terça-feira, 10 de dezembro de 2024

MUNDIAL DE FUTEBOL 2030: Marrocos envia à federação espanhola um mapa com o Sahara Ocidental que a FIFA retifica

 

Mapa da proposta de candidatura, à esquerda; e o da avaliação técnica da FIFA


A FIFA, tal como fez na avaliação da candidatura individual de Marrocos em 2026, frustra as aspirações de Rabat ao separar o Sahara Ocidental [do território de Marrocos reconhecido internacionalmente]

 

Francisco Carrión @fcarrionmolina EL INDEPENDIENTE

Quando foi anunciada a incorporação de Marrocos na candidatura tripartida ao Campeonato do Mundo de 2030 em substituição da Ucrânia, este emergiu como um dos previsíveis cavalos de batalha e uma fricção mais do que provável. Em causa estava a forma como as federações de futebol espanhola e portuguesa reagiriam à tentativa do regime alauíta de incluir nas suas fronteiras o Sahara Ocidental, um território não autónomo segundo a ONU e o último por descolonizar em África.

No livro de candidatura ao Campeonato do Mundo, apresentado no verão passado, Marrocos atingiu o seu primeiro objetivo: conseguir que as outras duas federações aceitassem como facto consumado o mapa do país que põe em causa a legalidade internacional e a realidade no terreno. Rabat controla de facto 80% da antiga colónia espanhola, mas os restantes 20% estão nas mãos da Frente Polisario. Uma inclusão que o relatório técnico publicado na semana passada pela FIFA veio pôr completamente em causa.

O relatório de avaliação da candidatura assinado pelo organismo mundial das federações de futebol, com sede na Suíça, evita reproduzir o mapa de Marrocos da monarquia alauíta e mantém-se fiel ao mapa reconhecido internacionalmente, com as fronteiras a sul do Sahara Ocidental, outrora a 53ª província espanhola. A FIFA evitou por duas vezes satisfazer os desejos expansionistas de Marrocos.

Fontes da Real Federação Espanhola consultadas pelo El Independiente garantiram que o mapa, tal como os restantes assuntos da candidatura, foram tratados nas reuniões do comité, composto por membros dos três países. O que levou à decisão de aceitar a cartografia proposta por Marrocos com o território do Sahara Ocidental, onde Rabat não coloca nenhum dos seis estádios que está a contribuir para a candidatura. As fontes consultadas dizem ainda que entre os membros da parte espanhola se encontra um representante do Conselho Superior de Desportos, presidido por José Manuel Rodríguez Uribes, antigo ministro socialista, e recordam a viragem copernicana do governo de Pedro Sánchez no diferendo saharaui ao apoiar o plano de autonomia concebido por Marrocos.

Em consequência, a parte espanhola do comité aceitou incluir um mapa que foi entretanto retificado pela FIFA. Para apoiar a tese de Rabat, Madrid argumentou que se tratava de “um mapa futebolístico e não político” que reconhece que a federação marroquina administra todas as questões relacionadas com o desporto no território disputado do Sahara Ocidental. “É o que a própria FIFA reconhece; que a federação marroquina cobre esse território”, insistem as fontes da federação espanhola consultadas por este jornal.

 


A FIFA anula o argumento da RFEF

Uma alegação que o dossier da FIFA deita por terra. O argumento apresentado pela federação espanhola, que está em plena eleição para escolher o sucessor de Luis Rubiales, não é sustentado pela simples verificação do relatório de avaliação que a FIFA elaborou para o Campeonato do Mundo anterior, o de 2026, ao qual Rabat se candidatou sozinha. Nesse documento, o mapa de Marrocos limita-se às suas fronteiras internacionalmente reconhecidas. O território do Sahara Ocidental é claramente diferenciado.

Para além do direito internacional e das resoluções da ONU, desde outubro que o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu anular os acordos de pesca e de agricultura assinados por Bruxelas e Rabat, com o argumento de que “o povo do Sahara Ocidental não deu o seu consentimento e que foram concluídos em violação dos princípios da autodeterminação e do efeito relativo dos tratados”.

Uma decisão histórica que irritou a monarquia de Mohamed VI e que, tal como indica outra decisão sobre a obrigação de rotular como saharauis os tomates e melões importados do Sahara para a UE, demonstra que “este território é distinto do de Marrocos”. Os acórdãos reconhecem igualmente como distintos os povos de Marrocos e do Sahara Ocidental, ocupado desde 1975 por Marrocos, após a saída de Espanha do território e a assinatura de acordos de partilha do Sahara entre Marrocos e a Mauritânia, declarados nulos pela ONU.

 

Confrontos anteriores

Desde a inclusão de Marrocos na organização do Campeonato do Mundo de 2030, as tentativas de Rabat para se tornar protagonista têm sido sucessivas. Tal como os receios. Como noticiado esta semana por este jornal, o Grand Stade Hassan II em Casablanca - cuja construção acaba de começar - obteve a mesma pontuação que os dois estádios espanhóis que concorrem para acolher a abertura e a final, o Bernabeu e o Camp Nou.

Há meses, fontes da federação espanhola de futebol reconheceram ao El Independiente um certo desconforto com o desejo de protagonismo de Rabat, mas atribuíram-no à própria natureza de Marrocos, uma ditadura em que nada se passa sem a ordem e a aprovação do rei Mohamed VI e do Makhzen, a corte palaciana que governa o país nas ausências prolongadas do monarca. Estas diferenças foram atribuídas, por exemplo, aos comunicados publicados a partir de Marrocos que atribuíam a realização do Campeonato do Mundo à liderança e à clarividência de Mohamed VI, numa linguagem e numa encenação surpreendentes e perturbadoras em solo europeu.

A enésima polémica prendeu-se com o logótipo da candidatura, que guiará os primeiros anos desde a designação final, em dezembro de 2024, até ao logótipo definitivo a escolher pela FIFA. Em dezembro do ano passado, a imprensa marroquina divulgou um emblema com as cores dos três países e o slogan “Yalla Vamos 2030”. Meses mais tarde, foi apresentado como o logótipo final.

A candidatura tripartida tem uma história curta, mas cheia de problemas. Em outubro de 2023, o presidente da Federação Real Marroquina de Futebol (FRMF), Faouzi Lakjaa, manifestou o seu desejo de que a final do Campeonato do Mundo se realizasse no novo estádio de Casablanca.Estas declarações foram consideradas por fontes consultadas por este jornal como “retiradas do contexto”.


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