quarta-feira, 29 de setembro de 2021

“Sara Ocidental deve exercer o seu direito à autodeterminação”




António Marujo | 29 Set 21 – 7Margens


Omar Mih no Parlamento, dia 16: “Os acordos entre a União Europeia e Marrocos devem ser declarados ilegais


O Sara Ocidental e Marrocos são dois territórios diferentes e distintos e a soberania sobre o Sara Ocidental não pertence a Marrocos, diz o representante da Frente Polisário junto da União Europeia, Omar Mih, numa curta entrevista ao 7MARGENS, no final de quase duas semanas de contactos em Portugal com responsáveis políticos.

Em jeito de balanço dos seus contactos em Portugal, mas também perspectivando as movimentações mais próximas, o diplomata da organização que luta pela autodeterminação do território saraui afirma ainda que encara de forma optimista a sentença que já esta quarta-feira, 29, o Tribunal de Justiça da União Europeia divulgará sobre a legalidade dos Acordos comerciais assinados entre a UE e Marrocos.

O representante saraui defende que uma nova situação exige uma nova abordagem para cumprir o que o direito internacional prevê: um referendo de autodeterminação. Foi essa a sua mensagem política e diplomática para as autoridades e políticos portugueses, desde o dia 15 e até esta segunda-feira, 27.

A resolução política do conflito derivado da “ocupação ilegal do Sara Ocidental pelo Reino de Marrocos; a escalada de violação dos direitos humanos no território ocupado por parte do regime marroquino; e a espoliação dos recursos naturais sarauis, com a cumplicidade de países de vários continentes” foram os dossiês principais que o diplomata trouxe às conversas em Lisboa, de acordo com o comunicado divulgado no final.

Para já, o acórdão do Tribunal de Justiça desta quarta-feira ditará a legalidade ou não dos Acordos comerciais da UE com Marrocos, depois de a Polisário ter apresentado queixa, no seguimento das sentenças do mesmo Tribunal, de 2016 e 2018. Depois, a 21 de Outubro, o Parlamento Europeu anunciará a atribuição do Prémio Sakharov, que reconhece personalidades que se distinguem na luta pelos direitos humanos. Uma das nomeadas é Sultana Khaya, activista saraui, perseguida por agentes de segurança marroquinos e que tem sido apresentada como símbolo da violência e ilegalidades da potência ocupante. Por esses dias, em meados do mesmo mês, o Secretário-geral da ONU, António Guterres, apresentará também ao Conselho de Segurança o seu relatório sobre o Sara Ocidental, que será a base para a aprovação, no final do mês, de uma resolução sobre o conflito e os passos a seguir para o resolver.

Para a Polisário, está em causa “a nova situação criada na região norte-africana: o recomeço das hostilidades, a 13 de Novembro passado”, que os sarauis consideram ter sido provocado pela quebra do cessar-fogo por parte de Marrocos, assinado em 1991; “o aumento da instabilidade na região, com o progressivo isolamento internacional de Marrocos, que culminou com a quebra de relações diplomáticas com a Argélia (em Agosto último)”; a Polisário aponta ainda “as crises diplomáticas entre Marrocos e a Alemanha, depois com a Espanha, com a Mauritânia, incluindo as relações com a França chamuscadas pelo escândalo Pegasus, e a política da Administração Biden que não deu continuidade às promessas de Trump no contexto do seu reconhecimento da soberania marroquina sobre o Sara Ocidental, e ainda com a introdução de um novo actor externo desestabilizador, Israel; e a reiterada opressão marroquina no território ocupado.”

A Polisário argumenta que o povo saraui “esperou pacificamente nos últimos 30 anos que lhe fosse dada a oportunidade de se exprimir em liberdade e segurança sobre o seu futuro”. E acrescenta: “Não há qualquer dúvida sobre o que o Direito Internacional lhe reconhece: um processo de descolonização claro que desemboque na realização de um referendo de autodeterminação. É isso que exige das Nações Unidas, do seu Secretário-geral, do Conselho de Segurança. Desde já.”

