Os prisioneiros de Gdeim Izik em tribunal. Foto © Western Sahara Resources Watch (WSRW). |
Isabel Lourenço(*) | 22 Out 2024 - SETE MARGENS
O mediatismo dos conflitos em que estão envolvidos interesses estratégicos faz com que releguemos para um plano secundário não só outros conflitos, mas situações em que os direitos humanos são sistematicamente atropelados e desrespeitados. O caso de Sidi Abdallah Abbahah e do grupo Gdeim Izik nas prisões marroquinas é uma dessas situações. Este caso representa todos os atropelos aos direitos humanos de que são alvo os encarcerados nas prisões marroquinas, sobretudo os presos políticos saharauis. Em maio de 2023, a Amnistia Internacional chamava a atenção para a situação de quatro jornalistas e dois estudantes detidos. O caso de Abdallah Abbahah é especialmente grave devido ao isolamento prolongado a que tem estado sujeito desde 2018 e pelo facto de ter tido uma decisão do Comité contra a Tortura das Nações Unidas e que até à data não é respeitada pelo Reino de Marrocos. Também o Grupo de trabalhodas detenções arbitrárias das Nações Unidas já por duas vezes se pronunciou referindo o carácter de detenção arbitrária de Abbahah e outros companheiros do seu grupo. Sobre o processo foram várias as organizações que na altura se pronunciaram.
Sidi Abdallah Abbahah, ativista saharaui nascido em 1975, é um dos presos políticos que simboliza a grave violação dos direitos humanos em Marrocos, especialmente contra o povo saharaui. Acusado injustamente de homicídio relacionado com os eventos de Gdeim Izik em 2010, Abbahah foi condenado a prisão perpétua com base em confissões obtidas sob tortura, de acordo com o Comité Contra a Tortura da ONU. A sua detenção, além de arbitrária, é marcada por isolamento prolongado e tortura física e psicológica. Desde 2018, vive em condições desumanas, sem acesso a cuidados médicos adequados e privado de assistência legal, apesar dos apelos e decisões das Nações Unidas.
A tortura e o desrespeito pelas decisões internacionais
Preso desde 2010, Abbahah foi submetido a métodos de tortura como a “falaka” (tortura nos pés) e o “frango assado”, assim como torturas de cariz sexual, queimaduras com cigarros, ingestão de químicos entre outras, com o objectivo de forçá-lo a confessar crimes que não cometeu. As suas denúncias de tortura foram repetidamente ignoradas pelas autoridades marroquinas, que se recusaram a investigar adequadamente os factos, violando artigos fundamentais da Convenção Contra a Tortura. Em 2021, o Comité Contra a Tortura da ONU determinou que Marrocos deveria pôr fim ao isolamento de Abbahah, garantir o seu acesso a cuidados médicos e permitir visitas da sua família e advogada. No entanto, o Estado marroquino negligenciou essas ordens, agravando o sofrimento de Abbahah e da sua família, que tem lutado incessantemente para garantir que os seus direitos sejam respeitados.
De acordo com Souad Abbahah, sua irmã, Sidi já era portador de uma doença renal quando foi encarcerado, mas o seu estado agravou-se devido à falta de cuidados médicos e atualmente sofre de dores horríveis ao nível do estômago, próstata e costas, também devido às condições prisionais sobretudo na época do inverno, em que faltam roupas adequadas.
A advogada de Abbahah, Olfa Ouled, tem enfrentado inúmeros obstáculos para o representar, incluindo ser impedida de entrar em Marrocos em várias ocasiões. Esta restrição demonstra a política sistemática de Marrocos em isolar os presos políticos saharauis, desrespeitando tanto os direitos humanos fundamentais quanto as decisões judiciais internacionais.
Apesar da família por diversas vezes ter interpelado as autoridades marroquinas, estas continuam a fazer ouvidos de mercador e a privar Abdallah Abbahah dos seus direitos legítimos mais elementares, nomeadamente cuidados médicos.
O silêncio da comunidade internacional
A situação de Abdallah Abbahah reflete o abandono que muitos presos políticos saharauis sofrem nas prisões marroquinas. As Nações Unidas, através do seu Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária, classificaram a detenção de Abbahah e de outros ativistas como arbitrária, reconhecendo a natureza política das prisões e as graves violações dos direitos humanos. Ainda assim, a comunidade internacional permanece em grande parte silenciosa sobre o sofrimento destes presos, permitindo que Marrocos continue as suas práticas repressivas.
Abbahah não é apenas uma vítima de um regime repressivo; ele representa a luta do povo saharaui pela justiça e dignidade. O apelo da sua família e advogada por ajuda internacional é uma tentativa desesperada de quebrar o silêncio em torno da sua situação e de forçar a implementação das decisões internacionais que poderiam melhorar as suas condições de vida e, eventualmente, garantir a sua libertação.
Em última instância, o caso de Abdallah Abbahah exige uma acção imediata da comunidade internacional para que Marrocos respeite os direitos humanos e as convenções internacionais de que é signatário. Se não falarmos por ele e por outros saharauis injustamente presos, quem falará?
(*) Isabel Lourenço é activista de direitos humanos, com foco em presos políticos saharauís e iraquianos, tendo acompanhado o caso do acampamento de Gdeim Izik como observadora internacional desde 2010, com presença nos dois julgamentos.
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