quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Mohamed VI, o rei dos ventos no Sahara Ocidental


Notícia do EL PAIS e Mohamed VI (Fotomontagem AAPSO)


Seis dos nove parques eólicos construídos ou planeados na antiga colónia espanhola serão geridos por Nareva, uma subsidiária do consórcio controlado pelo monarca.


11 Nov 2021

Marrocos tem um plano ambicioso para projetos de energia solar e eólica, onde o Sahara Ocidental é peça fundamental. Este território disputado, que Rabat considera as suas "províncias do sul", é classificado pelas Nações Unidas como a última colónia de África. Também chave para estes planos é a figura do rei, Mohamed VI. Não só como chefe de estado, mas também como investidor. A principal empresa de energias renováveis do Sahara Ocidental chama-se Nareva. A empresa pertence ao megagrupamento empresarial Al Mada, cujos acionistas maioritários são Mohamed VI e a sua família.

Nareva, a empresa do monarca, desenvolveu dois dos três projetos de produção de energia eólica já em funcionamento no Sahara Ocidental: Foum el Oued, com 50 megawatts (MW) de capacidade instalada, e Aftissat, com 200 MW. Apenas uma pequena central, de 5 MW segundo a Agência Marroquina para o Desenvolvimento Sustentável (Masen), que abastece a empresa cimenteira Cimar, permanece fora da sua carteira. Quatro das outras seis centrais eólicas previstas no Sahara Ocidental serão também geridas pela Nareva, de acordo com o relatório Greenwashing Occupation, publicado em outubro pela ONG de supervisão dos recursos naturais do território, a Western Sahara Resource Watch (WSRW).

No total, dos nove parques eólicos que o Sahara terá dentro de alguns anos, seis serão operados pela empresa de Mohamed VI ou por consórcios em que a sua empresa participa, de acordo com o website de Nareva. Para além dos dois em funcionamento (Foum el Oued e Aftissat), existem planos para os parques eólicos Tiskrad, Bojador e Aftissat II e uma central de dessalinização movida a vento em Dakhla. Para o jornalista marroquino Omar Brouksy - uma das poucas vozes críticas no país sobre os negócios do rei - esta importante presença das empresas de Mohamed VI no setor das energias renováveis constitui um "quase monopólio", explicou a este jornal por telefone a partir de Marrocos.

O compromisso de Marrocos com as energias renováveis é lógico. Marrocos importa 90 por cento da sua energia primária, principalmente carvão e petróleo e, em menor medida, gás, segundo o Instituto Espanhol de Comércio Externo (Icex). Rabat estabeleceu um objetivo de 52% da sua produção de eletricidade proveniente de energias renováveis até 2030. Em outubro passado, o governo marroquino antecipou este objetivo para 2025.




Para o WSRW, que defende a autodeterminação da ex-colónia espanhola como a Frente Polisario, o investimento marroquino no Sahara Ocidental é "ilegal", pois envolve a exploração dos recursos naturais de um território que define como "ocupado" sem a autorização explícita do povo saharaui. O não cumprimento desta condição levou o Tribunal Geral da UE, a 29 de setembro, a anular os acordos comerciais e de pesca UE-Rabat. O tribunal argumentou em decisões separadas que os produtos de um território que a comunidade internacional não reconhece como parte de Marrocos não podem ser comercializados. Sublinhou que o comércio no Sahara Ocidental requer a aprovação da única organização que a ONU considera ser o representante dos saharauis: a Frente Polisario. No seu relatório, o Observatório dos Recursos do Sahara Ocidental (WSRW) estima que a energia eólica do Sahara Ocidental poderá constituir 47,20% da capacidade eólica total de Marrocos até 2030.

O Ministério da Energia, Minas e Ambiente marroquino disse ao EL PAÍS que o relatório do Western Sahara Resource Watch mostra uma "falta de compreensão da gestão das fontes renováveis". Acrescenta que o potencial destas energias é "infinito" e não pode ser comparado com o das minas ou hidrocarbonetos, que são limitados. O governo marroquino sustenta que o objectivo do relatório WSRW é "bloquear os projetos em curso e cancelar os planeados, pedir aos acionistas das empresas envolvidas que parem imediatamente" o seu envolvimento, e impedir a UE de importar energia destes projetos nas "províncias saharianas".