Em Portugal, o representante da Polisário considera, diz no seu comunicado final de balanço, ter encontrado “compreensão e solidariedade”. E recorda: “A semelhança, política e jurídica, com a questão de Timor-Leste, facilita a compreensão do que está em causa. A vizinhança geográfica aumenta o interesse.” A seu favor jogam as palavras do presidente da Comissão de Assuntos Europeus da Assembleia da República, Luís Capoulas Santos: “Este conflito arrasta-se há demasiado tempo. Há um largo consenso nacional [em Portugal] sobre o inalienável direito à autodeterminação do povo saraui.”

Além da referida comissão, Omar Mih esteve também com a Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e teve encontros informais com deputados de vários partidos, além de ter sido recebido em audiência pelo secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Reuniu ainda com o secretário-geral da Juventude Socialista, a secção internacional do PCP e a direcção da CGTP, além de várias organizações da sociedade civil portuguesa, além de ter dado várias entrevistas.

7M – A Frente Polisário tem insistido no papel da ONU, que daqui a poucas semanas tomará decisões sobre os novos passos a dar, mas a ONU é o que os governos querem que ela seja. Tem mesmo esperança de que o Secretário-geral consiga dar algum passo no sentido das reivindicações dos sarauis?

OMAR MIH – A questão do Sara Ocidental é consequência de um processo de descolonização inacabado. O Sara Ocidental está inscrito na agenda das Nações Unidas como um território não autónomo, cujo povo deve exercer o seu direito à autodeterminação. Desde a década de 1990, as Nações Unidas têm uma missão no território, a MINURSO, com a finalidade de organizar o referendo, fruto de um acordo entre Marrocos e a Frente Polisário assinado em 1991, sob a égide da ONU.

É responsabilidade do secretário-geral e sobretudo do Conselho de Segurança garantir que na sua próxima reunião, em Outubro, seja agendado o esperado referendo acordado entre as partes.

A nomeação de um novo enviado pessoal do secretário-geral para o Sara Ocidental, Staffan de Mistura, pode facilitar a realização do referendo de autodeterminação em que o povo saraui poderá decidir o seu próprio destino, como se verificou no caso de Timor-Leste.


Com que expectativas aguarda o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a legalidade dos Acordos comerciais assinados entre a UE e Marrocos?

As sentenças de 2016 e 2018 destacaram claramente que o Sara Ocidental e Marrocos são dois territórios diferentes e distintos e que a soberania sobre o Sara Ocidental não pertence a Marrocos. Essas sentenças especificam que a exploração dos recursos do Sara Ocidental só é possível, exclusivamente, com o acordo do povo saraui e da Frente Polisário, como seu representante legítimo. Aguardamos com confiança a decisão da justiça europeia, confiamos em que o acórdão reafirme a ilegalidade dos acordos que a Comissão e a União Europeia celebraram há dois anos e que incluem o território do Sara Ocidental. Afinal, a luta do povo saraui sempre se centrou no respeito pela legalidade e pelo direito internacional.


Em Portugal, os seus contactos políticos foram sobretudo com deputados e com responsáveis de partidos da esquerda, tradicionalmente mais aliados de movimentos descolonizadores. O facto de não se ter encontrado com membros do Governo e de partidos de direita deixa-o frustrado?

Durante as reuniões com as Comissões dos Negócios Estrangeiros e dos Assuntos Europeus, pude interagir com os representantes das várias forças políticas presentes no Parlamento. A Frente Polisário está aberta ao diálogo com todos os partidos políticos, com o Governo e com as organizações da sociedade civil, sabendo que existe no país um amplo consenso sobre o respeito pelo Direito Internacional e sobre o direito dos povos à autodeterminação, como explicita a Constituição da República Portuguesa e como se verificou no caso de Timor-Leste.

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