domingo, 30 de abril de 2017

Resolução sobre Sahara Ocidental aprovada por unanimidade do CS após reequilíbrio do texto



A reunião do Conselho de Segurança (CS) da ONU que foi adiada de dia 27 para dia 28 e devia ter lugar às 17h00 (hora de Nova Iorque) começou com mais de uma hora de atraso após a confirmação oficial da MINURSO (Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental) da retirada da Frente Polisario da zona tampão de Guergarat onde o movimento de libertação se teve que instalar após uma incursão do Reino de Marrocos que violou o acordo de cessar-fogo em agosto passado.


MINURSO seguirá em Guergarat

O comunicado de Imprensa divulgado pelo porta-voz do Secretário Geral (SG) dia 28 de Abril à tarde,  saúda a decisão da retirada da POLISARIO da zona de Guergarat e informa que “a MINURSO tenciona manter a sua posição na Faixa de Segurança desde agosto de 2016 e continuar a debater a futura vigilância da zona e toda a gama de questões relacionadas com a Faixa de Segurança com as partes.”

Marrocos tentou com esta manobra não só ocupar mais uma parte do território como desviar a atenção das Nações Unidas para a área de Guergarat, atrasar assim mais uma vez a negociação e focar a atenção dos média nesta situação em vez das graves violações dos direitos humanos nos territórios ocupados, o muro de separação e o recente acórdão do Tribunal de Justiça Europeu que determina como ilegal a comercialização de qualquer produto originário do Sahara Ocidental por parte de Marrocos, que afirma não ter soberania sobre esse território.


Projeto de resolução sofreu várias alterações

O projeto de resolução que tinha circulado e que era claramente favorável a Marrocos foi alterado de forma a ser mais equitativo na abordagem e terminologia utilizada, o que permitiu a sua aprovação por unanimidade algo que não aconteceu nas votações dos últimos anos.

A resolução final aprova a prorrogação do mandato da MINURSO por mais um ano e apela e urge para a reativação da negociação entre Marrocos e Frente POLISARIO.  A representante da Suécia salientou no seu discurso que “em primeiro lugar, a resolução emite um forte sinal, claro e unânime: chegou o momento de retomar as negociações que conduzirão a uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável; Uma solução que preveja a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental.” A inclusão de mulheres no processo político que é referenciada na resolução, merece também o entusiasmo da Suécia que considera que essa opção é uma injeção de nova energia.

A resolução enfatiza a necessidade de uma nova dinâmica nas negociações e é recebida com agrado tanto pela Frente Polisario como Marrocos.


EUA, França e Senegal reconhecem plano de autonomia como solução

A representante dos EUA enfatizou a urgência de nomeação de um novo enviado pessoal do Secretário Geral para o Sahara Ocidental e a sua visita à área e reafirmou a necessidade de alcançar uma solução política mutuamente aceitável  para a autodeterminação do Sahara Ocidental, mas considera a proposta do plano de autonomia de Marrocos como um projecto sério, credível e realista e que é uma abordagem satisfatória para ir ao encontro das aspirações do povo saharaui.

Tanto Senegal como França posicionaram-se claramente do lado marroquino. Senegal  saudou o Reino Alauita pelos “progressos” e considera o plano de autonomia uma opção séria, realista e credível. François Delattre, embaixador de França, declarou o mesmo mas mencionando a necessidade da prosperidade económica na região, não tendo manifestado nenhuma preocupação com os direitos humanos apesar de ter respondido a uma jornalista da Innercity Press dias antes que “os direitos humanos estão no meu ADN!”


Uruguai acusa CS de tratar o Sahara Ocidental como um ritual

Já o representante do Uruguai lembrou que a questão do Sahara Ocidental passou a ser tratado como um ritual no seio das Nações Unidas onde se reúne o CS uma vez ao ano sem se verificarem quaisquer progressos e se limita a prorrogar o mandato da MINURSO sem nunca haver um seguimento nem da imprensa nem do CS da questão. Criticou o facto de não haver sessões abertas sobre o Sahara Ocidental entre renovações de mandato. Alertou para o facto que em relação à expulsão de parte do contingente da MINURSO por parte do Reino de Marrocos as missões de paz das NU não podem sofrer alterações a não ser por decisão conjunta e do CS e relembra que o mandato desta missão é a realização do referendo. Alerta ainda que a difícil situação dos direitos humanos no Sahara Ocidental necessita de maior atenção.