Quanto à falta de legitimidade referida pela Western Sahara Resource Watch, o Ministério da Energia marroquino indica que nas "províncias do sul", "como em outras regiões do Reino", todos os projetos de energias renováveis foram adotados com uma dinâmica "participativa", envolvendo "políticos eleitos locais e a sociedade civil". Acrescenta que nas últimas eleições legislativas, realizadas a 8 de setembro, a afluência às urnas em várias regiões do Sahara, como El Ayoun, foi superior a 60% [Nota de tradução: é sabido que o colonos marroquinos constituem já a maioria da população residente]. Por seu lado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros marroquino declarou na altura que ambas as decisões do Tribunal de Justiça Europeu eram "muito políticas" e tinham pouco a ver com "argumentos jurídicos". Disse esperar que o Tribunal Europeu de Justiça retifique ambas as decisões, uma vez que as duas sentenças sejam objeto de recurso.

Outra crítica no relatório da Western Sahara Resource Watch é o potencial conflito de interesses de uma empresa detida por Mohamed VI, o homem mais rico e poderoso de Marrocos, ganhando contratos e participando em concursos públicos decididos pelos chefes das empresas estatais que ele nomeia e demite, como o diretor do Gabinete Nacional de Eletricidade e Água Potável (ONEE). O documento cita o "projeto de energia eólica integrada de 850 MW", o maior de sempre aprovado no país, para o qual a ONEE escolheu um consórcio que inclui Nareva como vencedor do concurso em 2016. Este plano prevê a construção e o funcionamento de quatro centrais eólicas. Destas, duas - Tiskrad e Bojador - encontram-se no Sahara e representam 47% da capacidade instalada do projeto, com 400 MW, 100 MW no primeiro e 300 MW no segundo. Para Manuel Devers, membro da equipa jurídica que representa a Polisario perante a União Europeia, Mohamed VI "beneficia pessoalmente da ocupação do Sahara e, além disso, utiliza as empresas do Estado marroquino para o fazer".

O governo marroquino respondeu a este jornal sobre esta questão assegurando que "a escolha das empresas locais ou estrangeiras que ganham os vários concursos" se baseia sempre "em condições e critérios técnicos e financeiros" e que "os regulamentos em vigor permitem a transparência e a concorrência entre os vários concorrentes". Dos "42 concursos [no país] para o desenvolvimento de projetos solares (8), eólicos (6) e hidroelétricos (28)" adjudicados, afirma que "Nareva Holding obteve apenas 4,76% em termos do número de concursos adjudicados para os modelos IPP [Independent Power Producer] e EPC [Engineering, Procurement and Construction Management]".

A Nareva foi fundada em 2006. Três anos mais tarde, Marrocos aprovou uma lei, 13-09 - promulgada por dahir (decreto real) - que pôs fim ao monopólio mantido até então pela empresa estatal ONEE e abriu a porta às empresas privadas para produzirem eletricidade e a venderem à rede estatal. Atualmente, a Nareva é a principal empresa privada de energia eólica em África, de acordo com o seu website.

Relatório publicado pelo Observatório de Recursos do Sahara Ocidental (WSRW)



Em 2009, Mohamed VI criou, também por decreto, a Agência Marroquina para o Desenvolvimento Sustentável (Masen), cujo diretor foi também nomeado pelo monarca. Desde 26 de dezembro de 2015, esta agência está encarregue da estratégia nacional para as energias renováveis. Nesse dia de dezembro, um despacho da agência noticiosa oficial marroquina, Maghreb Arabe Presse (MAP), relatou que o rei tinha transmitido "as suas instruções aos vários atores envolvidos para que a gestão das energias renováveis, em particular a solar, eólica e hidroeléctrica, fosse doravante assegurada pela Masen".

Nesse mesmo ano, Omar Brouksy publicou um artigo na revista Orient XXI intitulado "The Sun King's Silver Rays" ("Os Raios Prateados do Rei Sol"). No texto, ele conta que, também a 26 de dezembro de 2015, Fuad Ali el Himma, o conselheiro mais influente do monarca, tinha realizado uma reunião com o então Primeiro Ministro, o islamista Abdelillah Benkirane, para o informar que a agência de desenvolvimento sustentável passaria a estar sob a autoridade exclusiva do Palácio Real. Na sua conversa com este jornal, Brouksy especifica que "nem a Constituição marroquina nem qualquer texto legal" apoia esta ordem do séquito do monarca.

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