quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Sahara Ocidental: “Portugal pode ajudar na solução do conflito com Marrocos” – diz o Primeiro-Ministro saharaui

 


Lusa 27-11-2024 - O primeiro-ministro saharauí defendeu hoje que Portugal “pode fazer muito trabalho” na Europa para convencer os europeus de que a melhor solução para o Sahara Ocidental é a realização de um referendo de autodeterminação.

“A melhor solução para os europeus e para os povos do Norte é a solução que emana do direito internacional e que prevê a realização de um referendo de autodeterminação no Sahara Ocidental, algo em que os portugueses podem fazer muito nesse sentido”, afirmou Hamudi Sidinan Buchraya numa entrevista à agência Lusa.

“A Europa é o continente que mais ajuda Marrocos a manter a ocupação porque ajuda-o militar, económica e diplomaticamente. No entanto, um tribunal europeu deixou recentemente bem claro que o Sahara Ocidental e Marrocos são territórios diferentes e separados e que a União Europeia não tem o direito de assinar acordos comerciais ou económicos com Marrocos que inclua as águas e os territórios saharauis. Qualquer acordo tem de ter o conhecimento do povo saharaui, representado pela Frente Polisário”, observou.

Buchraya aludia à decisão, anunciada a 04 de outubro deste ano, do Tribunal de Justiça da União Europeia (UE), que invalidou definitivamente dois acordos comerciais celebrados entre Marrocos e o bloco comunitário, após um recurso da Frente Polisario.

Em causa estavam os acordos de 2019 sobre pesca e agricultura, de que Portugal também faz parte, que foram celebrados em “desrespeito pelos princípios de autodeterminação” do povo saharaui, de acordo com a deliberação do tribunal superior com sede no Luxemburgo.

Nesse sentido, a Comissão Europeia terá de renegociar um acordo comercial com Marrocos, para ter em conta a sua anulação pelo Tribunal de Justiça da UE.

Uma vasta extensão desértica de 266.000 Quilómetros quadrados localizada ao norte da Mauritânia, o Sahara Ocidental é o último território do continente africano cujo estatuto pós-colonial não está definido: Marrocos controla mais de 80% no oeste, a Frente Polisario menos de 20% a leste, todos separados por um muro de areia e uma zona tampão sob o controlo das forças de manutenção da paz da ONU.

No final de 2020, os Estados Unidos então sob a liderança do republicano Donald Trump reconheceram a soberania marroquina sobre a antiga colónia espanhola, quebrando o consenso internacional sobre o estado atual do território disputado, ao que foi secundado por vários países europeus, como a Espanha e França.

 Na entrevista à Lusa, o primeiro-ministro da RASD lembrou que Portugal “tem experiência neste conflito”, além de interesses económicos.

“Pode contribuir para convencer e trabalhar na Europa de que a melhor solução é a do direito internacional, a que garante a boa convivência entre os povos e os países da região, que garantem a cooperação e a integração”, sublinhou Buchraya.

Na eventualidade de se realizar um referendo de autodeterminação, Buchraya reiterou que quer o governo saharaui quer a Frente Polisario “aceitarão qualquer decisão que tome o povo saharauí, livremente”, na votação.

 

O Conselho de Segurança não tem intenção de resolver o conflito, vai o gerindo...

ONU tem de fazer cumprir referendo, diz PM saharaui

O primeiro-ministro da República Árabe Sarauí Democrática (RASD) defendeu que para resolver o conflito no Sahara Ocidental, a ONU tem de cumprir a resolução de 1991, que prevê a realização dum referendo de autodeterminação na antiga colónia espanhola.

Hamudi Sidinan Buchraya frisou que qualquer outra solução, tal como a proposta em 2007 por Marrocos, de atribuir maior autonomia ao Sahara Ocidental, está fora de questão e responsabilizou a França pelos sucessivos vetos à realização do referendo, proposta assinada pelas duas partes há 33 anos.

