "similar" à do "draft".



II. QUANDO O MAKHZEN INVENTA UMA EXPULSÃO DO REPRESENTANTE DA POLISARIO DO CONSELHO DE SEGURANÇA QUE TEVE QUE SER DESMENTIDA OFICIALMENTE PELAS NAÇÕES UNIDAS
Em anos anteriores, os países aliados do regime Alauita fizeram todos os esforços, com sucesso, para evitar que o Conselho de Segurança ouvisse a opinião da União Africana sobre a questão do Sahara Ocidental.
Pois bem, a agência de imprensa oficial do Makhzen, a sinistra MAP, publicou a 27 de abril um despacho onde afirmava que o representante da Frente Polisario na ONU, Ahmed Boukhari, tinha sido expulso "manu militari" (sic) da reunião por parte das forças da ordem das Nações Unidas.
A reação oficial da ONU não se fez esperar e no seu encontro com os meios de comunicação a 2 de maio o porta-vozdo Secretário-Geral das Nações Unidas desmentiu rotundamente o que havia sidodito pela agência MAP:

**Western Sahara Point of clarification on Western Sahara: over the weekend a question came up about Ahmed Boukhari, the representative of the Polisario Front in New York. One of the news agencies reported that UN security guards had escorted him off the UN premises. This is completely false, no such incident ever occurred.
As the representative of one of the parties to the Western Sahara conflict and to the UN-facilitated negotiations to find a solution, Mr. Boukhari is responsible for the Polisario's interaction with the highest levels of the Secretariat; he has a valid badge to enter UN premises whenever he wishes.



III. QUANDO O CINISMO DO EMBAIXADOR DO MAKHZEN NA ONU DÁ LUGAR À MAIS DESCARADA MENTIRA
Na sequência da adoção da Resolução 2285 do Conselho de Segurança, em 28 de abril de 2016, o embaixador do Makhzen na ONU, Omar Hilal, fez declarações à imprensa que não têm fundamento e onde é difícil encontrar uma única afirmação verdadeira.
Deixemos de lado a afirmação do embaixador de Marrocos de "Sahara marroquino", embora, como eu disse várias vezes, o PRÓPRIO MARROCOS VOTOU A FAVOR das resoluções 2044 e 2099 do Conselho de Segurança que referem o território pelo seu próprio nome, Sahara Ocidental, e que foram aprovados em 2012 e 2013, anos em que Marrocos era membro não-permanente do Conselho de Segurança.
Deixemos de lado que o embaixador diga que a Resolução 2285 refere aquilo que qualquer um que a leia sabe que não diz...
Mas existem vários momentos que ficam para a história.
Permitam recordar alguns:

1) A questão adquire laivos cómicos quando o embaixador de Marrocos para "provar" que a Polisario desvia fundos da ajuda humanitária diz (19:30) que, com esse dinheiro, os líderes da Polisario têm "villas" em "Mallorca, nas Ilhas Canárias e em França" .
Dado que em Espanha e em França há um registo de propriedade que funciona com muito rigor, é um facto objetivo que o embaixador do Marrocos mente porque nenhum registo de propriedades regista qualquer "Villa" em "Mallorca, nas Ilhas Canárias e em França" que pertença aos dirigentes da Frente Polisario.



2) A questão chega ao delírio quando o embaixador do Marrocos ao falar (26:23) da fracassada manifestação em Rabat a 13 de março de 2016 para apoiar a "marroquinidade" do Sahara disse que teve a participação de "três milhões" ( 26:56), quando as fotografias permitem afirmar objetivamente que não chegaram a comparecer 30.000 pessoas e isso apesar dos participantes receberem um saco com alimentos (incluindo sardinhas roubadas das águas do Sahara Ocidental), transporte gratuito e um punhado de dinares.
“mani ridícula”
Mas o delírio ultrapassa todo o ridículo quando ao falar da manifestação em El Aaiun ocupada, Hilal diz, textualmente, que havia 180 milhões de manifestantes!!!!
Ouça-se a gravação da passagem entre 26:56 e 26:58 onde diz, em francês (sua língua habitual) que houve "cent, cent quatre-vingt millions". DI-LO, e POR DUAS VEZES, que em El Aaiun houve "milhões" de manifestantes.
Sejamos compreensivos e entendamos que o embaixador de Marrocos estava perturbado depois do debate e da votação no Conselho de Segurança, e muito especialmente após a posição da Rússia poucos meses depois de Mohamed VI ter ido suplicar Putin.
Mas de uma coisa não há dúvida, ninguém pode ganhar em Hilal em entusiasmo makhzeniano. Quando o farão ministro?


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