O Presidente francês, em plenos Jogos Olímpicos, derrotado nas últimas eleições presidenciais e com um governo de gestão, acaba de lançar a chama sobre o óleo no Magrebe. Copiou Donald Trump, que reconheceu a soberania marroquina a dias de terminar o mandato, que perdera, e adoptou o método Sánchez: uma carta para o rei de Marrocos na qual acha que a questão do Sahara Ocidental deve ser resolvida através da autonomia do território no quadro da soberania marroquina.
Emmanuel Macron tem tido uma política insegura e errática relativamente ao norte de África, ao sabor dos ventos de curto prazo. A França, incapaz de enfrentar o seu passado colonial, que tem prolongado por outros meios, agora expostos e abertamente postos em causa na África ocidental, hesita permanentemente entre vários interesses que conflituam entre si. Na visão de Paris, o Sahara Ocidental é uma vítima colateral menor.
Vítimas são também a parte da História e do legado da França ao mundo que cinicamente o poder apresentou na abertura dos Jogos Olímpicos como continuando hoje a ser referências nacionais: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Vítima será ainda o papel da França enquanto membro permanente do Conselho de Segurança, ao renegar a Carta das Nações Unidas, todas as resoluções sobre o território não-autónomo do Sahara Ocidental, baseadas na Resolução 1514 (XV) sobre a “Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais” (aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas, 1960), e o Parecer do Tribunal Internacional de Justiça da ONU (1975).
O Direito Internacional é torpedeado, maltratado, invisibilizado e sujeito a interpretações carregadas de “dois pesos e duas medidas”, como se tem observado nomeadamente nos casos da Ucrânia, da Palestina e do Sahara Ocidental. Alguns povos “merecem” o exercício pleno da sua autodeterminação, outros nem tanto ou mesmo nada. Mas o Direito Internacional continua vivo, como o atestam as recentes tomadas de posição do Tribunal Internacional de Justiça e do Tribunal Penal Internacional sobre Israel e a ocupação da Palestina.
O sujeito principal deste combate, no caso do Sahara Ocidental, é e será sempre o povo saharaui. Ele é o titular da sua soberania, só ele pode decidir o que quer para o seu futuro. Por isso o referendo é a única forma de resolver um processo de descolonização inacabado, que se arrasta há cinco décadas, com prejuízo para todas as famílias saharauis e para a paz, a segurança e o desenvolvimento da região.
Assinalaram-se no passado dia 27 de julho os 50 anos sobre o reconhecimento, por parte de Portugal, do direito à autodeterminação e independência das “suas” colónias. Ao fim de anos de apoio de vários países, e da NATO, ao regime de ditadura colonial. Quando a África do Sul do apartheid , a Rodésia e o Malawi eram poderosos aliados do poder em Lisboa. Mas o povo português compreendeu enfim que “nenhum povo pode ser livre enquanto oprimir outros povos”. Este é o nosso legado.
Esta história não acabou aqui, porque o povo timorense teve de lutar mais 24 anos pela sua liberdade, e Portugal, potência administrante, esteve progressivamente, cada vez mais, ao seu lado, na política, como na diplomacia. Este é também o nosso legado. Sejamos dignos dele, atualizando-o, a favor do povo do Sahara Ocidental.
Lisboa, 30 de Julho de 2024
Associação de Amizade Portugal - Sahara Ocidental (AAPSO)
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