“A ONU não pode fazer mais nada senão fazer cumprir a celebração do referendo, cumprindo o plano de paz de 1991. É o Conselho de Segurança que não quer realmente que se celebre o referendo. Não é que não queira, mas há países, como a França, que utilizam o direito de veto quando alguém decide avançar para a solução do referendo”, afirmou Buchraya.

 O chefe do executivo da RASD, país proclamado pela Frente Polisario a 27 de fevereiro de 1976 e que é parcialmente reconhecido internacionalmente, deu como exemplo o facto de a França ter inviabilizado a intenção de Buchraya dotar a Missão da ONU para o Referendo no Saara Ocidental (Minurso) de “capacidades para controlar o respeito dos direitos humanos no território ocupado”.

Há décadas que os saharauis esperam
o tão desejado Referendo de Autodeterminação...

“A França ameaçou utilizar o direito de veto e o Conselho teve de fazer marcha-atrás. Até agora, o Conselho de Segurança ainda não conseguiu fazer cumprir o plano definido em 1991, pelo que tem apenas gerido o conflito em vez de dar uma solução”, sustentou Buchraya, salientando que tal cria sofrimento nos povos marroquino e saharauí.

Questionado pela Lusa sobre se espera, a qualquer momento, que o atual enviado especial do secretário-geral da ONU, o diplomata italiano Staffan de Mistura, se afaste do cargo face ao facto de se desdobrar sucessivamente em conversações, mas sem sucesso, o primeiro-ministro saharaui lembra que esse tem sido o caminho dos seus antecessores.

“É verdade que de Mistura se não avança e não consegue avanços no seu trabalho, na sua ação, no mandato que lhe conferiu o secretário-geral da ONU [António Guterres], seguramente se retirará, como o fez (em 2002, o antigo secretário de Estado norte-americano, James] Baker, como o fez (em 2017, o antigo diplomata norte-americano nascido no Equador e que foi embaixador dos Estados Unidos na Argélia e na Síria) Christopher Ross, e como outros”, respondeu.

“Lamentavelmente, estes senhores só perceberam a intenção marroquina quando se retiraram, porque entenderam não ser possível aplicar a solução determinada pelo Conselho de Segurança, que pede uma solução consensualizada e a única solução que foi acordada e consensualizada foi o referendo. Quem agora mesmo está recusando o referendo, quem está a obstaculizar o referendo, é Marrocos e quem apoia o Marrocos”, acrescentou.

Buchraya salientou ser “injusto” falar de haver “intransigência das partes”, uma vez que quem a pratica é Marrocos, “porque se sente apoiado e oxigenado por países como França, Espanha e outros, que se dizem amigos do secretário-geral da ONU para a causa árabe”.


Os territórios ocupados por Marrocos são uma verdadeira prisão a céu aberto. A Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO) é a única missão da ONU que não tem poder para monitorizar a violação dos Direitos Humanos...

“Não são amigos realmente da causa árabe, são amigos de Marrocos, porque estão a impedir a realização do referendo que, a realizar-se, os saharauis vão votar pela independência e não pela integração em Marrocos. E de Mistura deve deixar bem claro que, se se retirar das suas funções, a intransigência vem de Marrocos”, sustentou.

Buchraya admitiu, por outro lado, que caso o referendo seja favorável a Marrocos, quer a autonomia ou a integração em Marrocos, o governo saharaui “respeitará escrupulosamente os resultados”.

E no caso de um triunfo da independência, o líder da RASD disse ter garantido à ONU que negociará com Marrocos as questões económicas, de segurança e as relacionadas com os colonos.

“Marrocos pode encontrar benefícios em relação às questões económicas, como a pesca e os fosfatos. […] Estamos ansiosos para dar essas concessões se avançarmos no referendo e triunfar a opção de independência. Mas não no que diz respeito à soberania. O governo saharaui não pode fazer concessões nesse sentido, porque isso cabe apenas ao povo saharaui. A missão do governo saharaui é garantir ao povo que decida o seu futuro”, concluiu.

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