quinta-feira, 6 de maio de 2021

Marrocos aumenta o “braço-de-ferro” diplomático com a Alemanha por causa do Sahara Ocidental

 

Posto militar marroquino em El Guerguerat, faixa desmilitarizada que Marrocos invadiu a 13 de novembro 

EL PAIS - Francisco Peregil - Rabat - 06 maio 2021 - Rabat chama a sua embaixadoradora em Berlim para consultas e critica a atitude do governo alemão em relação à soberania do território em disputa.

 

As autoridades marroquinas chamaram para consultas a sua embaixadora na Alemanha, Zohour Alaoui, como resultado do "activismo antagónico" exercido pelo governo alemão sobre o conflito do Sahara Ocidental, declarou um comunicado emitido esta quinta-feira o Ministério dos Negócios Estrangeiros marroquino. A declaração acrescenta que a Alemanha multiplicou "actos hostis" e "ações contra os "interesses superiores de Marrocos".

Rabat acusa Berlim pela "sua atitude negativa" depois do então Presidente dos EUA, Donald Trump, ter reconhecido a soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental em Dezembro último. Esse acordo implicava o estabelecimento de relações diplomáticas entre Marrocos e Israel, o que foi possível graças à mediação de Washington. O Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão publicou uma declaração na altura em que felicitou as partes pela normalização das relações entre os dois países. Acrescentou, no entanto, que a sua posição sobre o Sahara Ocidental não tinha mudado, continuando a defender uma "solução justa, duradoura e mutuamente aceitável sob mediação da ONU".

Por seu lado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros marroquino divulgou uma declaração a 2 de março anunciando que suspendia todos os contactos com a embaixada alemã em Rabat devido a "profundos mal-entendidos". Não foram fornecidos pormenores na altura, mas toda a imprensa local apontou para o Sahara Ocidental.

Uma fonte europeia em Bruxelas, que pediu anonimato, refere que um diplomata marroquino lhe disse: "Se Marrocos quer defender os seus interesses na União Europeia, já não nos basta canalizá-los através da França e Espanha. Temos de levar a Alemanha a ouvir-nos, porque é um país que nos ignora, que não nos tem no seu radar".

A diplomacia marroquina também alude na sua carta desta quinta-feira a um conflito judicial de longa duração. É o caso de Mohamed Hajib, um alemão de origem marroquina que foi detido em 2009 na Alemanha depois de ter viajado para o Paquistão. Hajib foi libertado com a condição de que regressasse ao seu país de origem. Em Marrocos, foi condenado a 10 anos de prisão por delitos relacionados com o terrorismo. A Amnistia Internacional alegou que Hajib foi torturado e ameaçado de violação enquanto esteve na prisão de Toulal em 2011. Um relatório da ONU concluiu que a sua detenção tinha sido arbitrária e apelou à sua libertação. Foi finalmente libertado em 2017, após sete anos de prisão. Hajib voltou à Alemanha e reclamou 1,5 milhões de euros de indemnização ao Estado alemão por o ter entregue a Marrocos.

Agora, o Ministério das Relações Exteriores marroquino afirma que a Alemanha agiu "em cumplicidade com um ex-condenado por atos terroristas" e revelou "informações sensíveis comunicadas pelos serviços de segurança marroquinos aos seus homólogos alemães".

A diplomacia marroquina também manifesta na declaração o seu desagrado pela "constante determinação" da Alemanha "em lutar contra o papel regional de Marrocos". Refere-se em particular ao conflito líbio e à conferência internacional realizada em 20 de janeiro de 2020 em Berlim, para a qual foram convidadas várias potências como a Rússia, a Turquia, os EUA, o Egipto [a Argélia] ou a UE, e Marrocos foi excluído apesar de ter sido anfitrião das conversações de paz de 2015 na cidade de Sjirat.

A Alemanha não é o principal parceiro comercial de Marrocos, como a Espanha, seguida pela França. Está em quinto lugar entre os principais clientes de Rabat e é o sétimo maior fornecedor. Mas o governo marroquino está consciente de que a diplomacia alemã desempenha um papel decisivo nas instituições europeias.

Em Dezembro último, Berlim desbloqueou 1.387 milhões de euros em apoio financeiro a Marrocos. Destes, 202,6 milhões consistiram em donativos e o restante por empréstimos em condições muito vantajosas para combater a pandemia. Na altura, o ministro marroquino dos Negócios Estrangeiros, Nasser Bourita, encontrou-se com o ministro alemão da Cooperação Económica, Gerd Müller, e elogiou "a excelência da cooperação entre os dois países". Oito dias mais tarde, Donald Trump anunciou num ‘tweet’ que tinha decretado o reconhecimento da soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental.

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