Mohamed VI arrastou-se para poder ser recebido por François Hollande, uma vez que este não mostrou nenhum interesse em fazer de Marrocos o destino nem da sua primeira, nem da sua segunda nem mesmo da sua terceira viagem oficial. E embora, por fim, Mohamed VI tenha conseguido a ansiada reunião com Hollande, os indícios disponíveis parecem mostrar que fracassou no seu propósito.
É que o "exemplo" de Sarkozy, que se refastela em Marrocos hospedado num dos palácios do sultão marroquino não parece já um "modelo" a seguir em França . O fracasso do rei marroquino em França vem juntar-se ao seu fracasso nos EUA. Já só lhe resta o apoio de Rajoy que, confiemos, talvez um destes dias se dê conta que a sua política em relação a Marrocos, provavelmente inspirada por Don Juan Carlos I, é contrária aos interesses de Espanha e está destinada ao fracasso.
I. MOHAMED VI... DUAS SEMANAS PARA SER RECEBIDO POR HOLLANDE...
A 11 de maio Mohamed VI viajou para Paris com a intenção de ser recebido pelo novo presidente eleito francês, Hollande.
Fê-lo depois de montar uma humilhante cerimónia em que os novos governadores e outros altos funcionários nomeados por si se submeteram de forma coletiva a uma cerimónia de beija-mão e prostração ante a sua figura (cada vez visivelmente mais inchada). Uma cerimónia que é, em si mesma, um desmentido da suposta "modernização" do regime que tanto apregoam os seguidores do "lobby" promarroquino.
Uma vez cumprido o trâmite de fazer com que os seus súbditos se humilhassem perante ele, Mohamed VI viajou para Paris para ele próprio se humilhar, mendigando por todos os meios uma entrevista com Hollande.
"Démain", uma publicação eletrónica marroquina independente, imprescindível para conhecer o que DE VERDADE, acontece em Marrocos, conta-o desta maneira, num esplêndido artigo que passo a traduzir:
Nunca tal se viu. Um soberano cherifiano que se agita como um diabo para ser recebido por um presidente francês antes de ninguém. Depois da investidura de François Hollande nas suas funções presidenciais, o rei Mohamed VI fez absolutamente de tudo para ocupar as redondezas do Elíseu e suplicar uma sessão de fotos com o novo presidente francês.
Fez-se de tudo. Envio de delegações oficiais e oficiosas, ativação de redes de lobbystas franceses e franco-marroquinos em Paris, cartas secretas, etc....
Na impossibilidade de obrigar o novo chefe de Estado francês a efetuar a sua primeira visita oficial (fora da UE) a Marrocos, como o fez com o pobre Mariano Rajoy, obrigado a vir a Rabat para dar um beijo em público a Abdelilá Benkirán, Mohamed VI queria ao menos ser o primeiro chefe de Estado a ser recebido por Hollande no Eliseu.
Graças aos franceses do PS condecorados com o wissam, entre eles, o ex-emigrante catalão, o ministro Manuel Valls, figura especialmente detestada nos mercados árabes, assim como "a amiga da família", a primeira secretária do Partido socialista, Martine Aubry, Mohamed VI acaba por obter a sua satisfação.
E hoje, quinta-feira, 24 de maio de 2012, um breve comunicado do Eliseu anuncia que "François Holande, presidente da República, receberá em entrevista sua majestade Mohamed VI, Rei de Marrocos, esta quinta-feira, 24 de maio de 2012, pelas 16'00 h no palácio do Eliseu". ¡Viva o rei!
A perseverança tem o seu prémio. Mas este empenho em fazer uma foto com François Hollande talvez esconda outra coisa. A preocupação ante as futuras reações de um chefe de Estado que, se diz, menos recetivo aos nossos encantos culinários... e financeiros.
Mas a informação do Démain acabaria por acrescentar outro dado extremadamente importante. É que no dia anterior a ter recebido Mohamed VI, o presidente Hollande havia-se entrevista por telefone com o seu homólogo argelino, Abdelaziz Buteflika. E a este respeito é muito ilustrativo comparar os comunicados oficiais do Eliseu sobre a entrevista com Buteflika e com Mohamed VI, para confirmar que, de momento, Mohamed VI fracassou nos seus propósitos.
Tudo parece indicar que Mohamed VI esteve em Paris desde o dia 11 de maio esperando... até ao dia 24 de maio.
II. ... SEM CONSEGUIR, PELO MENOS DE MOMENTO, O SEU PROPÓSITO...
O rei marroquino tem medo no Sahara Ocidental. Disse-o aqui e repito.
Neste blog revelou-se em primeira mão, que o novo primeiro-ministro de França de forma oficial qualificou a presença marroquina no Sahara Ocidental como uma ocupação e que também qualificou o conflito como um conflito de descolonização que deve ser resolvido com um referendo de autodeterminação. Não disse nada de original. Simplesmente, advogou o que diz o Direito Internacional.
Marrocos tem medo de que França deixe de apoiar Mohamed VI de forma incondicional.
Também neste blog revelámos em primeira mão as razões que levaram Marrocos a repudiar oficialmente o diplomata norte-americano Christopher Ross, o Enviado Pessoal do secretário- geral da ONU para o Sahara Ocidental. Marrocos tem medo de que as iniciativas que havia empreendido Ross revelem ante o mundo inteiro a natureza opressiva da ocupação marroquina.
