Os saharauis denunciam a escalada de violência e
represálias contra ativistas de direitos humanos, que aumentaram com a quebra
do cessar-fogo. Artigo de opinião de Omar Mih, representante da Frente
POLISARIO na União Europeia.
São muitos os fatores históricos, geográficos,
culturais e políticos que aproximam Portugal da questão do Sahara Ocidental.
OMAR
MIH* - Representante adjunto da Frente POLISARIO na União Europeia - A
chegada ao Sahara Ocidental dos primeiros navegadores portugueses remonta aos
séculos XIV e XV. Foram os primeiros europeus a instalarem-se na costa
atlântica onde construíram o porto do Cabo Bojador e o farol que ainda hoje
testemunha esta primeira passagem. Portugal, a região mais ocidental da Europa,
com os arquipélagos dos Açores e da Madeira, está geograficamente próximo do Sahara
Ocidental e foi afetado pela invasão árabe que deixou uma marca notável no
território. O Oceano Atlântico, fonte de recursos importantes para o Sahara
Ocidental, sempre representou o centro dos interesses portugueses em todas as
áreas, da economia à política.
Depois de uma ditadura de meio século que o
isolou do resto da Europa e do Ocidente, Portugal, em meados dos anos70,
ultrapassou definitivamente o passado, está totalmente integrado no contexto
europeu e participa da forma mais dinâmica nos acontecimentos europeus e
mundiais. O novo regime democrático aprovou uma Constituição que, no artigo 7º,
reconhece o direito dos povos à autodeterminação, independência e
desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de
opressão, e apoiou a independência de Timor-Leste.
A pressão portuguesa sobre a comunidade
internacional obrigou a Indonésia a aceitar o referendo em Timor-Leste, que
tinha ocupado ilegalmente em 1975, aproveitando a falta de atenção do governo
português, empenhado na resolução das questões internas e da descolonização das
outras colónias, na sequência da transição para a democracia. Esta contribuição
histórica faz de Portugal um Estado-chave na defesa de casos semelhantes, como
o do vizinho Sahara Ocidental.
Durante a minha breve e intensa visita a
Portugal, pude constatar o consenso político transversal das forças políticas e
sociais em prol da causa da autodeterminação do povo saharaui, base sólida para
construir sólidas relações de futuro. A sociedade civil, atenta ao caso de
Timor-Leste, simpatiza fortemente com a justa causa do povo saharaui e a sua
luta pela liberdade.
A influência e o papel que Portugal tem hoje no
sistema internacional (o atual Secretário-Geral das Nações Unidas, António
Guterres, é um dos principais expoentes da política portuguesa) fazem dele um
parceiro político ideal para o povo saharaui que vive desde 1975 dividido no
exílio na Argélia, no território ocupado ilegalmente por Marrocos, e na
diáspora.
Estas são algumas das razões que impulsionam a
Frente POLISARIO e a República Saharaui a consolidar as relações com as
instituições portuguesas e a sociedade civil, tendo em vista a autodeterminação
e independência do Sahara Ocidental.
Agora, gostaria de me concentrar brevemente sobre
a situação atual no Sahara Ocidental, que está a passar por um momento crucial.
Quase trinta anos após a entrada em vigor do
cessar-fogo, a guerra do Sahara Ocidental foi retomada a 13 de novembro de
2020, colocando em risco a frágil trégua entre Marrocos e a Frente POLISARIO
conseguida através dos Acordos de Paz de 1991, sob a égide das Nações Unidas e
da União Africana. Foi o exército marroquino que lançou uma operação militar
contra grupos de civis saharauis desarmados no extremo sudoeste do Sahara
Ocidental em El Guerguerat, violando o acordo militar de 1997, a que a Frente
POLISARIO reagiu, sendo obrigada a retomar as hostilidades.
Nos últimos dias, António Guterres,
Secretário-geral das Nações Unidas, nomeou Staffan de Mistura como seu novo
Enviado Pessoal para o Sahara Ocidental, pelo que esperamos que em breve sejam
retomadas as negociações entre Marrocos e a Frente POLISARIO, que se encontram
num impasse após a renúncia do ex-presidente alemão Horst Kohler, em 2019.
A decisão do Tribunal de Justiça da União
Europeia sobre a queixa apresentada pela Frente POLISARIO relativa à anulação
do acordo de pesca entre a UE e Marrocos será publicada no próximo dia 29 de
setembro. Este Tribunal já decretou, nas suas duas decisões anteriores,
que “o Sahara Ocidental é um território separado e distinto do de Marrocos, e
que este último não tem soberania sobre aquela área”, pelo é o povo saharaui
que deve autorizar a exploração dos seus recursos naturais.
A pandemia de Covid-19 tornou a situação dos
refugiados saharauis nos Acampamentos de Tindouf (Argélia) mais dramática. Nos
territórios ocupados do Sahara Ocidental, os e as saharauis denunciam a
escalada de violência e represálias contra ativistas de direitos humanos, que
aumentaram com a quebra do cessar-fogo.
Neste contexto complexo, os encontros com as
forças políticas, as instituições e a sociedade civil portuguesas foram uma
oportunidade para pedir que se respeite o princípio da autodeterminação
consagrado na Carta das Nações Unidas, já aplicado para resolver a delicada
questão de Timor-Leste, garantindo aos saharauis a decisão sobre o seu destino
através de um referendo livre, justo e honesto sob a égide das Nações Unidas.
Espero que esta colaboração com Portugal se
consolide ao longo do tempo, até que o objetivo final seja alcançado: a
autodeterminação do povo saharaui.
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