União Africana de importância vital para o representante da Etiópia

Em relação ao papel a desempenhar pela União Africana (UA) o representante da Etiópia espera que a adesão de Marrocos a esta organização possa melhorar o diálogo, o alinhamento com os princípios fundamentais da UA, e realça a importância do papel a desempenhar pelo próximo enviado especial do SG.

China e Reino Unida fizeram intervenções curtas em que apenas reafirmaram a necessidade de se alcançar uma solução política mutualmente aceitável para as partes.

A situação atual foi considerada pelo representante da Itália como o momento para acelerar o processo político e uma nova dinâmica para alcançar a autodeterminação do povo saharaui.

O representante da Bolívia reafirmou o apoio do seu país ao direito à autodeterminação dos povos e saudou a boa vontade de ambas as partes ao terem retirado de Guergarat.

Para o Japão e a Ucrânia o reavivar do processo político é claramente a prioridade nesta questão.

A Federação Russa vê com preocupação o status quo que facilita a possível presença de grupos extremista e enfatiza que é necessário a reativação das negociações no sentido de encontrar uma solução justa, duradoura que culminará com a autodeterminação do povo saharaui e a importância do enviado especial do SG na busca desta solução.

Ficou assim claro que o apoio aos desejos de Marrocos vem de França, Senegal e EUA, um plano de autonomia que não está de acordo com o estabelecido no acordo de cessar fogo de 1991. Mas é também evidente que as manobras e tentativas de alterar a terminologia por parte de Marrocos e que em parte se viram refletidas no relatório de António Guterres, não passaram no Conselho de Segurança graças à Federação Russa, membro permanente e com direito a veto, e de vários membros não permanentes como Uruguai, Suécia e Etiópia entre outros.


Referendo bloqueado há décadas por Marrocos com apoio de França

A proposta de autonomia de Marrocos foi já aceite como uma das perguntas a serem integradas como opção no referendo pela Frente POLISARIO, pelo que a verdadeira questão continua a ser porque Marrocos não aceita o referendo que bloqueia há décadas de uma ou outra forma com o apoio explícito de França.

A população saharaui nos territórios ocupados seguirá assim um ano mais sendo vítima das violações cometidas por Marrocos perante o olhar  impassível da Comunidade Internacional e o silêncio e inação das Nações Unidas, neste caso da sua Missão de “Paz” que continua a não ter no seu mandato uma mecanismo de proteção da população.

Um mecanismo a ser incluído no mandato da MINURSO terá que ser sempre de proteção com as competências idênticas às que tinha a Missão de paz em Timor. A monitorização só por si não protege em nenhum momento a população e como é evidente pelo relatório do SG e dos relatórios anteriores a observação da situação não é difícil, nem inexistente, o que é inexistente é a ação direta desta Missão para prevenir e impedir que Marrocos viole sistematicamente os direitos humanos mais básicos dos saharauis.

O Conselho de Segurança à semelhança da União Europeia vê como parceiros credíveis os vários organismos de Direitos Humanos criados por Marrocos, nomeadamente o Conselho Nacional de Direitos Humanos  (CNDH) com sedes nos territórios ocupados (El Aaiun e Dahkla). O CNDH é não mais que uma extensão do palácio de Mohamed VI e representa os interesses do Estado, é curioso notar que não é mencionada, nem reconhecida como interlocutor a Associação Marroquina de Direitos Humanos (AMDH) que devido à sua ação de denúncia e defesa de ativistas marroquinos e saharauis já foi várias vezes colocada na lista negra do Reino Alauita. Também não se faz referência às numerosas associações saharauis, que mantêm contactos regulares com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

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