Neste contexto, a visita de Mohamed VI a Hollande tinha um duplo objetivo:
- conseguir que o novo governo francês confirmasse o seu apoio incondicional à política de Mohamed VI no Sahara Ocidental;
- e, em consequência, que o novo governo francês apoie a iniciativa de Mohamed VI de afastar Ross.
O que é que MVI conseguiu?
De momento, podemos dizer que Mohamed VI acumulou um fracasso, pelo menos parcial.
- por um lado, conseguiu que o porta-voz, em funções do ministério dos Negócios Estrangeiros do já ex-presidente Sarkozy, continue apoiando a proposta de pseudo "autonomía" apresentada por Marrocos em 2007.
No entanto, o monarca marroquino não conseguiu, depois da sua entrevista, uma só declaração de Hollande apoiando as posições do sultão no conflito do Sahara Ocidental. Como prova, serve o facto de a agência oficial marroquina, MAP, se ter limitado na sua "informação" a repetir as declarações do porta-voz em funções do MNE francês (cargo da equipa ainda de Sarkozy).
- Por outro lado, não conseguiu nenhum apoio à decisão de retirar a confiança a Ross. Inclusive o porta-voz em funções do MNE francês limitou-se a "tomar nota" da iniciativa alauita sem a apoiar. Hollande nem sequer "tomou nota".
III. ... ENQUANTO EUA E A ONU REITERAM O SEU APOIO A ROSS...
Enquanto isso, os EUA continuam a apoiar a Ross e prosseguem sem dar um apoio incondicional a Mohamed VI.
Convém a este respeito apontar CINCO factos.
O primeiro facto, como já o afirmei aqui, é que o Departamento de Estado dos EUA (como também o Secretário- Geral das Nações Unidas ), depois de desencadeada a campanha marroquina, reiteraram o seu apoio a Ross.
O segundo facto é que o Embaixador dos EUA na Argélia declarou dias depois, a 21 de maio, que Christopher Ross continua a contar com o respaldo dos Estados Unidos.
O terceiro facto é que os Estados Unidos são um dos países que, na sessão de 22 de maio do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra, criticaram as violações de direitos humanos cometidas pelo governo de "sua majestade" não só em Marrocos como também no Sahara Ocidental.
O quarto facto é que no Comité de Organizações não governamentais das Nações Unidas, a 24 de maio, o governo dos USA se opuseram expressamente ao intento de Marrocos de não admitir a iniciativa apresentada por uma associação suíça de defesa dos direitos humanos no Sahara Ocidental: Bureau International pour le respect des droits de l'homme au Sahara Occidental (BIRDHSO).
E em quinto lugar, no relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre a prática dos direitos humanos no Sahara Ocidental durante 2011, recém publicado a 24 de maio, denunciam-se claramente as violações de direitos humanos cometidas pela monarquia marroquina no Sahara Ocidental.
Quanto à ONU, no dia 25 de maio, o porta-voz do Secretário- Geral das Nações Unidas voltou a reiterar que apoia a Ross, como já o havia feito no dia 17 de maio.
IV. ...E O GOVERNO RAJOY CONVERTIDO EM ÚNICO ALIADO ? OU REFÉM DE MOHAMED VI...? ATÉ QUANDO?
Aqui o disse várias vezes e devo repeti-lo:
- o governo Rajoy anunciou uma política exterior em relação a Marrocos que desde logo deixou de cumprir;
- Essa alteração de política parece ter sido sugerida por Don Juan Carlos I em função mais que dos interesses nacionais espanhóis, mas antes dos seus próprios interesses privados (que, como ficou manifestado recentemente de forma pública e notória) estão muito vinculados às tiranias petrolíferas do Golfo Pérsico, protetoras da monarquia marroquina.
Ahmed Bujari, uma das cabeças mais lúcidas da Frente Polisario acaba de proferir umas declarações importantes que faria bem o governo Rajoy meditar:
A Polisario "está testando a atitude e medindo a temperatura ao Governo de Madrid" a quem está dando tempo até depois do verão para que dê "uma resposta definitiva se Espanha está interessada num Estado saharaui independente ou o considera contrário aos seus próprios interesses".
Considerou que, até agora, a resposta "é sim e não, é a favor e é contra", tal como durante o governo do PSOE. "Os nossos amigos socialistas informaram-nos que se opuseram para a facilitar interesses de outros", disse Ahmed.
"NO dia em que sentirmos o agradável perfume de que Espanha tem os seus próprios interesses em vez de facilitar os dos outros, nesse dia veremos a autêntica primavera", afirmou.
A Frente Polisario, a ONU, os EUA, França e Argélia já se pronunciaram sobre a decisão do “majzen” de retirar a sua confiança a Ross, mas o governo espanhol não disse ainda nada sobre o assunto.
Sim, chegou a hora de que Espanha, como nação, esteja consciente de que tem os seus próprios interesses.
Interesses entre os quais está um Sahara Ocidental independente.
DESDE EL ATLANTICO blog do prof. CARLOS RUIZ MIGUEL 25.05.12